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    Kristen Stewart e Laura Dern falam sobre a difícil busca da identidade, tema do filme JT Leroy (Entrevista Exclusiva)

    Conversamos com as estrelas para desvendar as complexas relações desta história baseada em peculiares eventos reais.

    Uma mulher se faz passar, pelo telefone, por um homem, um jovem que saiu das ruas rumo ao estrelato literário com um livro autobiográfico repleto de drogas, sexo e rock and roll. Mas o corpo dessa criatura fictícia, no entanto, vem de uma segunda mulher. Logo, temos uma mulher que cria um homem que, por sua vez, é personificado por outra mulher. Complexo, não é? Calma: Kristen StewartLaura Dern descomplicam.

    Em entrevista exclusiva ao AdoroCinema por ocasião do lançamento da cinebiografia JT Leroy, as duas estrelas de Hollywood contaram um pouco mais sobre o processo de criação de suas personagens; sobre as intrincadas relações estabelecidas entre Savannah Knoop e Laura Albert, as mulheres que interpretam na ficção; sobre trabalhar em uma produção tão peculiar quanto esta, baseada em eventos reais; e até mesmo sobre redes sociais. Confira:

    Universal Pictures

    Pergunta: A química entre vocês duas na tela é impressionante. Como vocês criaram essa relação de trabalho que verdadeiramente ilumina o filme?

    Kristen Stewart: Eu e Laura compartilhamos uma paixão pelo trabalho, acho que nos reconhecemos como trabalhadoras desde o início. Sabíamos que partiríamos daí. A razão de Laura ser quem ela é e ter feito o belíssimo trabalho que fez é porque ela é verdadeira. Ela realmente é uma pessoa maravilhosa, incrível e realista.

    Laura Dern: Você nem sempre encontra uma parceira que pensa como você. Você pode encontrar uma parceira de cena, mas não entrar necessariamente em simbiose. É como Kristen disse: somos trabalhadoras, fomos criadas por famílias de artistas e trabalhadores e também tínhamos uma missão similar em relação ao que queríamos explorar nestas personagens — seja sobre identidade, culpa, sobre o que é que significa ser mulher, sobre se encontrar nessa jornada, se você ainda não o tiver feito. Acho que ambas nos interessamos muito no que é que significa ser autêntico, então é muito empolgante quando o material também permite que nossas personagens estejam nessa mesma jornada. Acho que nós nos enxergamos uma na outra, assim como Savannah e Laura enxergaram-se uma na outra.

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    P: Isto é muito interessante porque o filme parece ter essa qualidade especular, remete à lenda do doppelgänger, do duplo. E mesmo que o longa não explore a questão dos duplos por assim dizer — não existem irmãs gêmeas, clones e nem nada do tipo —, essa imagem refletida é muito importante porque essas personas e persofinicações entram em conflito o tempo todo, nesta complexa relação. A imagem do espelho, do duplo, esteve presente na preparação de vocês?

    LD: É uma bela forma de colocar as coisas, adorei isso. Acho que as duas se espelham, sim, e o que foi incrível ao ter a Savannah real conosco no set, para além de ser a autora do material original e corroteirista do filme, foi que ela se permitiu ver até onde Laura foi uma professora para ela e como as duas se espelhavam em suas jornadas de autodescoberta e em suas questões sobre identidade [...] Eu e Kristen entendemos as vidas de nossas personagens e isso ajudou a formar nossa amizade, mas também a compreender a história de amor inscrita nesta história, complexa e profunda, de duas pessoas que espelhavam seus desejos e dores.

    P: A estrutura dualista do filme é muito forte, é uma dialética constante que faz chocar uma tese e uma antítese, sempre produzindo uma nova síntese entre duas amigas, entre duas oponentes, entre duas mulheres que estão tentando descobrir a si mesmas. Duas mulheres que são muito parecidas, mas que também são muito diferentes. Como vocês enxergam esta natureza dialética da trama e das personagens?

    KS: Laura reconhecia em Savannah uma energia, uma força, e a razão pela qual ela pensou que Savannah seria o corpo perfeito para JT é justamente esta ponte entre elas. Savannah era uma pessoa que parecia ser aberta e curiosa, mas nem sempre tão fácil de lidar, não tanto quanto agora, quando ela já se conhece muito mais. Elas olharam uma para outra e viram uma certa ligação em suas identidades, [...] Elas salvaram uma à outra, naquela época.

