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    Alemão 2: Vladimir Brichta quer "trazer à tona a polícia que não é bolsonarista" em continuação do filme de 2014 (Visita a set)

    Sequência de Alemão é novamente dirigida por José Eduardo Belmonte, e se passa nove anos após os eventos do primeiro longa-metragem.

    Complexo do Alemão, Rio de Janeiro. Uma ação de policiais civis busca capturar o traficante Soldado (Digão Ribeiro), que dominou o morro após a falência das UPPs – Unidades de Polícia Pacificadora. Esta é a premissa de Alemão 2, continuação do filme de sucesso de 2014. Novamente dirigido por José Eduardo Belmonte, o filme traz como protagonistas Vladimir Brichta e Leandra Leal e tem a proposta não só de entreter mas também de debater segurança pública no Brasil.

    O AdoroCinema visitou o set do filme em maio deste ano, no bairro da Penha, no Rio de Janeiro, em uma locação que simula a delegacia do longa-metragem. Acompanhamos as gravações de uma das cenas, que trazem a delegada Amanda (Aline Borges) comandando a operação de policiais civis no Complexo do Alemão, e conversamos com o elenco e equipe sobre como é dar vida a esta produção.

    Sequência

    A ideia surgiu do produtor Rodrigo Teixeira, que pensou em uma sequência quando ainda aconteciam as filmagens do primeiro filme. Segundo o cineasta José Eduardo Belmonte, a produção de Alemão 2 tem sido discutida desde 2014, mas que 2019 foi uma “época boa para fazer o filme”. “A segurança pública está caindo em terra, infelizmente. Discutimos pouco, mas é um tema importante”, revelou em entrevista exclusiva ao AdoroCinema.

    O primeiro longa, protagonizado por Caio Blat e Cauã Reymond, acompanhou cinco policiais infiltrados no Complexo do Alemão em 2010, que são descobertos pelos traficantes no comando da favela e precisam lutar para sobreviver sem revelar o conteúdo de sua missão. Já o segundo é situado nove anos depois da operação militar realizada para livrar o Complexo do Alemão do controle do tráfico.

    Com exceção de Mariana Nunes, nenhum outro membro do elenco original retornou para a produção. “Rodrigo [Teixeira] queria muito fazer [Alemão 2] com o Cauã e com o [Antonio] Fagundes, que eram os [personagens] sobreviventes. [Porém], no final das contas, é sempre problema de agenda, de formatar o roteiro, nunca uma coisa casava com a outra”, explicou Belmonte. “O personagem realmente é o Complexo do Alemão, e as pessoas da comunidade, que estão dentro disso, são os grandes protagonistas”, continuou ele. “Então, meio que desencanamos e resolvemos fazer um novo filme. A partir de algumas ideias do antigo mas com novos personagens, situações inéditas e como vemos uma nova realidade também.”

    Locações

    Tratando-se de segurança pública, não só os personagens do filme mudaram, como também as locações. “Quando filmamos [o primeiro], era o auge da UPP, como seria uma revolução da relação da polícia com a comunidade e de evolução de política pública que não aconteceu, infelizmente”, explicou Belmonte. “Hoje, temos o fracasso da UPP que é uma realidade muito grande. Quando eu filmei o primeiro, gravamos em sete comunidades, inclusive o Alemão e, desta vez, eu não consegui, foi mais difícil.”

    Segundo a produtora executiva Marília Garske, uma das maiores preocupações de Alemão 2 era a segurança das filmagens. "Tivemos algumas consultorias dentro da polícia, nas próprias comunidades, para entender como está esse mapa de quais os lugares mais tranquilos de filmar ou não no Rio de Janeiro hoje, porque isso de um mês para o outro muda. Gravamos em Pilares, na Fernão Cardim, na Tavares Bastos. Fora isso, também temos cenas na delegacia”, comentou ela sobre as filmagens que o AdoroCinema acompanhou. Garske ainda revelou que tem a pretensão de retornar a hospitalidade dos moradores das comunidades que serviram de locações. Além de doações de itens usados no filme, a produção pretende fazer palestras com elenco e equipe nestes locais.

    Galeria Distribuidora; Fox Pictures

    Apesar das comunidades fazerem parte essencial do roteiro de Alemão 2, e de o filme ter acontecido em locais acostumados a receberem equipes de filmagens de longas-metragens, comerciais e videoclipes; isso causou um estranhamento para Leandra Leal, que interpreta a policial Freitas. “Filmar agora com tudo que está acontecendo no Rio de Janeiro, com essa política de segurança do [governador Wilson] Witzel, é muito doloroso”, comentou a atriz, revelando seu principal desafio no papel. “Estar ali o tempo inteiro armada, não é um lugar que eu me sinto à vontade”, disse. “Representamos muito essa imagem da violência [no filme], então fiquei me questionando: óbvio que esse é um conflito que é mais latente, sobre o qual se fala mais”, disse sobre o enfrentamento entre policiais e traficantes. “Mas tem tantas outras imagens que podem ser produzidas dali e não só sobre aquele local”. No entanto, a atriz relembra que o filme é ambientado em 2018, e atenta: “Se fosse passar hoje em dia, teria que mudar muitas coisas, estamos vivendo uma realidade totalmente diferente de 6 meses atrás”.

    Galeria Distribuidora; Fox Pictures

    Para o diretor, gravar nas comunidades foi uma questão complexa. “São lugares muito populosos, que você atrapalha muito a vida das pessoas. O cinema é uma coisa que transforma a vida para o bem ou para o mal porque vem um circo no momento que você chega”, disse Belmonte sobre todo o aparato que movimenta um set de filmagens. “Eu aprendo muito com a cultura de comunidade, acho muito interessante a experiência. É muito doido ver que temos essa precariedade estrutural ainda, isso dói também, não tem jeito de não doer”, criticou.

