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    Admirável Mundo Pop: A Comic-Con Experience me ensinou... somente o que Hollywood permitiu

    Com muitas celebridades e novidades, o maior evento de cultura pop do mundo também deixou um gosto de "quero mais" não muito saboroso.

    Divulgação / Netflix

    Este ano, experimentei um verdadeiro privilégio como jornalista de entretenimento: visitei as três principais Comic-Cons do mundo como repórter especial do AdoroCinema. Em julho, fui para San Diego, conhecer a clássica SDCC. Em outubro, perdi o primeiro turno das eleições e visitei a Comic-Con de Nova York. E na semana passada, experimentei a mais intensa e desafiadora delas (mesmo sendo na cidade onde vivo): a brasileiríssima Comic-Con Experience.

    Já há quem diga que a CCXP é o "maior festival de cultura pop do mundo". É controverso (maior em quantidade de público, espaço ou importância?), mas não dá para negar a grandiosidade do evento que em 2018 completou seu quinto ano em São Paulo. Ficou evidente que, pelo menos para a indústria do entretenimento, a Comic-Con brasileira já é o evento global mais importante desse período. Os estúdios de cinema e séries entenderam assim, e os veículos de imprensa também, inclusive os internacionais. A quantidade de estrelas que nos visitaram nessa edição é impressionante, e isso diz tanto sobre sobre a capacidade da CCXP em atrair essas celebridades como sobre a intensidade e paixão do fã local.

    Sim, o brasileiro representa o modelo definitivo de fã nesse mundo globalizado do século XXI, pelo menos em se tratando de entretenimento e cultura pop. Somos intensos, dedicados, um tanto enlouquecidos às vezes, e com orgulho. Gritamos mesmo (ao vivo e nas redes sociais), imploramos por interação, demonstramos afeto genuíno e não economizamos na emoção e no dinheiro para demonstrar o quanto gostamos de algo. Não há como uma estrela de Hollywood vir para cá e não ficar encantada com tais reações. Quando eles falam “I love you, Brazil!”, é porque estão sendo sinceros.

    Nesse sentido, um evento como a CCXP satisfaz os interesses de todas as partes envolvidas. A organização merecidamente comemora mais um ano de evento bem sucedido. Os estúdios, que investem para trazer seus talentos ao evento, ficam felizes com tamanha repercussão na mídia e com o carinho dos consumidores -- e  como não ficariam? Os fãs, por sua vez, (quase) sempre recebem o que esperavam, após gastarem uma grana considerável nos ingressos e passarem horas nas filas dos painéis, sem garantia de que vão conseguir entrar. Se conseguem, ganham a oportunidade de presenciar, ainda que de longe, a celebridade sorrindo, respondendo a perguntas, performando e dançando no palco (isso é bastante normal). Além disso, esses felizardos são algumas das primeiras pessoas do mundo a conferir um trailer inédito, um teaserzinho, uma cena ainda não revelada. 

    Todo mundo sai feliz. Quer dizer, todos, menos o jornalista. Para a imprensa, esse tipo de evento revela bem menos do que poderia. Para começar, só temos acesso, vemos e ouvimos o que os estúdios nos permitem. Não temos qualquer acesso ao conteúdo antes dos painéis. Isso quando não precisamos cumprir o famoso “embargo’, que é uma data mínima em que temos permissão de publicar o conteúdo das entrevistas (tudo devidamente assinado em contrato). E já entramos nessas entrevistas sabendo que os atores, atrizes e diretores são bem treinados e não falarão algo que fuja do tema, saia do protocolo e seja considerado “notícia”. É uma máquina de promoção muito bem organizada, quase à prova de imprevistos. O que o público recebe nesses casos é uma cobertura homogênea por parte da imprensa especializada. Acabamos conseguindo divulgar apenas o que a indústria deseja, porque é assim que funciona.

