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    É possível comparar os números do cinema, da TV e do streaming? (Análise)

    O que é sucesso no cinema necessariamente seria sucesso na TV?

    Getty Images

    Todo fã de uma série de TV que não era lá aquele grande hit de audiência provavelmente já passou pela situação de acompanhar semanalmente as performances dos episódios na TV norte-americana, seja para sofrer em antecipação por números baixos que prenunciavam um cancelamento ao fim da temporada (ou antes), seja para respirar com alívio ao saber que a produção favorita estava navegando em águas seguras. Muitas vezes acusado por sua defasagem, o sistema do Nielsen Ratings se provou fundamentalmente necessário em tempos em que o público muitas vezes fica no escuro a respeito dos mágicos números que ditam o futuro das produções seriadas — sobretudo porque canais de streaming (como a Netflix) em ascensão mantêm estas informações guardadas a sete chaves em quase todas as situações. Como é possível, então, comparar os sucessos de lançamentos de diferentes tipos de plataformas?

    Resumo da história? Você não pode. Isso porque o que se espera de cada formato — televisão, cinema e streaming, para citar os principais — é algo diferente, que é medido de forma diferentes e com exigências e parâmetros diferentes. As expectativas de índice de audiência sobre uma série exibida em rede aberta, por exemplo, não são as mesmas para uma produção de um canal a cabo premium. Tentar compará-las é não apenas sem lógica como também uma forma de enviesar a visão do público. 

    Mas quão diferentes são essas medições?

    Nas telonas

    Quando falamos de bilheterias nos cinemas, trata-se de uma medição gratuita, acessível e universal. O Box Office Mojo ainda entrega números diferentes de público e arrecadação em bilheterias, tornando possível saber quantas pessoas compraram ingresso para um filme específico e qual foi a sua arrecadação total. Além disso, faz também o reajuste inflacionário e apresenta rankings de acordo com os filmes mais lucrativos em escalas global e doméstica, com e sem o dito reajuste. Isso faz com que, após essa atualização, o filme de maior arrecadação de todos os tempos seja Casablanca, e não Avatar.

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    Desta forma, o público internacional (e aqui estamos falando de qualquer público que não seja o dos Estados Unidos) acaba sendo amplamente relevante para medir o sucesso de um longa-metragem, algo que existe em menor escala em outras plataformas. É por isso que, por exemplo, os mercados chinês e indiano se transformaram em alguns dos mais importantes, pelo tamanho. Desta forma, muitas vezes determinados filmes ganham sequência puramente pelo sucesso que fazem globalmente, apesar de não agradarem muito o público norte-americano. 

    Nas telinhas

    A medição de audiência das séries e programas de TV é feita basicamente pelo bom e velho Nielsen Ratings, que corresponde, em um certo nível, ao que representa o Kantar Ibope no Brasil. O sistema divulga os números de ratings e share de programas “ao vivo” (ou seja, na primeira exibição) e depois do “Live+3” (ao vivo somado aos acréscimos de DVR e reprises após três dias) e “Live+7” (após sete dias). 

    A maior relevância do sistema é para emissoras de canal aberto, sobretudo as “Big Four” dos Estados Unidos: CBS, ABC, NBC e FOX, já que emissoras a cabo dependem menos dos números de audiência e mais da assinatura. Por fim, o sistema acabou sendo taxado como ultrapassado principalmente por ignorar o burburinho das redes sociais para medir o sucesso e a relevância de uma série. Neste quesito, Fringe (2011-2015) acabou se transformando em um evento bastante curioso para a televisão na época em que esteve no ar. Apesar de nunca ter feito grandes números de audiência, semanalmente era uma das séries mais comentadas no Twitter, com uma base de fãs global que se movimentava anualmente para pedir a renovação. Isso, somado à aprovação da crítica, fez com que, no fim, os estúdios da Warner Bros. diminuíssem a taxa de repasse para que o canal FOX concordasse em renová-la para uma quinta temporada reduzida a fim de finalizar a história corretamente.

    Por isso, há o lado positivo e o lado negativo do Nielsen Ratings: são números exatos que medem de forma matematicamente correta o crescimento dos programas, mas ignora os pontos qualitativos que contribuem para o sucesso de um programa e o famoso e imprescindível boca-a-boca. 

    No streaming

    Quando o assunto são os canais de streaming — Netflix, Amazon Prime Video, Hulu, CBS All Access, para citar apenas alguns dos norte-americanos —, tudo é um mistério. Normalmente, não há acesso livre aos números de audiência. O Nielsen Ratings tem acesso às medições de algumas produções originais da Netflix, mas existem contratempos: apenas as séries ou filmes de alguns estúdios específicos são medidos, e o sistema vale apenas para os Estados Unidos. Além disso, são contadas as produções assistidas na TV, mas não são contabilizados os índices de audiência em computador ou mobile. 

    O acesso que existe à audiência das séries ou dos filmes da Netflix é essencialmente das fontes internas. Ou seja, só sabemos se (ou quando) uma produção faz sucesso a partir das divulgações da própria Netflix, que dificilmente podem ser confirmadas ou rebatidas. O que acontece quando a Netflix comemora que filmes como Bird Box, de Sandra Bullock, ou Mistério no Mediterrâneo, com Adam Sandler, se tornaram grandes sucessos, é que nos resta confiar que os números são reais, já que ela não opera sob os padrões tradicionais do Nielsen. 

    Mas isso também significa que, quando a gigante do streaming afirma que “30.869.863 de contas assistiram a Mistério no Mediterrâneo nos primeiros três dias”, é que surge uma pergunta: seria possível converter o impressionante índice ao que eles significaria em um lançamento no circuito tradicional? Há quem tente. 

    “Usando a estimativa do MPAA de US$ 9 o ingresso, a Netflix clama uma abertura de US$ 120 milhões nos Estados Unidos no primeiro fim de semana”, comparou o historiador cinematográfico Peter Labuza, a respeito da suposta audiência de Mistério no Mediterrâneo. “A HBO clamou que 19,3 milhões de espectadores assistiram à final de Game of Thrones. Acho difícil acreditar que um filme do Adam Sandler, que apenas poucas pessoas que eu conheço viram, foi mais popular do que Game of Thrones.”

    A comparação feita por Labuza é interessante porque contrapõe o suposto sucesso de Mistério no Mediterrâneo tanto ao circuito cinematográfico quanto à televisão tradicional. Em números, os comparados US$ 120 milhões equivaleriam à arrecadação norte-americana de Toy Story 4 no primeiro final de semana — um filme que ocupou, diga-se de passagem, 4.575 salas na abertura. 

    Mas talvez seja mais coerente comparar realmente com o sucesso de uma produção televisiva, ainda que, mesmo assim, no fim das contas estejamos tentando colocar na mesma balança produtos diferentes. O próprio comportamento do público não é o mesmo, e o que significa sucesso no streaming não necessariamente seria sucesso nas telonas — assim como Game of Thrones, um produto da TV, não seria o que é caso tivesse sido um filme — ou sete. Um dos únicos pontos em comum do que determina o sucesso de uma produção, em qualquer mídia que seja, é que não é possível ignorar a relevância das redes sociais para isso em 2019.

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