    Sem heróis (ou anti-heróis)

    Ambientado em julho de 2018, antes das votações que elegeram o presidente Jair Bolsonaro, o filme será lançado em um momento político bastante diferente daquele encontrado há cinco anos, quando Alemão estreou. Tal como o primeiro longa, Alemão 2 é um filme de ação, porém, também traz um viés questionador.

    "Nosso grande desafio é retratar essa realidade com cuidado, com uma certa veracidade, porque estamos falando de policial, de comunidade, de tudo que no Rio de Janeiro é muito delicado hoje em dia”, apontou a produtora executiva Marília Garske. “Apesar de ser um filme com pretensão comercial, um longa de ação, que vem como uma sequência e tem todo esse histórico comercial, temos uma delicadeza e um cuidado na forma como expomos esses problemas sociais, de modo que ninguém é herói e ninguém é bandido. Hoje em dia, um lado criminaliza muito traficante, outro lado criminaliza muito polícia e tentamos nos manter em uma zona humana”.

    Galeria Distribuidora; Fox Pictures

    Vladimir Brichta também teve a preocupação de não encarar seu personagem como o “mocinho” da história. “O policial está trabalhando, mesmo que ele acredite ser um ato heróico, ele é remunerado por isso. O bandido está fazendo aquilo por causa de dinheiro também. Então, nenhum deles têm escolha como ‘herói’ porque existe dinheiro envolvido. A escolha de ser bandido não tem nobreza nenhuma e quem faz a escolha de ser policial tem a nobreza que é prestar um serviço à sociedade. No entanto, não são heróis porque fazem essa escolha. Geralmente o Super-Homem não ganhava dinheiro para salvar ninguém, nem o Homem-Aranha, nem outro herói”, comparou ele. “Os heróis neste filme, especificamente, são os moradores que não ganham dinheiro nenhum com essa história e precisam sobreviver e administrar todas a perdas que eles têm, perda de vida, de segurança, de lugar de fala na sociedade”.

    O ator ainda revelou que, em determinado momento do filme, Machado precisará colaborar com um traficante. “Meu personagem tem uma coisa um pouco de Inimigo Meu”, disse, se referindo ao filme de 1985 estrelado por Dennis Quaid e Louis Gossett Jr., no qual dois inimigos alienígenas caem em um planeta e acabam precisando da ajuda um do outro. “Claro que, nesse caso, nenhum dos dois eram bandidos, traficantes. Mas tem um pouco essa dinâmica de você, de repente, precisar do outro e esses pilares morais começam a ser modificados. Isso conduz um pouco a narrativa do filme”, explicou. “A minha preocupação foi não dar um verniz heróico para esse personagem, mesmo que seja movido a questões que ele julga corretas e que entendemos como certas, que é executar bem o seu trabalho”. O ator comentou que tentou fazer isso sem reforçar estereótipos. “Não queria também fazer do policial o vilão da história. Até temos uma representação de um policial extremamente truculento, em outro personagem, que ninguém quer topar com ele na vida, mas não era o caso”.

    Um filme não polarizado

    Quando perguntado se Alemão 2 tocará em algum assunto político relacionado às eleições de 2018, o diretor José Eduardo Belmonte foi categórico: “Não posso dar spoiler”. No entanto, o cineasta deixou claro que o filme não será tendencioso. “É igual método científico, você vai juntar as coisas e inevitavelmente vai ter uma conclusão. Os fatos estão lá, você pode até querer interpretá-los de outro jeito, mas não adianta querer que eles não existam. Cada vez mais as informações invadem sua casa, as ruas são paradas por causa de tiroteio, você não consegue chegar em um lugar ou sair de casa por causa de tiroteio. Isso não é mais um fato isolado, é uma questão do Rio de Janeiro e cada vez mais uma questão brasileira. No Rio, é muito evidente porque é um grande centro então ele é muito visto, mas isso acontece em Fortaleza, acontece em Brasília, Piauí…”, alertou.

    Galeria Distribuidora; Fox Pictures

    Apesar de Alemão 2 não ser um filme polarizado, Brichta vê na produção a oportunidade de trazer reflexão sobre a segurança pública no Brasil. “Acho que existe um interesse muito grande da população de discutir a questão de segurança, mais do que quando o primeiro Alemão foi lançado. O país está polarizado, e a polícia e os órgãos de policiamento, de repressão, da violência, foram de alguma forma cooptados por um dos polos”, ponderou. “Todo mundo sabe que a polícia do Rio é a que mais mata, mais morre e mais se mata. Sabemos que ela comete excessos, que é violenta, truculenta, que representa uma sociedade que discrimina, que é preconceituosa, racista. Mas também existe uma polícia correta, com valores ligados aos direitos humanos, à defesa de minorias”, comentou.

    Com sua interpretação de Machado, o ator pretende evocar esse debate sobre membros das forças armadas no Brasil: “De alguma forma, eu quero me apropriar da imagem da polícia bem ampla para discutir e trazer à tona eventualmente a polícia que não é bolsonarista, a polícia que entende, por exemplo, que um decreto a favor de armar a população é ruim para a própria polícia. É entender um pouco isso, ao invés de relegar a imagem de que a polícia pertence a esse polo extremista que está no poder hoje”, disse Brichta.

    As filmagens de Alemão 2 já foram encerradas e o longa tem previsão de estreia para o primeiro semestre de 2020.

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