    P: Apesar de ser ambientado no início dos anos 2000 — em 2001, mais precisamente —, o filme é muito contemporâneo por causa da questão das personas e dos avatares. Parece haver uma ponte muito clara entre este JT Leroy e as redes sociais, e as máscaras que criamos para nós mesmos, as identidades que criamos para que nós possamos estar presentes no mundo digital, no mundo virtual. Como vocês enxergam o filme neste contexto?

    KS: Através dos avatares das redes sociais, as pessoas podem construir as versões de si mesmos que não está na superfície. A questão mais importante para mim é se as pessoas conseguem se expressar melhor assim ou se elas estão mentindo.

    LD: Esse contexto foi o que nos intrigou nesta história, para além da questão da busca por nós mesmos, por nossa identidade e como nos mascaramos por causa de nossas vergonhas para nos tornarmos aceitáveis e palatáveis para o mundo. Há, para além disso, toda essa história de uma sociedade que aceitou esta história falsa. A primeira coisa que as pessoas se perguntam quando assistem ao documentário sobre JT é "Como todo mundo caiu nisso?". Como as pessoas acreditaram nisso? Mas, já que você mencionou as fake news, isto é o que vemos na política americana todos os dias [...] JT Leroy também é um filme sobre projeção. Sobre como estas mulheres espelham uma à outra, mas também sobre como as pessoas aceitam histórias nas quais se enxergam.

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    P: JT Leroy também atravessa diversos gêneros narrativos. Existem elementos de drama, romance e suspense que estão espalhados na narrativa. Como foi trabalhar com essa combinação em uma cinebiografia?

    LD: Nunca pensei dessa forma! Mas isso está muito certo, e talvez essa mistura de gêneros tenha sido a forma como elas criaram essa narrativa. É ousada, absurda, maníaca e, por causa de tudo isso, é de partir o coração. Para Laura, na minha perspectiva, Savannah é feita vítima e é libertada por causa de tudo isso. Laura tem a oportunidade de observar alguém ter toda a possibilidade de fugir de si mesma, de buscar aprovação, mas que ao mesmo tempo tenta ser autêntica ao criar uma história que ela pensa ser aceitável.

    Em meio a tudo isso, Savannah está tentando achar a verdade. Isso tudo nos deu espaço para colocar essas máscaras, figurinos, perucas, usar sotaques, poder viver personagens diferentes. E o que é incrível sobre trocar gêneros é que isto é, no fundo, uma busca desesperada por encaixar-se em sua identidade. Então é incrível que o diretor Justin Kelly e Savannah tenham deixado espaço na adaptação para que o filme não fosse uma coisa só. Porque elas não são uma coisa só.

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    P: Como vocês enxergam essa questão trazida pelo filme sobre a autoficção? Ela é realmente possível ou nós devemos viver a vida que temos?

    LD: Eu e Kristen começamos a trabalhar muito jovens. Quando eu comecei, não sabia que tinha opções! Se eu soubesse que meu trabalho era ser completamente transparente e dizer tudo, teria poupado muita dor de cabeça. Mas não conhecia avatares e tentava ser genuína. Acho que isto foi bom para minha história pessoal, mas não sei se me ajudou a navegar minha carreira e coisas do gênero. E relacionamentos.

    KS: Falar sobre a verdade é estranho porque a verdade muda, e ela é diferente para cada pessoa. Portanto, você tenta ser o mais autêntico possível em todas faces do seu ser, seja aquela que você mantém com seus amigos, aquela que mantém com seus familiares, aquela que você mantém nas suas relações interpessoais, aquela através da qual você expressa sua arte ou em quaquer uma outra [...] Então, para mim, é estranho falar sobre ficção vs. verdade, e até mesmo sobre memória vs. ficção. Uma memória não é uma obra de criação só porque as coisas aconteceram de fato com você. Mudar nomes e lugares não te torna um escritor melhor [...] Todos os dias acordo e me pergunto se estou externalizando todas as merdas de maneira autêntica, artística e clara. Você tenta fazer isso, mas também sabe que é um fato o desejo constante que te mantém como artista, que mantém você dialogando, é que você não sabe se conseguirá compartilhar sua experiência. O desejo de se aproximar é tudo. É tudo.

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