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    CineBH 2018: O purgatório do intelecto no drama Classical Period

    Drama americano sobre grupo de estudos de A Divina Comédia e pérola argentina inspirada pela Nouvelle Vague que critica a cultura de massa foram destaques da programação na sexta-feira (31).

    Festivais de cinema são sempre uma boa oportunidade de conferir produções que geralmente não seriam projetadas no Brasil por falta de apelo comercial. Sendo assim, faz-se necessário ressaltar o bom trabalho da curadoria do 12ª CineBH - Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte por programar um projeto tão idiossincrático quanto Classical Period, de Ted Fendt, um drama contemporâneo filmado em 16mm sobre um grupo de entusiastas de A Divina Comédia que se reúnem para estudar uma famosa tradução do poema épico para o inglês. O filme foi exibido no festival mineiro no final da tarde de sexta-feira (31) como integrante da Mostra Contemporânea.

    Exibido sem alarde na programação do Festival de Berlim deste ano, o longa-metragem praticamente não teve eco na imprensa especializada internacional (o Rotten Tomatoes, por exemplo, só tem uma crítica do filme cadastrada) e adota uma estética austera ao longo de seus 62 minutos de duração nos quais os personagens investem em longas argumentações sobre arte, literatura e História.

    Nas conversas, os personagens se debruçam em extensas tiradas extremente específicas sobre temas como as disputas entre protestantes e católicos na Inglaterra durante os anos seguintes à Reforma; a verdadeira identidade religiosa de Shakespeare; a poesia de Denise Levertov; a funcionalidade na arquitetura de Frank Lloyd Wright; e a possibilidade das notas de rodapé serem mais interessantes do que os próprios livros que elas ajudam a explicar.

    Classical Period tem uma proposta curiosa. Ao mesmo tempo em que o filme celebra uma apreciação das artes à moda antiga na era da informação rápida nos meios digitais, seus protagonistas carregam uma melancolia interna amplificada pelas escolhas de Fendt como diretor.

    "Com a verborragia de um cruzamento dos diálogos sobre cultura vistos nos filmes de Woody Allen (sem o humor) e Richard Linklater (sem o amor), a trama faz da cidade da Filadélfia uma espécie de purgatório para os protagonistas, que parecem condenados a não conseguir se relacionar uns com os outros para além da menção de referências. Para evidenciar a solidão de seus personagens, Fendt os isola no quadro por diversas ocasiões, o que tem um efeito interessante quando eles estão ouvindo alguma argumentação", diz a crítica do filme no AdoroCinema.

    Outro destaque de sexta-feira na CineBH foi a sessão do excelente filme argentino Pajarito Gomez - Uma Vida Feliz (1965), de Rodolfo Kuhn, exibido em uma cópia em 35mm. Presente na Mostra Diálogos Históricos, que no dia anterior contou com uma sessão da chanchada brasileira Carnaval Atlântida, o filme dá continuidade na proposta levantada pela curadoria neste ano de olhar para o passado da produção cinematográfica na América Latina para entender o presente.

    No drama paródico é proposta uma reflexão e reflete junto com o espectador sobre a relação entre arte popular e arte de massa, dilema encarnado na presença do personagem-título, intepretado por Héctor Pellegrini. Na trama, Pajarito é um cantor de sucesso na Argentina da década de 1960, um fenômeno similar aos Beatles no Reino Unido e à Jovem Guarda no Brasil na maneira como suas canções comerciais tem um apelo especial com o público jovem. Entretanto, sua projeção nacional se deve a uma carreira gerida com mão de ferro pelos executivos de sua gravadora, que controlam como suas canções devem soar, fazem pesquisas de mercado para descobrir sobre quais temas Pajarito vai cantar, o obrigam a manter um relacionamento de fachada e a aparecer em diversas outras mídias para sempre ser lembrado pelo público.

    Esteticamente inspirado na Nouvelle Vague pela maneira como a câmera se movimenta e a montagem se dá, o longa ajuda a desmontar o maquinário da indústria do entretenimento e, disfarçado de comédia de humor negro, consegue ser devassador.

    Críticas do AdoroCinema dos filmes presentes na programação da CineBH

    Classical Period: "Bibliografia: eu quero uma pra viver", por João Vitor Figueira

    Abaixo a Gravidade: "A grande beleza da vida", por João Vitor Figueira

    A Mulher dos Cachorros: "Resiliência", por João Vitor Figueira

    Sol Alegria: "Caravana radicalizaray", por Taiani Mendes

    Baixo Centro: "A alma encantadora e perigosa das ruas", por Taiani Mendes

    Espera: "O coletivo de tempo", por Bruno Carmelo

    Jonas e o Circo Sem Lona: "O menino e o mundo", por Bruno Carmelo

    Intolerância.doc: "Casos de violência", por Bruno Carmelo

    Ferrugem: "Um vilão de nosso tempo", por Taiani Mendes

    Benzinho: "Formatura de mãe", por Taiani Mendes

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