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    Admirável Mundo Pop: A computação gráfica está criando filmes que eu nem sabia que queria tanto ver

    E antes que você pergunte, não, O Rei Leão não é um filme "live action".

    Passei o mês de novembro quase todo em férias (por isso esta coluna semanal adormeceu por algumas semanas) e muita coisa surgiu nesse período -- especialmente os novos trailers, de três filmes que eu não sabia que precisava muito ver em 2019: Detetive Pikachu, O Rei Leão e Dumbo.

    E quando digo que não sabia que precisava, é porque em teoria nenhum desses filmes era realmente necessário. Um longa-metragem de aventura sobre as míticas criaturas Pokémon convivendo e interagindo com atores reais? Uma releitura hiperrealista de uma das obras de animação mais marcantes das últimas três décadas? E o que dizer da interpretação de Tim Burton para um clássico da Disney de quase 80 anos? Nosso ano que vem nos cinemas já estará bastante cheio para nos preocuparmos com filmes malucos como esses.

    Mas foram os novos trailers que me fizeram mudar de ideia. Eu absolutamente preciso de uma sessão de duas horas de apreciação do Pikachu mais fofo que já exisitiu, ainda mais dublado pelo cara do Deadpool. Essa versão digital do elefantinho voador choramingando realmente conquistou meu coração. E nesse momento, estou menos curioso pelo final da trilogia Star Wars e muito mais com a possibilidade de ver uma reprodução cena a cena da rotina do leão Simba como se ele existisse de verdade.

    Tudo graças à tecnologia, essa maravilha da criação humana que existe para realizar os nossos sonhos mais loucos -- e tantos outros que a gente nem sabia que tinha. Mas seria bom a gente começar a pensar no que isso vai significar para o futuro do cinema.

    Hollywood (e principalmente, a Disney) tem utilizado os limites da computação gráfica no que parece ser o próximo grande passo do entretenimento: o hiperrealismo, que consegue dar vida própria a seres que não existem. Se dá para cravar uma certeza para os próximos cinco anos, é a de que veremos cada vez mais recriações das animações que fizeram parte das infâncias de tantas gerações antes das nossas.

    Curtimos e nos emocionamos com os clássicos Dumbo, Pinóquio, Mogli, A Bela e a Fera, O Rei Leão, Aladdin e Mulan, e agora estamos vendo/veremos todas essas obras se tornarem verdadeiramente reais, na medida do possível. É muito para a cabeça, mas é bom já ir se acostumando, a isso e a muito mais. Há quem chame esse movimento de uma profanação da boa e velha animação à moda antiga. Há quem discorde dessa afirmação e ache que quem reclama é chato, purista demais. O fato é que a alta qualidade da animação computadorizada veio mesmo para ficar nas telonas.

    O que traz uma discussão interessante à tona: será que as novas versões desses desenhos animados citados podem ser considerados "live-action"? Algumas sim. Mas não todas.

    Se você se considera cinéfilo, talvez se importe muito com essa conversa (e muito jornalista está empenhado em discutir profundamente esse tema). Mas a grande maioria do público não está preocupada em dar nome ao que está assistindo. Só que a nomenclatura é importante nesse caso, porque cada vez mais esse tipo de produção estará em evidência. Mesmo com tanta informação à disposição, já não é possível distinguir com facilidade o que é de verdade e o que foi criado somente no computador. Será que não temos o direito de saber a procedência daquilo que pagamos ingresso para assistir?

    A Disney está vendendo O Rei Leão como um "live-action", mas essa definição é tão questionável quanto incorreta. Para ser considerado um live-action, o filme precisa se utilizar de cenas filmadas por câmeras, com locações reais e personagens interpretados por atores e atrizes vivos. Não é o caso do novo O Rei Leão. Todos os animais e cenários que vimos no trailer foram criados digitalmente, ainda que tenham sido provavelmente baseados em performances de atores reais (a empresa não divulgou que tipo de tecnologia utilizou nessa elaboração). E até o que se sabe, não se trata de um leão-ator-real intepretando Simba.

    Pensando lá na frente, será que O Rei Leão pode ser considerado um filme de animação para concorrer a esta categoria no prêmio Oscar? Ou é o tipo de produto que mereceria uma categoria nova, já que não se encaixaria  naquilo que a premiação contempla atualmente? É algo a se refletir, mas certamente não é a discussão mais importante que a obra vai gerar.

    Estamos chegando a um momento do cinema em que é possível criar filmes completamente realistas, que imitam a vida real com perfeição absoluta, sem a necessidade de realmente filmar objetos, pessoas e cenários verdadeiros. Tudo pode ser simulado pelo poder infinito da computação gráfica e dos grandes talentos dos designers. Para a maioria do público que está ansioso para ver este Rei Leão "de verdade", essa questão ainda não faz tanta diferença. Mas o que vai acontecer quando estivermos totalmente acostumados a esses filmes que confundem a distinção entre verdade e a ilusão? 

    As possibilidades são preocupantes. Se todas as animações forem tão realistas ao ponto de não conseguirmos mais discernir o mundo real da criação computadorizada, será que não corremos o risco de perder a referência e passarmos a diminuir a enorme importância da animação tradicional? E se os filmes perderem suas características e ficarem todos com a mesma cara? E se chegar enfim o dia em que será mais em conta fazer filmes sem atores e atrizes de verdade?

    Dito tudo isso, eu sou a favor da utilização da computação gráfica no cinema... mas com moderação. Para fins realmente dignos e necessários. Para criar com perfeição aqueles mundos e histórias que deveriam existir mesmo, mas que só conseguimos presenciar em nossos sonhos mais profundos. Como por exemplo, a ideia de haver criaturas mágicas como os Pokémon vivendo entre nós.

    E sério, quem consegue resistir a essa carinha? Não, eu não consigo.

    Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema e consome cultura pop desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks, de Batman a Pato Donald. Como jornalista, editou produtos de entretenimento como Rolling Stone, IGN Brasil, Herói, EGM e Nintendo World.

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