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    Festival de Gramado 2019: Balanço final

    Tempos políticos.

    Edison Vara/Agência Pressphoto

    Todo festival de cinema possui uma identidade, construída ao longo de anos de acordo com a proposta de seus organizadores. O de Gramado sempre se notabilizou pelo glamour, com estrelas desfilando pelo tapete vermelho em suas elegantes roupas de frio, por vezes até mais que os próprios filmes exibidos. Trata-se da "Cannes brasileira" - com muitas aspas -, no sentido de ser um local onde é importante ver e ser visto.

    Diante desta característica, o Festival de Gramado tem como marca a neutralidade política, independente de quem esteja no governo. Se os artistas têm direito a fazer qualquer tipo de protesto, cabe ao evento apenas servir de palanque, sem concordar ou discordar do que é dito. Até agora.

    Edison Vara/Agência Pressphoto

    Já no primeiro dia, veio a surpresa quando a apresentadora Renata Boldrini disse, em alto e bom som, "em tempos difíceis e obscuros, estamos resistindo", em nome do festival. Dias depois, a própria organização emitiu um manifesto, lido no Palácio dos Festivais pelo diretor Miguel Falabella antes da exibição de seu Veneza, em que critica abertamente o governo Bolsonaro em relação ao tratamento dado à Ancine e à política do audiovisual, em defesa do cinema brasileiro.

    Assim foi o Festival de Gramado deste ano: político, do início ao fim. A polarização que segrega o país tanto fez com que, praticamente todos os dias, surgissem gritos de ordem contra o atual presidente, quanto manifestantes a seu favor jogassem pedras de gelo em quem protestasse no tapete vermelho. Foi o que aconteceu com o diretor Emiliano Cunha (Raia 4) na cerimônia de premiação, com um agravante inadmissível: ele estava com a filha no colo, de apenas dois anos. Triste Brasil, que não respeita a liberdade de opinião.

    Em relação aos filmes, pode-se dizer que esta foi uma seleção morna. Após a estreia acachapante de Bacurau, que repercutiu junto ao público e nos debates por dias, nasceu o furacão Pacarrete com uma Marcélia Cartaxo esplendorosa, aplaudida por onde fosse. O abraço dado pelo público ao filme do diretor estreante Allan Deberton é raro, com uma longa ovação que resultou em um sem-número de parabéns à equipe e elenco, ao término da sessão. Entrou para a história do festival, definitivamente.

    Mas foi só. Com exceção do bom Hebe - A Estrela do Brasil, cuja exibição combina perfeitamente com o tom adotado pelo festival nas últimas décadas, os demais filmes apresentados alternaram entre o ruim e o mediano. Destaque negativo para a mostra latina, com filmes irrelevantes que sequer geraram algum burburinho, e para a dubiedade em torno da premiação dada a Maurício de Sousa - convenientemente, ele anunciou a criação de um Parque da Mônica na cidade, dando um caráter também econômico ao troféu que deveria ser dado apenas por méritos artísticos.

    Gramado chegou ao fim ressaltando a opulência do evento, impulsionado por uma economia local que não para de crescer, e também assumindo a responsabilidade pelos holofotes que atrai Brasil afora. Assumir uma posição no cenário político atual exige não só consciência, mas também coragem.

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