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    A vitória de Parasita no Oscar significa mais do que você percebeu (Opinião)

    A Coréia do Sul está no epicentro da cultura pop há anos, mas a consagração em Hollywood pode derrubar barreiras que vão muito além do Cinema.

    Divulgação

    Há uma semana, Parasita vencia soberano o Oscar 2020, o mais disputado dos últimos anos. Foram quatro prêmios tão merecidos quanto inesperados -- Filme, Filme Internacional, Roteiro Original e Diretor para Bong Joon-Ho. Foi surpresa... mas será que foi mesmo? 

    O fato é que Parasita não foi apenas o melhor longa-metragem lançado em 2019, como também o mais engajado e conectado aos nossos tempos, um dos poucos entre os nove indicados ao prêmio principal que não é um “filme de época”. Também é raro uma obra com tamanha aclamação popular (pelo menos nas redes sociais) angariar a maior quantidade de troféus dourados em uma mesma noite. E é preciso citar o ineditismo de ter sido o primeiro filme asiático e de língua não-inglesa a ser coroado no topo da maior premiação do mundo ocidental. 

    O Oscar desse ano entrará para a história como aquele que surpreendeu especialistas, demoliu expectativas (e bolões) e superou rancores deixados pelas premiações passadas. Ou alguém ficou genuinamente feliz com a vitória de Green Book em 2019? Pelo menos para quem adora cinema, neste ano, a justiça foi feita. 

    E claro, estamos falando do sucesso ocidental de um filme falado em coreano. Isso significa muita coisa.

    Getty Images

    Culturalmente falando, estamos há tempos obcecados com o que acontece na Coreia do Sul. O sucesso do cinema é apenas a pontinha do iceberg -- o qual, aliás, não veio por acaso: é o resultado de um ambicioso (e invejável) projeto federal de apoio à cultura instituído há 25 anos, e que tem rendido maravilhas audiovisuais indispensáveis, infelizmente ainda de difícil acesso. Procure por filmes coreanos nas plataformas de streaming e decepcione-se você mesmo com a escassez.

    Enquanto isso, o pequeno gigante asiático continua capitalizando atenções mundiais em outros setores, com realizações na música (com o K-Pop e seus derivados), na televisão (com os doramas, ou K-Dramas) e nos games (com as performances absurdas de seus jogadores de eSports). Há destaques notáveis também nos universos da gastronomia (kimchi!) e dos cosméticos (maquiagens!), além de onipresença nas indústrias automotiva e da tecnologia pessoal. E como cereja do bolo, o país ainda possui a conexão de internet mais veloz do planeta. Precisa mais?   

    A merecida consolidação da Coreia do Sul como um player tão relevante no contexto pop deveria servir de alivio para quem gosta de imaginar o mundo como um lugar diverso, fascinante e infinitamente interessante. Tudo indica que essa fonte de novidades e surpresas está longe de se esgotar, e é mais um mérito evidenciado pela consagração do olhar talentoso e compassivo de Bong Joon-Ho. Aliás, não chega a ser estranho que tal olhar tão peculiar se tornasse um fenômeno global.

    Porque o enredo sombrio e incômodo de Parasita foi arquitetado para nos soar familiar, perturbar e fazer pensar. Injustiça social, capitalismo selvagem, conflitos entre pobres e ricos... todas são hoje pautas básicas a qualquer nação da Terra, independente de sua situação política ou região em que se encontra. Chega a ser tristemente simbólico que o Oscar tenha premiado o filme um dia antes de chuvas torrenciais terem arrasado bairros pobres e ricos de São Paulo, o coração econômico do Brasil. Assim como Parasita nos esfrega na cara o a todo tempo, ninguém está completamente imune a uma tragédia devastadora.

    Por último, mas não menos importante, a torcida generalizada por Parasita parece ter nos deixado mais interessados em Cinema -- e, consequentemente, nas premiações que celebram essa arte. Este ano mais do que nunca, o Oscar se tornou mais do que uma ferramenta para promover filmes, mas também para estimular o público a entender mais sobre os filmes. E isso vai muito além de compreender a diferença entre "edição de som" e "mixagem de som". Uma análise em minha bolha pessoal revelou que as pessoas desejam debater mais sobre o que assistem e, consequentemente, conhecer mais filmes de qualidade. Não é mais preciso se assumir cinéfilo para participar de um bolão do Oscar, mesmo que acertar seja uma questão de sorte mais do que qualquer coisa. Foi simplesmente muito divertido avaliar por conta própria quem merece ou não levar a estatueta, e a onipresença de Parasita como o azarão-favorito das premiações teve muita influência nisso.

    Como o "fator Parasita" vai impactar o cinema mundial e as premiações nos próximos anos? Não quero acreditar que tenha sido um fato isolado que não representará uma verdadeira mudança. Prefiro apostar em uma evolução real relacionada a uma maior conscientização de quem vota na Academia, e que a recente tentativa de diversificação dos eleitores esteja dando resultado. Nossa ideia de "filme vencedor do Oscar" pode ter um novo significado daqui em diante, e só me faz pensar em como teria sido se essa visão mais "cabeça aberta" dos eleitores já funcionasse há alguns anos...

    Fica aqui a minha torcida por mais filmes incômodos e necessários como Parasita... e por mais vitórias surpreendentes desses azarões. O mundo anda precisando desse tipo de abalo no sistema.

    Pablo Miyazawa é colunista de cultura pop do AdoroCinema.

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