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    A Prece: "Disseram que os melhores filmes religiosos são feitos por quem não crê em Deus", afirma o diretor Cédric Kahn (Exclusivo)

    Uma história de sobrevivência através da fé.

    Vencedor do prêmio de melhor ator no último Festival de Berlim, A Prece traz aos cinemas um debate interessante sobre o papel da religião como cura. Na trama, Thomas (Anthony Bajon) é um garoto agressivo e viciado em drogas, que levou uma infância difícil. Ele encontra abrigo numa comunidade cristã, mesmo sem ser particularmente religioso. Aos poucos, a experiência começa a testar a visão de mundo de Thomas.

    O drama é dirigido por Cédric Kahn, mais conhecido como ator de A Economia do Amor e Um Amor à Altura, por exemplo. Em entrevista ao AdoroCinema, ele explica o que levou um artista pouco religioso a investir nesta história, e como percebe o papel dos milagres na trama:

    Carole Bethuel / Les Films du Worso Berlin

    No início, o centro religioso parece uma prisão.

    Cédric Kahn: Eu acho que este lugar se parece muito com as clínicas de reabilitação! Os centros de reabilitação para drogados são muito rigorosos, possuem uma infinidade regras de conduta. Isso faz parte dos códigos desse lugar. Creio que as regras correspondem mais ao problema das drogas do que à questão religiosa.

    Você já se sentia próximo do tema do filme?

    Cédric Kahn: Não especialmente, até porque não me drogo, nem me considero muito próximo da religião. Mas eu tinha curiosidade de descobrir este universo, então fui conversar com jovens nestas condições, e o filme foi baseado nestes testemunhos. Na verdade, os depoimentos me deram vontade de seguir adiante com o filme. Este era o cerne do filme para mim, foi a parte mais importante para a minha inspiração. Mas é preciso sublinhar que são atores interpretando as histórias verdadeiras. Não é um documentário, não são as pessoas reais contando as suas próprias vivências. Para mim, a direção deve fazer coro à história, à respiração dos personagens. A mise en scène, para mim, é isso: não é criar imagens bonitas nem transmitir uma mensagem. Ela deve encontrar a respiração do filme.

    Carole Bethuel / Les Films du Worso Berlin

    Você considera A Prece um filme religioso?

    Cédric Kahn: É interessante porque quando apresentei o filme na França, havia muitos católicos na sala, e eles acabaram me dizendo que os melhores filmes religiosos são feitos por quem não crê em Deus, talvez porque isso permite ter uma distância. Nestes casos não existe fanatismo, mas há um respeito evidente. A meu ver, A Prece é um filme que vai muito além da religião. É uma história de sobrevivência, sobre pessoas que usam a religião para sobreviver. Isso vale inclusive para a cena do milagre, que é muito simples para o personagem, assim como eu tinha ouvido nos testemunhos. O personagem acredita que vai morrer, então Deus vem para prestar socorro. É algo que ouvi muito nas histórias dos jovens: geralmente, as manifestações mais simples da divindade são interpretadas como milagres.

    Considera a relação dos personagens com a religião como típica da sociedade francesa?

    Cédric Kahn: Para mim, o filme não é tipicamente francês, ele traz uma discussão internacional e universal. O elenco, aliás, é composto de pessoas de todas as origens: temos orientais, russos, espanhóis. A comunidade na qual me inspirei contém pessoas do mundo inteiro. São questões universais. Falamos de fé, da prece, da amizade: são as coisas mais simples que salvam este rapaz. Para mim, o essencial é retratar a liberdade: era impossível que ele chegasse a um centro religioso e apenas ficasse preso lá dentro. Minha escolha pessoal é de vê-lo como uma pessoa livre. Respeito muito as crenças, e por isso acredito que todos devem ser livres para fazer as suas escolhas.

    Carole Bethuel / Les Films du Worso Berlin

    Como escolheu Anthony Bajon para o papel principal?

    Cédric Kahn: Ele foi escolhido entre um grande grupo de jovens, e eu estava buscando alguém com um olhar diferente. Anthony possui algo muito cândido no olhar, muito puro. Ao mesmo tempo, ele tem uma expressão muito jovem. Esse personagem precisava carregar um passado doloroso nos olhos, era preciso compreender pelas expressões que ele já tinha enfrentado muitas dificuldades. Por isso, o trabalho foi muito físico. Tentamos compreender cada etapa do personagem: a violência do início, a aceitação posterior. Foi uma atuação muito física.

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