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    Mostra SP 2018: Duas obras sobre Ingmar Bergman desnudam o ídolo como homem comum

    Procurando por Ingmar Bergman e Vox Lipoma formam sessão dupla que foge dos velhos padrões da biografia.

    Ser fã de alguém em 2018 inclui a torcida para que envolvimentos em crimes e abusos não sejam seus esqueletos no armário e encontrar uma maneira de isolar obras-primas de seus realizadores execráveis é um desconforto que ainda aflige muita gente. Biografias generalistas às vezes tentam dar conta dos dois lados da moeda, mas o envolvimento de familiares do retratado e a admiração que frequentemente é o combustível do engajamento do realizador no projeto não raro faz com que controvérsias sejam minimizadas ou mesmo justificadas.

    O "passar pano" é tão comum no gênero que a expressão "documentário chapa branca" tornou-se quase sinônimo de "documentário biográfico", mas cineastas que privilegiam de fato a arte cinematográfica eventualmente oxigenam o velho biografar sem que para isso precisem rejeitar por completo seus sentimentos ou fazer vista grossa diante das falhas de seus ídolos. Dois filmes sobre Ingmar Bergman, exibidos em conjunto na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, representam esse modo crítico de homenagear, com personalidade e coragem de retirar o centenário sueco de seu altar ancorado em profundos dramas existenciais.

    Procurando por Ingmar Bergman, da alemã Margarethe von Trotta, não é exatamente original (coisa difícil considerando o boom de docs recentes sobre Ingmar), mas resulta único pela investigação com enorme curiosidade artística da vida e obra do diretor de Persona, lembrado e interpretado por cineastas como ele, marcados por sua existência. Saber que maltratava continuístas ou entrou em desacordo com o filho durante uma produção não representa aqui fofoca desmitificadora, mas anedota profissional, e suas falhas e temores são o caminho para a compreensão de suas mensagens artísticas e personagens angustiados.

    A grande surpresa, no entanto, fica por conta do curta Vox Lipoma, animação sarcástica que caracteriza Bergman como um frio infiel incorrigível que não respeita mulher alguma, é obcecado por prêmios, pai irresponsável de meia Suécia e tem um lipoma conselheiro. Dirigido por Jane Magnusson, responsável por Bergman - 100 anosInvadindo Bergman, o "apêndice" é desconfortavelmente divertido apresentando o insuportável homem Bergman em ações cotidianas que ninguém jamais parou para imaginá-lo fazendo e juntando fantasia e fatos reais numa alfinetada pesada e referencial como só uma fã poderia realizar. Mas encaixaria melhor ainda se exibido depois do longa.

    A Mostra segue até o dia 31 e novas sessões dos filmes ocorrerão nos dias 22, 23 e 28 de outubro.

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