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    Santa Clarita Diet: Crítica da primeira temporada

    Na nova comédia da Netflix com Drew Barrymore e Timothy Olyphant, a vida começa após a morte.

    Nota: 4,0 / 5,0

    “Eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor”

    (Memórias Póstumas de Brás Cubas)

    Tão longe quanto as séries de comédia têm ido nos últimos anos, é cada vez mais comum que tratem de temas profundos com mais seriedade do que alguns dramas de 1h de duração. Silenciosamente, a irreverência vai se tornando a maior aposta da TV para escancarar falhas da sociedade e/ou questionar a forma que vivemos. Nesse contexto, Santa Clarita Diet surge quase como um ponto fora da curva, e utiliza o absurdo como seu grande trunfo para chamar a atenção e, eventual e inevitavelmente, levantar uma questão: qual é o maior desafio que uma família pode superar para se manter unida?

    A série gira em torno de Sheila (Drew Barrymore) e Joel Hammond (Timothy Olyphant), um casal de corretores de imóveis que mora em Santa Clarita, um populoso subúrbio no condado de Los Angeles. Eles têm uma filha adolescente, Abby (Liv Hewson), e vivem uma rotina normal, típica-de-qualquer-sitcom-familiar-que-você-já-tenha-visto: têm problemas com colegas de trabalho, vizinhos curiosos com quem mantêm um certo contato, mas nada além do realmente necessário; Sheila é uma mãe e esposa absolutamente comum, até recatada por não ser entregue a nenhum impulso neste primeiro momento, e a sua mudança de postura é exatamente o gancho do qual a série se utiliza para brincar com as configurações familiares e com o controle das necessidades pessoais em favor dos outros.

    Isso acontece porque a vida pacata dos Hammond sofre uma drástica mudança quando Sheila repentinamente passa mal e… morre. E ressuscita. Sem nenhuma aparente explicação. Sim, estamos diante de um tipo de história de zumbi, mas nada parecido com o que estamos acostumados a ver na televisão nos anos recentes. Nem The Walking Dead, tampouco In the Flesh. A palavra “zumbi”, inclusive, quase não é utilizada e as convenções do gênero, totalmente abandonadas; quando o termo surge, inclusive, é em uma ironia tão grande que a ideia de enxergar Sheila como zumbi soa absolutamente ridícula.

    A mudança de postura de Sheila após a sua morte — um fato que a Netflix optou por revelar de antemão ao invés de manter o segredo intacto — interpreta um papel essencial na reflexão que é construída sob a superfície dos momentos insanos que se acumulam ao longo dos dez episódios da primeira temporada. Os Hammond precisam aprender uma nova rotina e entender como os impulsos de Sheila e seu novo estilo de vida (literalmente) canibal pesam no equilíbrio familiar, e isso é o que costura a trama: o tempo todo, a história contrapõe o controle da impulsividade e a eventual (mas frequentemente contida) necessidade de ceder às exaltações, tanto através de Sheila quanto de Timothy, Abby e os vizinhos, que exercem papéis importantes em grandes momentos da história.

    Sem cerimônia alguma, Santa Clarita Diet joga com o grotesco e o bizarro para apresentar a nova dinâmica entre Sheila e a família, e escancara a banalização das histórias de zumbis exatamente ao trazer o gênero para um contexto “comum” de uma família normal. Ao ser, ela mesma, um exagero pelo contraste, a comédia faz pensar, expondo os personagens a temas de vida, morte e a fragilidade (ou a força) dos laços familiares.

    O triunfo dos momentos cômicos de Santa Clarita Diet se deve muito à incrível dinâmica entre Drew Barrymore e Timothy Olyphant, ambos em ótima forma e bastante confortáveis em seus papéis. Barrymore é espontânea, enérgica e vibrante, e Olyphant faz graça sem fazer esforço; é quase impossível não se identificar ou sentir o mínimo de empatia com o seu personagem e os silenciosos debates que ele trava com ele mesmo na dedicação à esposa e à família. Em um determinado momento, Joel confessa: “Eu sinto que você é o Batman E o Robin. E eu sou o Alfred”. É quase triste, mas abertamente cômico.

    Por fim, Santa Clarita Diet perde um pouco a força nos seus momentos finais, embora continue caminhando para lugares que são impossíveis de prever. Talvez a temporada usaria melhor do próprio tempo se ela se levasse menos a sério, pois eventualmente vai deixando as sacadas inteligentes pelo meio do caminho e passa a se equilibrar mais nos absurdos que na própria história, que fica repetitiva embora as inserções cômicas continuem funcionando. É possível até que a temporada funcionasse melhor com oito episódios em vez de dez, mas mesmo assim ela deixa bastante espaço para continuar indo a lugares cada vez mais improváveis no futuro.

    Santa Clarita Diet é criada e produzida por Victor Fresco, veterano da TV criador da aclamada Better Off Ted e roteirista de My Name is Earl e eventualmente de ALF e Família Dinossauro. A sua assinatura está em todos os lugares no que tange à mistura de elementos de ficção científica em uma comédia leve mas bastante perspicaz. E não se engane, ela vai te surpreender. Até o fim. 

     

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