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    Dark: Crítica da 3ª temporada da série da Netflix

    Produção alemã do streaming chega à sua última temporada trazendo desfecho poético. CONTÉM SPOILERS!

    NOTA: 4,0 / 5,0

    ATENÇÃO: A crítica contém spoilers de Dark!

    O fim é o começo. O começo é o fim. Quantas vezes essa ideia já não passou pela cabeça de quem acompanhou Dark ao longo de suas três temporadas? Seja através das falas de personagens ou da própria impressão de que estamos dentro de um labirinto que sequer possui entrada ou saída, a série alemã da Netflix conquistou um público muito amplo por conta do mistério que a cerca. Mas não só por isso.

    Outra característica tão clara quanto as dúvidas que nasceram da bifurcação de diversas linhas temporais é a aproximação do enredo para com o lado humano de todos os personagens. Winden é nada mais, nada menos que um grande espaço preenchido por afetos e desafetos. Indo além da ficção-científica que a série introduz com a usina nuclear da cidade e o papel do relojoeiro e cientista Tannhaus, Dark trata essencialmente da complexidade humana.

    É até irônico pensar que uma série com tantas camadas de perguntas complicadas (e respostas que nos levam a mais perguntas) possa ser resumida desta forma. Porém, a 3ª temporada eleva tal discurso ao nos apresentar uma "solução" que pode ser vista como enigmática e ao mesmo tempo simples. O roteiro, ainda mais múltiplo, agora aborda não só a Winden que já conhecemos após o apocalipse como também um novo mundo. Juntando novas informações com algumas que ainda precisavam de elucidação, Dark não tem medo de mergulhar em um lugar mais profundo, pois é lá que está a resposta.

    "O que sabemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano"

    A frase de Isaac Newton usada várias vezes ao longo da temporada - inclusive no clímax do último episódio -, sintetiza basicamente toda a ideia de Dark: ao longo de duas temporadas o espectador acompanhou muito de perto as vidas daqueles personagens, seus dramas e conflitos internos. Na terceira, tudo se expande. O "novo mundo" com a versão até então desconhecida de Martha não conta com a presença de Jonas nem Adam; na verdade, tudo acontece às avessas, mas alguns eventos acabam sendo similares aos destinos que vimos no "primeiro" mundo que tivemos acesso.

    Ao invés de Adam e o Sic Mundus, este novo horizonte traz Eva (Martha em idade avançada) e o filho de Jonas com a Martha nº 02 (três personagens divididos pelas linhas temporais), que procuram deter o que a versão futura de Jonas (Louis Hofmann) fará ao mundo. Ou melhor, aos mundos. Tais revelações fazem muito sentido para a série como um todo, especialmente quando olhamos atentamente para a relação de Jonas e Martha. Uma nova versão da garota não faria tanto sentido se ela não conquistasse mais espaço na trama do que sua versão original. Nesta temporada, Martha (Lisa Vicari) é praticamente a protagonista.

    Por mais que tudo seja apresentado de forma um tanto quanto breve (afinal, oito episódios para um mundo inédito não é exatamente o suficiente), o arco de Martha/Eva é coerente e interessante, servindo para destacar sua eterna ligação com Jonas/Adam. Os próprios nomes Adam (Adão) e Eva são mais do que o suficiente para explicar o conceito bíblico que Dark possui - algo que pode ser observado desde o início com Noah, o fim do mundo, o pingente de São Cristóvão e a doutrinação que o Sic Mundus implica no mundo pós-apocalíptico, por exemplo.

    Passeando por algumas explicações complexas e outras nem tanto, Dark evidencia mais a capacidade dos roteiristas em garantir nossa atenção e algumas dúvidas até mesmo quando tudo parece encontrar um caminho unificado. Além disso, a montagem não só ajuda a nos situarmos com relação a qual época/mundo estamos como também sabe balancear de forma justa todos os núcleos. Com exceção de alguns diálogos que visam prolongar o suspense, o roteiro é consistente - assim como os aspectos técnicos (trilha sonora, fotografia, efeitos visuais e o uso de cores).

    Apesar de não sabermos de início para qual desfecho o novo mundo nos levará, sempre existe a curiosidade de examinar os trejeitos de personagens que já conhecíamos - ainda que em uma nova "rodada" com papéis invertidos. Com um elenco extremamente harmonizado, Dark ganha força justamente quando prestamos atenção aos detalhes que envolvem a humanidade, não propriamente a ciência.

    Na série, a tecnologia, a religião e até mesmo o desconhecido são apenas cúmplices de algo que começou puramente pelo medo de encarar perdas afetivas. O fato de Tannhaus perder seu filho num acidente não só provoca a criação de dois mundos paralelos como também traça um perfil comportamental que se repete em ambos os locais.

    Não é exatamente este medo que move Jonas quando seu pai, Michael, se suicida? Quando Ulrich perde seu filho Mikkel da mesma forma que perdeu seu irmão Mads? Ou até mesmo com o arco de Noah e a procura nebulosa, porém justificável, por Charlotte, sua filha perdida no futuro? Os perfis destes e tantos outros personagens são baseados em sentimentos desencadeados pela perda ou frustração, que se movimentam sorrateiramente para a vingança ou desespero.

    São sentimentos mundanos, não celestiais. Por muitas vezes, é interessante notar como Dark parece trabalhar com mais atenção o resultado de ações erradas baseadas em uma configuração que não deveria existir, ao invés de nos mostrar apenas a origem de perguntas que as pessoas fazem desde 2017. E essa é a resposta: estávamos olhando pelo ângulo errado. Não porque não fomos capazes, mas porque a própria série exibiu apenas uma parcela de seu próprio universo para, então, indicar o caminho central.

    E quando o mergulho chega ao limite, Dark entrega uma das cenas finais mais poderosas dos últimos tempos. É em um jantar na casa que já foi dos Kahnwald, com a presença de pessoas que reforçam a ausência de outras, que o ciclo parece ter sido fechado. O epílogo não deixa de ser sucinto, mas o déjà-vu de Hannah consegue unificar as três temporadas em um breve momento.

    Se tudo realmente deu certo para deixar de existir ou, na verdade, sequer existiu... Isso não parece importar tanto. Afinal, nós podem ser desfeitos, mas não a memória daqueles que deixaram o mundo de origem. Uma simples capa de chuva amarela suscita a impressão familiar de que alguém já esteve ali, em algum lugar entre o físico e o mental - determinando que o fim pode mesmo ser um recomeço.

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