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    Paris 8: Diretor ressalta a importância de fazer oposição ao cinema americano através de outras formas de ver o mundo (Entrevista Exclusiva)

    Conversamos com o cineasta Jean-Paul Civeyrac, cujo mais novo drama já está em cartaz no Brasil.

    Como muitos outros jovens antes de si, Etienne (Andranic Manet) desembarca na cidade de Paris repleto de sonhos, idealismos e um amor incorrigível pela sétima arte. No entanto, a vida na metrópole francesa entre os amores, a arte, as ilusões, a solidão e a decepção pode ser tão difícil quanto prazerosa para um rapaz egresso do interior do país, hoje comandado pelo liberal Emmanuel Macron e por sua agenda de austeridade política que tornou-se alvo dos sempre combativos e incendiários jovens parisienses.

    Forjado, assim, entre a política e o privado; debatendo a dicotomia entre o entretenimento e a busca pela grande arte; e carregando o DNA do cinema francês - sobretudo da Nouvelle Vague de Jean-Luc GodardFrançois Truffaut -, na alma, Paris 8 é um retrato contemporâneo da juventude francesa e mundial. Em entrevista exclusiva ao AdoroCinema, o diretor Jean-Paul Civeyrac (Minha Amiga Victoria) falou sobre seu mais novo drama, aprofundou a questão de suas influências cinematográficas e literárias e, principalmente, lançou duras críticas ao capitalismo e à atual industrialização da sétima arte:

    Rudy Waks/Les Inrockuptibles

    AdoroCinema: Assim como Etienne - o jovem e idealista personagem principal do longa que atravessa tanto uma educação sentimental quanto artística e política no longa -, você também deixou sua cidade natal para se formar em cinema em Paris. Portanto, você diria que Paris 8 é um filme autobiográfico?

    Jean-Paul Civeyrac: Não exatamente. Existem fatos autobiográficos mas eles são bastante ficcionados. É, portanto, mais uma "autoficção", uma "autobiografia imaginada" do que uma autobiografia. Por outro lado, a narrativa ressalta tanto o meu passado como estudante de cinema quanto minha experiência de mais de 20 anos como professor em contato com estudantes de cinema. Isso faz com que os elementos sejam um pouco mais misturados na narrativa do filme.

    AC: E qual é a importância dos fatos biográficos, mesmo que ficcionados, nos roteiros dos seus filmes? Apesar da ambientação e da trama que remetem diretamente ao seu passado e às suas experiências, este me parece ser um longa universal.

    JPC: A importância é pequena. Mas cada um dos personagens que criei carrega consigo fortes partes de mim mesmo. E ficaria feliz [de dizer que o filme é universal]. Mas você é um juiz melhor do que eu para decidir isso.

    AC: Você pode falar um pouco mais sobre sua experiência como professor da La Fémis (Escola Nacional Superior dos Profissionais da Imagem e do Som, em tradução livre) e como sua relação com os alunos o ajudou a escrever o roteiro de Paris 8?

    JPC: A experiência me ajudou muito, é claro. E fiquei feliz de constatar que os estudantes de cinema conseguiram se reconhecer e se identificar com os personagens que apresento no filme. Tanto os estudantes parisienses, sobretudo aqueles do interior da França e alguns de origem estrangeira, quanto os estudantes estadunidenses, em Nova Iorque, me disseram que se sentiram muito próximos dos personagens que fazem parte do filme.

    AC: Paris 8 é claramente influenciado por uma miríade de fontes culturais diversas, sejam elas musicais, cinematográficas e/ou literárias. Quais são suas referências diretas, em termos de nomes e estilos? Mais especificamente no âmbito da sétima arte, me parece que há muito de Éric Rohmer (Minha Noite Com ElaO Joelho de Claire) e de outros cineastas da Nouvelle Vague no filme.

    JPC: Minhas influências cinematográficas são múltiplas. É claro que, para este filme, pensei muito em Rohmer, mas também em Jean Eustache [A Mãe e a Puta]. Mas creio que, sobretudo, eu me inscrevo em uma história do cinema francês muito mais ampla. Penso que Paris 8 também é um herdeiro direto de Eterna Ilusão, de Jacques Becker, e dos filmes feitos por Jean RenoirJean Gremillon na década de 1930. Isto quer dizer que o filme, a partir deste lado literário que é muito presente no cinema francês, vem de longe, de um lugar que vai muito além da Nouvelle Vague. E, como influências, também podemos contar Mikio Naruse ou Satyajit Ray, assim como os cineastas italianos em sua forma de desconstruir a figura do homem, a figura masculina.

    AC: Este é o seu primeiro filme rodado em preto e branco. Essa escolha teve algo a ver com o estilo cinematográfico dos diretores que te influenciaram?

    JPC: Não. Foi uma escolha feita, sobretudo, para criar um espaço romanesco e uma temporalidade ampla e, de certa maneira, atemporal para o filme. É também por causa do preto e branco que eu creio que o filme tenha se tornado um pouco universal, cessando de ser um simples estudo preocupado com os estudantes de cinema na França dos dias de hoje.

