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    3%: Crítica da 3ª temporada

    Mais madura, série da Netflix centra seu novo ano nas consequências de atos realizados em prol da justiça coletiva.

    NOTA: 3,5 / 5,0

    Se na 1ª temporada de 3% o debate sobre o quão duro é o Processo começou de forma positiva, mas com pouco espaço para que tivéssemos empatia para com os personagens que fizeram parte das provas, na 2ª a abordagem passou a ser outra. Mais dedicada às tramas pessoais de cada um e na exploração de seus questionamentos e evoluções, 3% passou a ser outra série em seu segundo ano: não só atual como também mais amadurecida e focada em suas ideias. Logo, a 3ª temporada se mantém em tal estrada e faz jus a tudo o que foi estabelecido no ano anterior e mais, pois também insere discussões relacionadas à meritocracia e a dificuldade em fazer justiça utilizando antigos métodos.

    Tais métodos são estipulados sobretudo por Michele (Bianca Comparato), que passa a ser vista como a líder da Concha, o afastado refúgio que fora introduzido como um "local livre e aberto para todos", indo muito além do que Maralto e Continente têm a oferecer. Como a nova líder daqueles que buscaram um lar fora das regras impostas anteriormente, Michele é um dos pontos centrais desta temporada e ganha mais camadas a partir de quando se veste de tantas responsabilidades – especialmente para manter a Concha funcionando de forma saudável e com a cooperação de todos. Mesmo tendo sido eleita por mérito, é possível se sentir na pele da personagem e ver a dúvida em seu olhar, mesmo quando ela emana certeza do que está fazendo.

    Porém, quando o inevitável acontece – muitos moradores e pouco espaço – é necessário que um Processo "alternativo" também seja feito naquele lugar, o que prova a Michele e a todos os habitantes dali que, no fim, nenhum lugar está livre de verdade. Faz-se necessário um método organizado e calculado para que a Concha (ou qualquer outro território) sobreviva, mas é a partir desta consciência que Michele, Joana (Vaneza Oliveira), Rafael (Rodolfo Valente), Glória (Cynthia Senek), Marco (Rafael Lozano), Elisa (Thais Lago) e outros personagens se veem presos a uma realidade tão complicada como a do Processo oficial, pois além das dificuldades divididas existe a vontade de cada um seguir seu próprio princípio. É nessa discrepância que reside a força da temporada, pois é impossível apontar para um "mocinho" ou um "vilão". Todos são vítimas de um sistema conservador que se perdeu ao longo dos anos e é intrigante acompanhar a jornada de cada um.

    Por mais que o maior conflito da temporada envolva Michele e seu dever de ser a mais racional, 3% continua abrindo espaço para os demais personagens. Joana segue como a figura mais intensa da série, seja por sua presença como por sua missão de ser o rosto da Causa; Rafael aparece um pouco mais contido, mas ainda segura boa parte da importância dentro do cenário principal; e Glória, Marco e Elisa ganham tons diferenciados e também flashbacks que nos ajudam a entender suas motivações do presente. O cuidado da série recai muito para o desenvolvimento de cada um dos personagens, o que torna a experiência de se acompanhar os episódios fluida – além de raramente ocorrer o pensamento de que a narrativa não está andando. Não há meias palavras ou meias atitudes em 3%, e tal intensidade combina com a personalidade do elenco e com o conteúdo abordado.

    Em 8 episódios (2 a menos que na temporada anterior), 3% entrega uma dinâmica diferente a cada episódio, que resulta em situações enérgicas com plots-twists que realmente impressionam. Não há a preocupação dos roteiristas em deixar ganchos sem explicações no fim da temporada: tais guinadas acontecem em momentos inesperados e se desenrolam até o esclarecimento total. Isso mantém um ritmo agradável do início ao fim, apesar de ainda haver certas cenas em que o modo coloquial do elenco, assim como a forte entonação de algumas palavras, gere certo incômodo. Além disso, a direção de alguns episódios peca novamente com o excesso de câmera na mão (característica que marcou bastante a 1ª temporada), mas tal questão é balanceada pela ótima fotografia e um jogo de cores que deixa cada local com identidade própria, sem a necessidade de deixar muito frisado.

    O 3ª ano da produção original Netflix amplifica seu universo distópico de modo positivo e empolgante, sendo notável seu crescimento artístico e especialmente narrativo até aqui. Se renovada, a 4ª temporada poderá abordar temas tão significativos quando os abordados na atual, partindo do princípio do individualismo para o entendimento de que, sozinho, não se vai a lugar algum. No fim das contas, todos os personagens deste mundo querem a mesma coisa: igualdade, respeito e liberdade de expressão. O que virá a seguir? Não é possível saber exatamente, mas o desfecho da temporada dá uma sensação de clareza e de que há apenas uma missão a ser seguida, afinal.

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