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    Jessica Jones tropeça em vilões fracos, mas eventualmente encontra seu caminho (Crítica da segunda temporada)

    A segunda temporada da série da Marvel/Netflix perde a inspiração que alavancou a primeira, mas eventualmente reencontra sua fórmula.

    David Giesbrecht/Netflix

    Nota: 3,0 / 5,0

    [Com spoiler. Clique aqui para ler o texto sem spoiler]

    Se a primeira temporada de Jessica Jones conquistou graças a uma potente metáfora sobre o assédio sexual e relacionamentos abusivos, a segunda tinha altas expectativas a alcançar. Missão de Melissa Rosenberg e Krysten Ritter, respectivamente a showrunner e a protagonista da série. E após alguns tropeços e um notório esvaziamento do roteiro, os novos episódios eventualmente encontram o caminho e um tema.

    Após ter matado Kilgrave (David Tennant), Jessica está na tentativa de voltar a ter uma vida normal, ou o mais próximo disso que for possível. Ela recusa o posto de heroína, e igualmente se afasta do título de ‘assassina’. Entre um caso simples e outro, a detetive particular volta o seu olhar para a IGH, e passa a investigar a sua própria origem e de onde vieram os seus poderes, após descobrir que não os adquiriu durante o acidente de carro, mas graças a experimentos ilegais feitos em laboratório antes de ela ser levada ao hospital.

    Esta premissa empolga pouco por vários motivos. Além de parecer um reaproveitamento da trama da primeira temporada de Luke Cage, é exatamente o que se espera de um arco narrativo que não tem muito a dizer — afinal de contas, é bastante difícil estendê-lo por 13 horas. Poderia ser uma cansativa perseguição ao passado e uma busca que não teria sequer uma finalidade clara, somando ainda uma vilã fraca e desinteressante que, ao menos nos cinco primeiros episódios, é simplesmente uma versão “mais forte, mais nervosa”  e completamente genérica de Jessica, um espelho para que a protagonista veja sua própria humanidade e entenda o que ela poderia ter sido — mas não é.

    A trama eventualmente mostra a que veio no sexto episódio. Curiosamente, apenas os cinco primeiros foram liberados com antecedência para os jornalistas, uma tática pensada talvez exatamente para manter o segredo mais impactante da temporada a salvo até a estreia, não por coincidência marcada para o dia 8 de março. A vilã é na verdade a própria mãe de Jessica, que não morreu no acidente e passou pelos mesmos experimentos que a filha, porém em níveis mais elevados — fazendo com que ela, Alisa (Janet McTeer), se tornasse incapaz de controlar a própria raiva e os seus ímpetos de violência. Imaginou um Hulk sem orçamento? Por aí...

    David Giesbrecht/Netflix

    É difícil não notar a falta que faz Kilgrave, e mais especificamente o quão importante foi para a primeira temporada o carisma de David Tennant. Evidência disso é o seu retorno breve no 11º episódio, que coloca Jess em outro estado de espírito e confere novo ritmo aos seus momentos, mesmo que curtos.

    O conflito e a dinâmica entre mãe e filha são realmente interessantes, mas não o suficiente. O conflito de Jessica está no fato de ela não saber se ajuda a esconder Alisa ou se a entrega para a polícia, o que naturalmente faz com que ela precise repensar toda a sua vida após a morte da família. O problema é que, durante vários episódios, essa indecisão acaba se tornando repetitiva e desnecessária.

    O que jamais deixa a desejar, no entanto, é a atuação de Krysten Ritter, mais uma vez excelente na pele da sua personagem. Jessica sofre uma espécie de crise de identidade por ter enfim vencido o seu maior nêmesis, estar incapaz de seguir em frente e ter consigo ainda a eterna culpa pelo acidente que a deixou órfã. O retorno da mãe faz com que todas essas questões se amplifiquem, e mesmo que eventualmente a relação entre ambas cative, é meio custoso chegar até lá.

    Mesmo assim, Ritter deixa muito claro o tempo todo o quanto Jessica está brava consigo mesma e com tudo e todos ao seu redor. O pavio curto e a autossuficiência, as respostas irônicas e a dor (que também é visível) são elementos que prendem o espectador mesmo durantes os episódios mais fracos. 

    Família é de fato o maior tema da segunda temporada, e isto fica claro não apenas com Alisa mas também com a presença maior de Trish (Rachael Taylor) no arco narrativo, assim como de Malcolm (Eka Darville). A história de Trish segue a sua eterna insatisfação com a profissão e com a vida pessoal, e termina de uma forma promissora para quem espera mais da personagem. Taylor é a responsável talvez pelas cenas mais agradáveis e divertidas da temporada, pois transita muito bem entre os humores de Trish com simples — mas eficazes — mudanças do olhar e da postura.

    David Giesbrecht/Netflix

    Jessica Jones continua trabalhando muito próxima aos traumas e às consequências deles para os sobreviventes. Jessica está mais obscura e danificada do que nunca, o que fica mais evidente à medida que ela vai se aproximando da mãe e descobre “um buraco que nem ela mesma sabia existir”. A protagonista é a própria manifestação da raiva após o trauma, das dúvidas que permanecem depois de uma situação nociva. São momentos duros, sobretudo porque não é difícil concluir na metade do caminho que este enlace materno não terá um final feliz. Mas à medida que acompanhamos Jessica chegar sozinha à conclusão do quanto ela mesma buscou o seu próprio isolamento, e do quanto isso é ruim, a temporada acaba ganhando alguns pontos.

    Provavelmente já escrevemos ou comentamos em várias críticas, mas novamente aqui a temporada se beneficiaria de ter menos episódios. De todas as séries da Marvel para a Netflix, a primeira temporada de Os Defensores é a que tem o melhor uso do tempo — e isso porque é composta por apenas oito episódios, sem desgaste, sem sobra. E a temporada, aliás, nem é tão boa assim. A segunda de Jessica Jones é mais uma daquelas de começo pouco inspirado, mas que eventualmente tomam fôlego no caminho. Os arcos narrativos de Trish, Malcolm e Alisa ficam interessantes realmente apenas na segunda metade, o que confere umas boas 6 horas que são mal-aproveitadas e se esforçam tanto para provar o quanto são relevantes que acabam não sendo.

    Ou seja: os personagens estão incríveis. A história, nem tanto.

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