    AC: E qual é a importância da literatura e do filósofo e teólogo Blaise Pascal, cujo livro "As Provinciais" (ed. Filocalia) deu título ao longa-metragem, em sua obra e, sobretudo, em Paris 8?

    JPC: Estudei Pascal na universidade e dois elementos de seu pensamento me marcaram: uma forma de exigência para consigo mesmo - ou seja, não contar muitas histórias para si mesmo -; e a ideia de que o homem é grande e pequeno ao mesmo tempo. Penso que estes dois elementos impregnam meu pensamento e que isto se traduz de uma maneira ou de outra em meus filmes. Quanto à literatura em geral, creio que ela está em todos os meus filmes. E nisto há uma razão autobiográfica: eu vivi rodeado por livros desde a minha infância. E, em seguida, isto também se dá por uma razão mais profunda, que é o fato de eu não acreditar em um cinema puro, limitado somente ao campo das imagens: o cinema é fundamentalmente impuro, atravessado por todas as outras artes, e principalmente a literatura.

    AC: Falando na escrita, Paris 8 é uma carta de amor ao cinema de autor, àquele estilo de produzir a sétima arte em que o realizador utiliza sua câmera da mesma maneira como o escritor utiliza sua caneta. Por outro lado, o drama também é um retrato realista e preciso de uma juventude que anda perdida em um mundo muito dividido, politizado e complexo. Como você equilibrou essa homenagem ao cinema com sua narrativa sobre a juventude?

    JPC: Creio que aquele que quer fazer o cinema com alguma consciência de sua arte encontra em seu caminho os desejos e os ideais daqueles que sonham com um mundo melhor. Os dois lados me parecem formar um par: se trata sempre de fazer parte do mundo, de celebrá-lo, de compartilhá-lo de uma forma digna. Assim, o equilíbrio destes temas no filme se produz de uma maneira muito natural.

    AC: Mathias Valence [Corentin Fila], o artista romântico e ferrenho defensor do cinema autoral em oposição aos diretores que "se vendem" por causa das sensibilidades comerciais do público, afirma que é inútil discutir com aqueles que não estão, desde o princípio, de acordo com as ideias dele. Mas a ausência de choque de ideias pode ser perigosa, como as bolhas criadas pelo filtro dos algoritmos das redes sociais, sempre orientados a mostrar os conteúdos mais agradáveis aos seus usuários, bem nos demonstram. Você acredita que esta juventude precisa de um pouco de Sergei Eisenstein? Será que não é disto que os jovens precisam atualmente: um choque ideológico para fazer avançar, seja a arte, seja a política?

    JPC: Não sei. Me parece que a juventude não para de receber choques de natureza política. O primeiro dentre eles é naturalmente nascer em uma terra possivelmente já condenada à sobrevivência por um capitalismo sem freio. Como viver com esta consciência do mundo, inevitavelmente infeliz? Quanto aos filmes e à arte em geral, creio que ambos são pouco operantes em termos de choque político. Quando isso acontece, o tipo de choque político que um filme pode criar é assimilado como uma informação chocante e não como a arte do cinema. Um filme se endereça, acima de tudo, a uma dimensão espiritual, sensível, individual, provavelmente minoritária e, finalmente, talvez, no fim de todo este processo, também ao nível político.

    AC: As medidas de austeridade recentemente promovidas pelo presidente Emmanuel Macron fizeram bastante barulho e a reação contrária dos jovens foi tão potente quanto o duro programa econômico do governo. O cinema ainda pode ser uma espécie de arma da juventude contra a política governamental? Ou os tempos em que o cinema era uma ferramenta política já fazem parte do passado?

    JPC: As justas oposições políticas da juventude francesa às reformas de Macron não geraram filmes de combate, ou militantes, muito interessantes em termos cinematográficos - eu os vi na Faculdade Paris 8 [divisão da prestigiada Sorbonne na qual Etienne e seus companheiros estudam no filme homônimo]. Mas isso é possível? O cinema, a arte, não pode se submeter à outra causa que não a sua sem se perder um pouco. É isto que Gary Cooper diz em Vontade Indômita, de King Vidor: a arte não deve se colocar a serviço de nenhuma causa, nem mesmo das mais nobres, como ajudar os pobres, por exemplo, e deixar de lado a sua própria causa. O cinema se torna, assim, uma contradição viva em si mesmo, por causa de sua devastação interior, e é assim que ele pode se tornar político.

    AC: Retornando ao personagem de Mathias Valence, ele é o símbolo da defesa apaixonada do cinema de autor que permeia toda a obra. Você acha que a sétima arte tornou-se industrial e hollywoodiana demais atualmente?

    JPC: Sim. A sensibilidade internacional é modelada pela indústria cinematográfica estadunidense, que inventou uma espécie de realismo capitalista extremamente eficaz e que, por sua vez, é uma maneira reducionista e pasteurizada de ver o mundo. A única coisa a ser feita é se opor ao cinema americano através de outras formas de ver, de sentir; existir apesar dele e sem buscar sua destruição porque esta é uma causa perdida, esperando assim que esta resistência encontre sensibilidades e consciências favoráveis.

    Paris 8 está em cartaz no Brasil - confira a crítica do AdoroCinema!

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