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    Rodrigo Santoro fala sobre humanização de personagem em Power e democratização da cultura através do streaming (Entrevista)

    Seu mais recente filme está disponível na Netflix.

    Power, novo filme de ação da Netflix, estreou no dia 14 de agosto e flerta com a fantasia dentro do gênero heróis, mas vai além por não tratar apenas de uma história sobre poderes e sequências de embates físicos. Estrelado por Jamie FoxxDominique FishbackRodrigo Santoro e Joseph Gordon-Levitt, o longa adiciona boas doses dramáticas e realistas através de seus personagens.

    Aproveitando a época de estreia de Power, o AdoroCinema conversou com Rodrigo Santoro sobre seu novo papel para o cinema, como foi se preparar para o personagem Biggie, o que há de mais interessante no roteiro do longa e muito mais. Leia a entrevista completa abaixo.

    AC: Em um vídeo de bastidores de Power, Jamie Foxx e Joseph Gordon-Levitt contaram que, em uma de suas cenas mais intensas, você foi aplaudido no set. Como foi este momento?

    Rodrigo: Pois é, eu não sabia que eles tinham falado sobre isso antes de o vídeo ser divulgado. Isso aconteceu na cena da transformação, que foi a mais desafiadora em vários sentidos. Eu usei cinco peças de próteses diferentes para a transformação do Biggie, mas eu tive que fazer tudo isso corporalmente - mesmo com o CGI. Na cena, estava todo mundo focado, porque era toda uma questão de como expressar fisicamente o efeito da pílula. No final deste dia, após ter feito a cena, o pessoal aplaudiu e foi um momento muito gratificante e marcante. Eu não sabia que o Joseph comentaria isso (no vídeo), mas os dois estavam assistindo pois também estavam na cena. Então, assim como a equipe, ambos participaram do processo e observaram tudo. Fiquei super lisonjeado por eles falarem isso. São dois grandes artistas que admiro muito.

    Power

    AC: O filme traz reflexões acerca da capacidade do ser humano em ser "maior e melhor", mas também sobre olhar para os poderes invisíveis que às vezes nos esquecemos - como é o caso do talento da jovem Robin em cantar. Foi isso o que mais te atraiu quando leu o roteiro?

    Rodrigo: Foi a metáfora central. Primeiro, eu achava que o roteiro tinha um approach bem interessante com relação ao gênero, ao superpoder. Muitas pessoas - inclusive ouvi comentários de amigos - olham para o filme como um filme de super-heróis. Mas a história está entre uma coisa e outra. Ela não tem um formato dentro do gênero e, principalmente, não tem um herói como protagonista. Power apresenta pessoas normais que tomam uma substância e cada uma desenvolve um superpoder. Por isso, a metáfora que mais me provocou questionamentos foi a questão do desejo insaciável do ser humano pelo poder. Este é o pilar central da história: o humano querer sempre ter mais, conquistar mais. O que nós somos capazes de fazer? Este é um filme de ação, mas que toca nessas questões. A personagem Robin, por exemplo, simboliza uma das milhares de pessoas deste mundo que possui um grande talento, mas não tem a menor oportunidade para exercê-lo. Através da relação dela com Art, também se discute a importância de descobrir e se conectar com seu poder interno. Não que isso seja uma solução rápida para os problemas sociais e a desigualdade social que está no mundo - especialmente em nosso país. Mas isso traz o olhar para dentro: encontrar a força e transformá-la em nossa voz. E, aliado a tudo isso, existe o meu personagem, que não é apenas um vilão mas, sim, um vendedor. Um chefe de marketing megalomaníaco, com a visão de transformar com a pesquisa genética proveniente de animais.

    2) Como foi o seu processo de desenvolvimento de Biggie? Ele é tido como vilão, mas é possível compreender que sua intenção é engrandecer a humanidade à sua maneira.

