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    Festival Varilux de Cinema Francês 2019: "Asterix é universal por causa de seus temas de identidade e resistência", diz o diretor Louis Clichy (Entrevista Exclusiva)

    Conversamos com o realizador e animador sobre o mais novo filme da franquia, O Segredo da Poção Mágica.

    38 volumes e 14 filmes depois, a série Asterix segue popular, como se o gaulês-titular e seus companheiros não fossem "senhores" de seis décadas de idade, tendo surgido em 1959, pelas mãos dos criadores René Goscinny e Albert Uderzo lançaram os quadrinhos. Prova disso é que o mais recente longa do universo dos gladiadores gauleses, O Segredo da Poção Mágica, foi um verdadeiro triunfo de bilheterias, vendendo milhares de ingressos ao redor do mundo e arrecadando mais de US$ 37 milhões.

    A renovada vitalidade, no entanto, não é um mero produto do acaso. Para entender a fórmula deste sucesso global e por ocasião do lançamento de Asterix e o Segredo da Poção Mágica no Brasil, conversamos com o codiretor e corroteirista Louis Clichy sobre os desafios de modernizar um produto cultural tão conhecido; criar uma história original para os adorados e briguentos gauleses sem perder a essência; os limites e as vantagens do 3D; e, é claro, para onde é que aponta o futuro da saga:

    P: Asterix e o Segredo da Poção Mágica foi um sucesso ainda maior do que Asterix e o Domínio dos Deuses ao redor do mundo, conquistando importantes números nas bilheterias globais, da França ao Canadá, da Suíça à Alemanha. Na sua visão, porque Asterix e cia. continuam tão populares, 60 anos após sua criação?

    R: O que é peculiar é que é as aventuras de Asterix são muito particulares da história francesa, mas também são muito universais em relação ao que narram, com seus temas de identidade e de resistência contra o invasor, esse tipo de coisa. Acredito também que os personagens sigam tão populares porque as histórias em quadrinhos de Albert Uderzo e René Goscinny são algumas das mais vendidas do mundo, mais até do que as de Tintin. O sucesso de Asterix é colossal e as aventuras são muito populares nos países asiáticos, nos países latinos... E também na Alemanha, mesmo que Asterix não seja exatamente um sucesso entre os povos anglo-saxônicos e germânicos. Mas, enfim, acredito que os temas de fraternidade e de resistência são comuns a todos os países.

    P: As histórias em quadrinhos de Asterix são um clássico da animação, do mundo da animação, e fazem sucesso desde que foram lançadas. Mas neste e no último filme, a animação é computadorizada, digital. Como é fazer parte deste processo de modernização da técnica de animação de uma série de HQs que é tão clássica para tantas pessoas?

    R: Isso aconteceu muito lentamente. Albert Uderzo, um dos criadores das tirinhas originais e que ainda está vivo, tem agora 95 anos, não gostava da animação em CGI, em 3D, porque acreditava que o timing e o trabalho dos atores se perdiam, mesmo que se conservasse o volume dos personagens. Ele acreditava, de fato, que eram os personagens que se perdiam no CGI. Para fazer O Domínio dos Deuses, nós tivemos que convencê-lo que poderíamos utilizar o digital. Nós fizemos um teste e deu tudo certo, mas o êxito não me surpreendeu tanto porque Asterix é um personagem desenhado em volume. O volume e a profundidade estão presentes em Asterix e Obelix, então não há neles a dificuldade de lidar digitalmente com personagens que são muito cartunescos, bidimensionais.

    Quando passamos estes personagens para três dimensões, é preciso trabalhar muito, é um processo complicado. Trabalhar assim com os personagens de Peanuts, por exemplo, é muito difícil porque eles não foram preparados para um mundo tridimensional. Mas, com Asterix, tudo deu certo. E também há um lado de interesse financeiro no 3D. Os financiadores gostam de ver a animação digital, e portanto buscam isso. Os desenhos a mão, em 2D, atraem menos a atenção deles. Outra coisa interessante sobre o 3D é que podemos investir na mise-en-scène, podemos preparar as cenas verdadeiramente e sem limites porque o 3D nos permite fazer movimentos de câmera que a animação tradicional dificilmente nos permite.

    P: Existem outras vantagens, particularmente no caso de Asterix, acarretadas pelo 3D?

    R: A outra vantagem é uma faca de dois gumes. Ao passo em que o 3D permite trabalhar o realismo nos mínimos detalhes, o que pode ser interessante, você não pode ter elementos realistas demais em uma animação como esta. A luta constante que fez parte da produção do primeiro filme e também deste foi a de dizer que, sim, podemos ter efeitos especiais realistas, mas que devemos preservar o estilo do desenho animado original. Porque, por exemplo, se um personagem tem um nariz grande, muito cartunesco, redondo e gráfico, ele não pode ter um bigode realista demais. Os dois não funcionam juntos. Então é preciso ter muita atenção com a animação em 3D porque ela traz realismo demais.

