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    Shazam! aponta uma nova etapa do Universo Estendido da DC (Análise)

    A julgar pelo trailer da aventura de David F. Sandberg, divulgado na última Comic-Con, as coisas serão bem diferentes daqui pra frente.

    Mais bem-humorado, aparentemente mais realista e literalmente mais fácil de enxergar: assim se postou Shazam!, um dos próximos filmes da DC, a partir de seu trailer divulgado na Comic-Con em relação ao restante das obras do Universo Estendido comandado pela Warner. Sem o apoio de efeitos especiais questionáveis, planos para destruição total do universo, vilões onipotentes quase caricatos e doses puras de heroísmos improváveis, Shazam! soa como a perfeita oposição a filmes como Esquadrão SuicidaLiga da Justiça e Batman vs Superman. Será, portanto, a aventura estrelada por Zachary Levi o futuro do Universo Estendido da DC?

    É evidente que, antes de mais nada, qualquer conclusão acarretada por este texto será precoce, visto que Shazam! só chegará às telonas em abril de 2019. Entretanto, é difícil fugir da impressão que este pode ser um ponto de virada do tão massacrado DCEU, especialmente quando se leva em consideração que é a primeira produção do estúdio sem o envolvimento do diretor e roteirista Zack Snyder - o realizador foi o responsável por dar o pontapé inicial na constelação de filmes de super-heróis da Warner e, consequentemente, por imprimir uma estética-base que foi ostensivamente aplicada desde O Homem de Aço ao ainda vindouro Aquaman.

    Da mesma forma como acontece com Michael Bay, supervisor da franquia Transformers, é praticamente impossível não reconhecer um longa-metragem de Snyder à primeira vista. Amplamente influenciados pelo visual quadrinesco, os projetos do realizador de 300 frequentemente parecem ter saltado diretamente das graphic novels para as salas de cinema. Estão presentes na filmografia de Snyder combates violentos que possuem uma certa aspiração artística; momentos melodramáticos sob a chuva; utilização extensiva - e ocasionalmente exagerada - de efeitos computadorizados; e um trabalho de câmera extravagante, que liberta o live-action de sua relação direta com o real e o aproxima das produções animadas e/ou digitais: não é nada difícil imaginar os storyboards de Snyder como uma página de HQ.

    Por mais que seja meramente ilustrativo e obviamente não represente a totalidade da obra de Snyder como diretor, a compilação de cenas acima é boa o suficiente para encapsular, em um espaço curto, o estilo épico, plástico e estilizado do cineasta. Sua formação como diretor de comerciais - universo que demanda um rápido raciocínio por causa de sua natureza narrativa, e que gestou cineastas como David FincherMichel Gondry - certamente ajuda a explicitar a constituição estética de Snyder e, especialmente, sua abordagem inovadora para as sequências de ação. É aqui que o realizador, de fato, brilha e se destaca, tendo apresentado ao mundo cenas de lutas extremamente velozes e com pouquíssimos cortes, através do emprego criativo de zooms slow motions.

    Quando Snyder surgiu, sua assinatura visual causou um impacto bastante positivo. A releitura do diretor para o clássico O Despertar dos Mortos, de George A. Romero, segue como uma das obras mais bem avaliadas de sua carreira até hoje: Madrugada dos Mortos - aprovação de 75% no Rotten Tomatoes, a título de ilustração - é um terror que não só respeita suas raízes como também faz um competente uso da fotografia digital que, em 2004, migrava do cinema independente para o sistema de estúdios de Hollywood.

    Em seguida, 300Watchmen viriam a credenciar Snyder como um visionário, um artista cujo estilo visual distancia-se da média praticada pela indústria - ao menos de acordo com os publicitários de Hollywood. Assim, em 2010 e a despeito dos fracassos de A Lenda dos Guardiões e de Sucker Punch - Mundo Surreal, Snyder foi oficialmente contratado para rebootar a história do Super-Homem nas telonas: três anos depois, começaria o Universo Estendido da DC, resposta da Warner ao Universo Cinematográfico Marvel, com O Homem de Aço.

    A obra protagonizada por Henry Cavill serviu, de imediato, como uma declaração do estúdio: ao se distanciar do realismo e da leveza bem-humorada da concorrência, fundadas em Homem de Ferro, o Universo Estendido da DC posicionou-se como uma espécie de resposta mais dramática e mais sombria às investidas da Marvel. Em uma época onde a aclamada e revolucionária trilogia do Homem-Morcego de Christopher Nolan, finalizada em O Cavaleiro das Trevas Ressurge, estava fresca na memória do público e da crítica, seria até mesmo surpreendente se a Warner decidisse sacrificar a bem-sucedida estética - e, naquele período, quem melhor do que Snyder para receber o bastão das mãos de Nolan?

    Corta para quatro anos depois: o fatídico 2017.

    Após o deslize de Batman vs Superman e do equívoco brutal de Esquadrão Suicida - que viu o diretor David Ayer, egresso dos dramas policiais realistas, falhar ao tentar adotar o estilo de Snyder -, Liga da Justiça chegaria aos cinemas com o muito bem-vindo impulso do quebrador de recordes Mulher-Maravilha, longa que ultrapassou a esfera do cinema e tornou-se um verdadeiro fenômeno cultural e político. O cenário estava posto, portanto, para a redenção completa do Universo Estendido da DC e, especialmente, de Snyder, que desejava retomar a boa forma dos anos 2000.

    No entanto, o sonho não demorou a virar pesadelo. Atravancado por uma produção infernal, Liga da Justiça passou por todos os contratempos possíveis: refilmagens caríssimaspolêmicas à la novelas mexicanas envolvendo bigodes e, sobretudo, uma troca de diretor no meio do caminho. Quando uma tragédia pessoal se abateu sobre Snyder, o estúdio prontamente substituiu o cineasta por Joss Whedon, o mesmo responsável por dois dos maiores êxitos da concorrência: Os Vingadores e Era de Ultron. Com a contratação de Whedon, vista imediatamente como uma tentativa da DC de se aproximar da leveza da Marvel, e o subsequente fracasso de Liga da Justiça, um frankenstein nascido de dois pais extremamente distintos, a era Zack Snyder foi encerrada.

    A estética empregada pelo diretor que ajudou a criar o Universo Estendido da DC logo foi alçada ao status de símbolo da derrocada. Apesar do rendimento razoável nas bilheterias (US$ 657 milhões globais), Liga da Justiça acabou abrindo um rombo de mais de US$ 100 milhões nos cofres da Warner e não há nada como um prejuízo financeiro para fazer cabeças rolarem. Anunciando mudanças drásticas no Universo Estendido da DC, a produtora não pensou duas vezes e iniciou o processo de reforma do DCEU - sem Snyder.

    Ainda que o estúdio não tenha emitido nenhum comunicado oficial quanto à demissão do diretor e produtor, o distanciamento gradativo em relação ao cineasta - e os rumores de que ele teria sido demitido de Liga da Justiça ao invés de ter se afastado voluntariamente da direção - foram mais do que o suficiente para decretar a conclusão precoce da administração Snyder; e é exatamente por causa do claro contraste com tudo que foi exposto acima que o trailer de Shazam! parece apontar uma nova direção.

    (continua)

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