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    Opinião: O que a vitória de Green Book diz sobre o Oscar?

    Uma mão dá, enquanto a outra tira.

    Após tantas idas e vindas, decisões tomadas e repensadas, críticas e expectativas, a 91ª edição do Oscar aconteceu com a intenção de dar um respiro cheio de novidades em meio a uma celebração que, convenhamos, há tempos já não é tão tradicional. Mesmo mantendo a mesma estrutura cerimonial, inclusive com as breves apresentações dos indicados a Melhor Filme, a festa foi aberta com um show do Queen e a ausência de um apresentador ou apresentadora de fato deixou as coisas mais ágeis. Por isso, talvez o Oscar até esteja tentando inovar em seu formato. Mas na prática – ou seja, nos premiados –, ainda acredito que não.

    Ainda mais se pararmos para pensar no grande vencedor da noite, Green Book - O Guia. Já digo de antemão que este não é o "pior filme" do Oscar, tampouco um filme desnecessário. Dirigida por Peter Farrelly, esta história sobre a amizade entre um músico e um motorista deve ser vista e discutida – especialmente pelo fato de um homem ser negro e o outro, branco. E também pelo fato de que o background é a segregação racial que permeia os EUA até hoje, mesmo que não seja da mesma forma como acontecia nos anos 60. A questão é que, num ano como este – com Pantera Negra e o excelente Infiltrado na Klan concorrendo ao seu lado –, Green Book não deveria ser o filme mais comentado. Mas assim foi, pois seu discurso é o mais fácil de ser disseminado e o mais raso a ser analisado. O final feliz que nos é entregue de fato faz parte da magia do cinema, mas a verdade é que não é disso precisamos agora.

    O cinema sempre foi uma ferramenta utilizada e aproveitada para assistirmos o que se aproxima da nossa própria realidade ou o que está muito longe para testemunharmos. O cinema também é uma ferramenta valiosa de expressão, discussão e protesto. Não é difícil concordar com isso quando analisamos alguns vencedores de Melhor Filme no Oscar: 12 Anos de Escravidão, Spotlight, A Lista de Schindler, Moonlight. As obras citadas falam muito sobre o que foi e o que é o nosso mundo, e o fato de terem vencido o maior prêmio na maior celebração da indústria (americana, sabemos bem disso) é, sim, algo de extrema relevância. Querendo ou não, o Oscar conversa com gerações passadas e conversará com futuras – e as futuras, creio eu, também pensarão que Green Book, apesar de ser um bom filme, não era a escolha ideal para ser premiada neste momento. Era a mais acessível, a mais segura.

    É fato que historicamente muitos filmes (até demais, eu diria) não premiados são mais lembrados do que aqueles que receberam a estatueta dourada, mas não deixa de ser lamentável filmes como Roma, Infiltrado na Klan e Pantera Negra levarem prêmios em categorias claramente de "menor visibilidade". Roma ganhou por Melhor Filme Estrangeiro, Fotografia e, felizmente, uma das mais cobiçadas: a de Diretor. Pantera Negra já fez história por estar presente na edição como o primeiro longa-metragem de herói indicado ao prêmio principal em todos estes anos, e ajudou a fomentar mais um recorde: o de maior número de profissionais negros premiados, assim como mulheres – mas só ganhou em 3 categorias (técnicas) das 7 indicações. Infiltrado na Klan, por sua vez, após ganhar por Melhor Roteiro Adaptado abriu a discussão de que a Academia premia roteiros como se fosse um prêmio de consolação; Corra! também recebeu apenas um Oscar, por Roteiro Original.

    O Oscar estava tão preocupado em mudar seus moldes de apresentação, em retirar ou recolocar o anúncio dos vencedores de categorias técnicas, em apresentar ou não todas as canções originais indicadas, que acabou esquecendo o principal: a verdadeira mudança só aparece quando algo tangível e efetivo tiver sua chance de brilhar. Premiar Green Book não só em Filme mas também por Roteiro Original não sai muito dos trilhos – como era o esperado que acontecesse –, assim como premiar o Roteiro Adaptado de Infiltrado na Klan logo após reflete bastante esta realidade dúbia da Academia. Ambos os roteiros tratam do racismo, um tema ainda atual e potente, mas com abordagens distintas. Uma dá voz a algo mais intimista e a outra conversa diretamente com quem tem poderes suficientes para tentar mudar o rumo da História.

    A sensação que fica é a de que, por mais que estejamos prontos para ver "filmes da Netflix" e "filmes de herói" ganhando as estatuetas de maior prestígio, os mais de 7000 votantes ainda estão com um pé no passado, no conservadorismo. 2019 era para ser uma edição mais fincada no novo, no atual, na diversidade. De fato, foi o que aconteceu em algumas categorias: vimos Homem-Aranha no Aranhaverso ganhar por Animação, Olivia Colman surpreender até mesmo Glenn Close e Alfonso Cuarón manter a tradição mexicana já bem estabelecida nestes últimos 5 anos por sua exímia direção. Tivemos apresentações marcantes de Barbra Streisand e Lady Gaga com Bradley Cooper, assim como nos sentimos abraçados na mesma intensidade com que Samuel L. Jackson se dirigiu até o amigo Spike Lee quando este recebeu seu primeiro troféu em toda sua carreira.

    Para o bem ou para o mal, o Oscar 2019 foi tudo aquilo que imaginávamos que ele fosse – seja antes ou depois de tantas promessas. Indicar não é o mesmo que premiar, mas pelo menos meio caminho foi dado. Veremos quanto tempo demorará para que a outra metade seja finalizada e o mundo possa ver um filme da Marvel, da Netflix ou com uma mensagem política contundente feita por quem sempre esteve do lado menos favorecido encerrar a noite ocupando o palco.

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