    P: É um caso de equilíbrio entre as técnicas antigas e as novas.

    R: Exatamente, exatamente.

    P: A modernização também faz parte da narrativa. É Pectine, a menina, que segue os passos de Panoramix. Como é trabalhar com uma história original dentro de um universo narrativo tão antigo e estabelecido? Como é examinar e destrinchar a mitologia de Asterix?

    R: Não é nada fácil. O argumento partiu de Alexandre Astier, meu codiretor e ator bastante conhecido na França. Desenvolvemos o roteiro a partir desta história. Mas é verdade que, peculiarmente, nos autorizamos a fazer isso sem limitações pessoais porque temos tanto respeito pelo material original que, de qualquer forma, jamais faríamos algo que fugisse da ordem. Tendo dito isso, nós tínhamos o desejo de explorar coisas inéditas porque acreditamos que o problema de Asterix é o problema de todos os personagens muito conhecidos, como Mickey Mouse. São personagens que tinham qualidades e defeitos no início, mas que assim que se tornaram ícones, tornaram-se unidimensionais, não se desenvolveram, o que é um pouco chato. Então eu e Alexandre estávamos de acordo que se não empurrássemos Asterix em direções inéditas, ele poderia se tornar um personagem chato e repetitivo, que sempre protagonizaria as mesmas histórias. Um personagem que deixaria o espectador contente, mas sem novidades.

    Então, sempre respeitando o material original, nós queríamos fazer evoluir os personagens e colocar ideias novas, principalmente de sucessão. E a sucessão é um aspecto da temporalidade, e quando falamos disso, dizemos que estes personagens podem envelhecer, podem morrer, podem nascer. Nos quadrinhos originais, quando os lemos, podemos pensar por um instante que Asterix sempre terá a mesma idade, que Panoramix sempre terá a mesma idade. Tentamos mudar isso, e foi difícil: colocamos algo que é da ordem temporal dentro da história. Isso nos interessava, simplesmente, porque a questão era: o que aconteceria com a aldeia se Panoramix desaparecesse? É ele que comanda a resistência, ele que aperta o botão, que tem o comando da "bomba nuclear" [a poção mágica]. Se não é só o velho sábio que conhece a fórmula, o que aconteceria se todos soubessem também? Isso seria um pouco complicado. Nos interessava, enfim, falar sobre isso, algo muito diferente do que vemos nos quadrinhos.

    P: Existem muitas cenas de ação, perseguição e batalha que trazem à mente os filmes hollywoodianos. Particularmente a cena final, de fato, que remete aos filmes de kaijus, como Godzilla. Portanto, quais foram as influências de O Segredo da Poção Mágica?

    R: Eu e Alexandre estamos na casa dos 40 agora e, durante a juventude, vivemos com vários filmes e séries que chegavam à França, à Europa, sobretudo japoneses. Gostávamos muito disso [...] Os gigantes no final são certamente uma homenagem, mas a homenagem precisa servir à narrativa e à aventura. Jamais colocaríamos a cena final se ela não servisse à trama [...] Com certeza Godzilla foi uma forte influência, mas não queríamos que fosse gratuita, a ideia é que fosse uma cena lógica dentro do desenvolvimento de Panoramix.

    P: Dissemos anteriormente que o filme foi um sucesso, mas você também já disse que outros autores virão daqui para frente. Não haverá uma sequência dirigida por você e Astier, então?

    R: No momento, prefiro partir e fazer outras coisas. Eu hesitei antes de aceitar fazer o segundo filme, o que me agradou foi dirigir uma história original. Agora, acredito que preciso testar outras coisas [...] Gostaria de retornar à animação tradicional, fazer algo mais pessoal. Não sou um animador 3D. Pode ser que retorne ao universo de Asterix no futuro, mas, no momento, tenho a vontade de partir e fazer outras coisas. Mas é certo que haverá outro filme, mesmo que eu não o dirija. Uma sequência, daqui a quatro ou cinco anos, é certa.

    P: Ao seu ver, qual é o futuro da série? Atualmente está em voga a tendência de produzir filmes e seriados derivados, produtos multimídia. Seria esse o futuro da série Asterix?

    R: Não sei porque a base é a animação original. E, depois, é preciso saber se o sucesso pode continuar a ser alcançado. Os autores originais, eventualmente, desaparecerão, Uderzo já parou de escrever. Então, será preciso manter a exigência da tonalidade, da qualidade para não cansar o público [...] Mas ainda existem coisas a fazer no universo Asterix. Podemos falar, por exemplo, do que aconteceu antes de Asterix. Nunca falamos sobre o passado, sobre como a aldeia foi criada. Existem muitas coisas interessantes que podem ser descobertas sobre estes personagens.

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