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    Por que não usar o termo "humor negro" na definição de gênero cinematográfico?
    Nathalia Jesus
    Nathalia Jesus
    -Redatora e crítica
    Jornalista apaixonada por cinema, televisão e reality show duvidoso. Grande entusiasta de dramas coreanos e tudo o que tiver o dedo de Phoebe Waller-Bridge.

    Utilizado na literatura e no cinema, termo tem conotação negativa e pode ser substituído por "humor ácido".

    “Humor negro” ou “dark comedy” é um dos termos mais controversos na literatura e no audiovisual. Para os que já ouviram falar, mas não sabem o significado, o gênero corresponde a um humor mórbido, grotesco ou pesado, que utiliza a comédia para gerar um efeito perturbador ou transmitir situações absurdas do cotidiano.

    Geralmente, os tópicos discutidos neste gênero são graves ou sérios, mas a abordagem tenta ser leve e bem-humorada enquanto exibe a natureza horrível das coisas, tratando-as da maneira mais inaceitável possível. Assim, este tipo de humor tende a explorar temas de extrema sensibilidade com um tom insensível e, por vezes, desrespeitosos — causando certo estranhamento a quem não tem o costume de assistir produções do gênero e, principalmente, a quem vive na pele as problemáticas refletidas e tratadas como fonte de risadas em tais enredos.

    Qual é a história deste termo?

    O termo “humor negro” foi introduzido pela primeira vez no livro “Anthology of Black Humor”, do autor Andre Breton, lançado em 1939. O nome do gênero derivava do estilo francês “humor noir”, no qual o teórico surrealista não enxergava como parte apenas da literatura, mas algo além da arte: atitude ou postura em relação a temas sensíveis.

    A inspiração do autor veio do escritor Jonathan Swift, ao perceber que suas obras satíricas geravam o riso que vinha de um lugar de cinismo ou simpatia do público por uma vítima que banalizada suas próprias opressões por meio do humor. Até mesmo Freud, conhecido como o pai da psicanálise, desenvolveu uma teoria a cerca disso, afirmando que este tipo de humor deriva do próprio ego humano, que se recusa a ser perturbado por quaisquer eventos trágicos da vida cotidiana.

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    Mais tarde, após a Segunda Guerra Mundial, o gênero foi desenvolvido em um sentido mais profundo, utilizado para entender a vasta devastação e sofrimento causados ​​pela guerra — rir da desgraça como forma de lidar com ela. O famoso “teatro do absurdo”, que começou na Europa do final dos anos 1950, é um bom exemplo do desenvolvimento deste tipo de humor. Durante o período, o teatro abandona os dispositivos racionais e passa a criticar a falta de sentido da condição humana.

    Mas o gênero começa a caminhar para níveis menos aceitáveis, de fato, quando escritores como Edward Albee, Joseph Heller e até autores infantis como Roald Dahl adotam o estilo e transforma em narrativas impalatáveis a estimados valores sociais. Assim, o “humor negro” segue um rumo desrespeitoso e sensível, que afeta, principalmente, grupos sociais minoritários (em direitos e oportunidades), tanto pela rispidez dos temas, quanto pelo fato de a narrativa estar sendo contada sob a ótica ilegítima daqueles que não foram afetados pelas opressões expostas. Inclusive, muitas vezes, este tipo de comédia é proclamado por pessoas que provocam, estruturalmente, estes problemas.

    Por que não usar “humor negro” e qual termo pode substituir?

    Como mencionado acima, este conceito de comédia pode ser ofensivo e cruel, maquiado sob a proposta de tornar problemas graves como algo risível, divertido. Assim, a utilização da palavra “negro”, atrelada ao teor depreciativo e desconfortável deste gênero, traz ao termo uma conotação de origem racista.

    Associar a negritude a conceitos negativos é um dos artifícios linguísticos que se tornaram comuns e nos foram ensinados na língua portuguesa. Entre os diversos termos derivados do passado escravagista no Brasil, estão “mercado negro”, para denominar o comércio ilegal, “magia negra”, para citar práticas espirituais consideradas cruéis, e “a coisa está preta”, para afirmar que alguma situação está ruim.

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    Assim, a palavra “negro” tem sido frequentemente associada a tudo o que há de ruim ou depreciativo, como o “humor negro”. Aprendemos a utilizar tais termos desde o início de nossas vidas, mas a busca por aprendizados constantes e respeito às coletividades nos torna melhor desenvolvidos como sociedade. Portanto, se vocês, leitores, estão abertos a abandonar velhos hábitos negativos e aprender palavras que substituam termos pejorativos, sugerimos que troque “humor negro” por humor ácido. Já é um começo!

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