    Rodrigo: Para mim, essa questão do vilão é muito curiosa. É uma visão pessoal mesmo. Eu me concentrei em tentar humanizar o personagem e não fazer um traficante malvado e cruel. Não era procurar fazer o antagonista dos super-heróis. Biggie tem uma personalidade bem contraditória; na superfície você consegue perceber que ele aparentemente está no controle da situação, mas assim que a situação se complica, a verdadeira essência do personagem se revela de forma escancarada. Ele é um homem inseguro, medroso, que usa a pílula para ficar forte e se autoafirmar. Inclusive, com relação aos superpoderes, todos os personagens os manifestam de formas diferentes. Era até uma piada interna entre os membros da equipe, pois os poderes têm a ver com cada um. Sempre questionávamos isso, apesar de não haver a necessidade ou pretensão de explicar isso no filme. O Biggie também é um personagem que não entra no lugar do vilão. Por que ele não pode ser frágil e quase um covarde? Foi exatamente na direção oposta que procurei trabalhar com os diretores.

    AC: Power poderia ter sido lançado em algumas salas de cinema caso o cenário fosse outro em 2020. Como você está lidando com a pandemia enquanto artista? Sente que as pessoas passaram a valorizar mais o audiovisual (especialmente o brasileiro) no isolamento social?

    Rodrigo: Particularmente, como eu acredito que todo mundo tem encarado diante dos efeitos dessa pandemia, tudo é um exercício diário. Não dá nem para te falar que 'eu faço isso'. Eu trabalho na casa, eu nunca fui tão pai quanto nos últimos meses... Claro que sempre que existe um tempo, a minha atenção foca muito na arte. Acho que ficou extremamente claro para todos o valor da arte e do audiovisual - assim como da música, dos livros, das séries... Sem contar as apresentações virtuais. Esses dias eu assisti a uma peça de teatro virtual. 'É a mesma coisa?', não, mas estamos procurando um caminho de reinvenção. O importante é que esse movimento está acontecendo enquanto as coisas não melhoram. O audiovisual tem sido um companheiro de muita luz. Eu tenho, sim, contado muito com ele e, quando paro para pensar em viver os dias atuais sem essa companhia, sem a internet também, nem imagino como seria.

    4) E o que pensa sobre a atual discussão sobre "cinema versus streaming", que ficou mais forte durante a pandemia?

    Rodrigo: Nós vivemos tempos de muita mudança. Eu sinceramente gostaria muito que os cinemas permanecessem. Eu amo o ritual de compartilhar aquele momento com outras pessoas, mas nós não podemos deixar de entender o que o streaming tem proporcionado aos espectadores neste momento. Não é uma coisa ou outra; acho que existe espaço para as duas coisas. O streaming tem a facilidade da conveniência, o que eu acho o mais importante: dar acesso a muitas pessoas, muitas que não teriam condições financeiras para ir ao cinema tantas vezes. Então, existe uma democratização importante. Mas isso não tira, de maneira nenhuma, o valor inestimável de uma sala de cinema. Eu amo e tenho saudades, mas continuo vendo meus filmes, séries, shows, documentários e peças através da internet. Estamos reiventando a nossa relação com o mundo e a internet é o pilar dessa relação.

    5) Visto seus trabalhos em Power, Westworld, Turma da Mônica, Ben-Hur, etc, que se passam em narrativas de ação e fantasia, você sente vontade em atuar em projetos focados estritamente no drama no futuro, como em Un Traductor?

    Rodrigo: Un Traductor foi uma experiência muito importante. Eu adoro essas histórias. É da onde eu venho, por onde comecei. Bicho de Sete Cabeças foi meu primeiro longa-metragem, então eu possuo uma relação forte com o cinema independente. Mas eu não consigo escolher ou planejar os projetos dessa forma, por categoria. Eu me guio pelas histórias, personagens e artistas com quem vou trabalhar, sempre levando em conta o quanto aquela experiência vai me agregar como ator e ser humano. A gente não pode esquecer que, enquanto estamos trabalhando, estamos vivendo. Trabalho também é vida. Então, eu não olho para a minha carreira de maneira estratégica. Às vezes algo acontece quando leio um roteiro, é uma espécie de química. Procuro ficar muito atento a me escutar, a escutar o que estou sentindo, porque essa é a forma que me parece mais fiel e orgânica a quem eu sou. Uma escolha profissional obviamente passa pelo lado racional, pela experiência... Mas a porção instintiva em mim normalmente é quem fala mais alto.

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