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    Admirável Mundo Pop: Excesso de hype pode cansar

    Quando a indústria do entretenimento colabora para as ansiedades nossas de cada dia.

    A notícia "chocante" da semana é que Top Gun: Maverick, a continuação do clássico de 1986, foi adiado... do distante julho de 2019 para o ainda mais longínquo junho de 2020.

    E se você é daqueles que acha que essa nem deveria ser considerada uma notícia, então estamos no mesmo time. 

    Pensando friamente, a quem tal informação poderia interessar nesse momento? Digamos que seja algo relevante para quem acompanha de perto o mercado cinematográfico -- aí incluo os jornalistas, os artistas, diretores, produtores e outros profissionais da área (e talvez, seus amigos e parentes). Provavelmente também para os fãs de Tom Cruise. E de Top Gun.  

    Mas, e o grande público, será que precisa se programar para ir ao cinema com tanta antecedência assim? E mesmo que você esteja ansioso para ver o novo Top Gun, não deveria mudar nada se isso vai acontecer daqui onze meses ou daqui dois anos. E se faz diferença para você, então parabéns. Eu não consigo nem planejar o que vou fazer no próximo fim de semana.

    Como você deve ter percebido, adiamentos são temas frequentes da atual cobertura jornalística da cultura pop. Não faz muito tempo, soubemos que o próximo filme Indiana Jones não vai mais sair em 2020. Do lado da TV, a novela da data de lançamento da última temporada de Game of Thrones parece não ter fim. Entre os videogames isso também acontece: após muito alardeado para 19 de outubro, Battlefield V, próximo título da famosa franquia de jogos de tiro, vai ser lançado somente um mês depois.

    E às vezes, como foi a questão dos diversos adiamentos de Os Novos Mutantes, os reais motivos não são revelados. Nesse caso específico, penso que essas informações nem teriam obrigação de chegar ao público final. 

    Faço minha confissão aqui: apesar de fazer parte dessa "engrenagem" como jornalista, nem sempre fico à vontade com a atual indústria do hype e suas ferramentas de marketing. Como escrevi anteriormente, sou do tempo em que ser surpreendido fazia parte do ato de consumir entretenimento. Sabíamos pouco ou quase nada sobre as futuras produções, e tudo bem, não havia problema nisso. Não apreciávamos um filme mais ou menos só porque não fomos tão informados antes do lançamento. Era uma experiência mais pura, por assim dizer.

    Mas entendo perfeitamente se você curte o atual estado das coisas. Para o antenado apreciador de cultura pop do século XXI (um grupo no qual me incluo), nada mais normal do que saber de tudo antes e acompanhar de perto os desenvolvimentos das produções, tanto os altos como os baixos. Revelar uma data de lançamento com muita antecedência (e seu possível adiamento) serve de combustível para estimular conversas e expectativas em torno de uma obra ainda distante. Gera hashtags, trending topics, likes, comentários e opiniões, boas e ruins. Mesmo com reclamações, o hype é absorvido pela indústria como algo positivo. E assim a roda de Hollywood gira.

    Tenho algumas ressalvas a esse modelo porque é o reflexo perfeito do alto nível de ansiedade embutido na sociedade, um problema no qual a internet e as redes sociais desempenham um papel essencial. Temos uma necessidade mórbida de saber de tudo em tempo real, de acompanhar o que está acontecendo a todo momento, de opinar e reclamar sobre qualquer assunto. Estamos muito mais ligados e melhor informados, mas também mais frustrados, decepcionados. Sabemos e absorvemos mais do que precisamos, sem dúvida alguma. Se "a ignorância é uma benção", então estamos amaldiçoados.

    Claro que esta é a minha visão conservadora da coisa. Como bem me explicou uma amiga, dá para interpretar o hype positivamente como uma longa sessão de preliminares. O fã ativo e dedicado acaba participando da construção da obra, mesmo que de forma indireta, o que cria uma sensação confortável de pertencimento -- que também é um estimulo positivo ao senso crítico, gerando produtos melhores no futuro. É por isso que para muita gente, curtir os percalços da produção de um filme é tão (e às vezes mais) divertido quanto assistir ao filme em si. Gostando ou não do resultado final, o caminho até lá já terá valido a pena.

    Para o bem e para o mal, este é o mundo em que vivemos. Dito isso, fica aqui uma certeza: estarei feliz da vida encarando a fila no dia da estreia de Top Gun: Maverick. Seja em 2019 ou em 2020.

    Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema e consome cultura pop desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks. Como jornalista, editou produtos de entretenimento como Rolling Stone, IGN, Herói, EGM e Nintendo World.

     

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