    Pego como exemplo o último painel da CCXP 2018, que apresentou o elenco jovem de Stranger Things. Os três pareciam muito animados, mas dispostos a falar apenas o combinado e nada mais. Quem assistiu à conversa de meia hora entre a mediadora e os atores não descobriu mais sobre a terceira temporada do que já sabia antes. Ao final, um presente para os fãs pacientes: um pequeno teaser da próxima fase da série, com exclusividade para quem estava lá dentro. Todos foram avisados a não filmar nada do que aparecia nos telões. O que se viu foi um curtíssimo vídeo que mostrava os nomes dos futuros episódios, e foi isso aí. Poucos minutos depois, a própria Netflix divulgaria o teaser em suas redes sociais. Ou seja, aquela alegria de ser "exclusivo" durou pouco.

    Algo semelhante aconteceu no aguardado painel de Game of Thrones organizado pelo canal HBO. Durante uma hora, o público acompanhou no palco um bate-papo descontraído entre os criadores D.B. Weiss e David Benioff e os atores Maisie Williams e John Bradley. Como não havia mediador, a última e aguardada temporada mal foi mencionada na conversa, de teor mais nostálgico do que informativo. Ao final, como prêmio de consolação, os fãs viram um teaser artístico que chama mais a atenção pela beleza gráfica do que por revelar algum conteúdo importante. Foi pouco, e muita gente saiu decepcionada. Nem uma ceninha da oitava temporada que fosse?

    Mas há outras ocasiões em que estar dentro de um painel realmente representa ser mais privilegiado do que o resto do mundo. O primeiro trailer de Homem-Aranha: Longe de Casa foi exibido somente uma vez no painel da Sony, apresentado pelos protagonistas Tom Holland e Jake Gyllenhaal -- ambos em aparições-surpresa, outra tendência apontada pelo evento desse ano. Mais de uma semana depois, o trailer ainda não foi divulgado publicamente pelo estúdio. A decisão foi explicada pelo Aracnídeo em pessoa durante o painel: "Estreamos o trailer exclusivamente aqui porque a gente queria mostrar nosso apoio, já que vocês têm sido maravilhosos conosco desde que eu peguei esse papel", disse Holland, em sua segunda visita ao Brasil. "E essa foi a maneira da Marvel e da Sony dizerem obrigado a vocês. É maravihoso ver algo em que trabalhamos tanto se tornar realidade, e daí dividir com pessoas que realmente querem ver." 

    Esses exemplos mostram que não dá para generalizar, e também que há momentos em que compensa muito estar envolvido pela Comic-Con, seja como fã ou jornalista (ou as duas coisas ao mesmo tempo). Aparentemente o público de um modo geral não se queixa de nada, porque na prática pouco percebe isso como um problema. Talvez eles entendam como essas coisas funcionam melhor até do que a imprensa. Fã que é fã sabe que parte da graça de curtir a cultura pop é justamente fazer parte dessa máquina do hype que se vale da expectativa e da antecipação para funcionar. E tudo bem, afinal, estou falando de entretenimento, não de economia, política ou engenharia de foguetes. Queremos transmitir ao público toda informação que for possível, mas sem esquecer o lado divertido desse assunto.

    E é por tudo isso que não custa sempre lembrar aos estimados estúdios de Hollywood: trazer celebridades ao nosso país é legal, e revelar materiais com antecedência é melhor ainda. Mas se já se deram ao trabalho de vir e preparar conteúdo inédito, que seja algo que realmente valha o tempo, o esforço e o dinheiro dos fãs tão dedicados. E que seja algo consistente e interessante o bastante para que nós da imprensa tenhamos o que reportar aos interessados que não têm chance de estar lá.

    E que venha a próxima CCXP que já estou com saudades.

    Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema e consome cultura pop desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks, de Batman a Pato Donald. Como jornalista, editou produtos de entretenimento como Rolling Stone, IGN Brasil, Herói, EGM e Nintendo World.

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