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    A História dos Blockbusters - Parte 6: Os universos cinematográficos e um império intergalático

    A casa de Mickey Mouse domina as bilheterias e dita o futuro da indústria cinematográfica.

    O INÍCIO DO FIM

    Momentos antes da estreia de Capitão América: Guerra Civil (US$ 1,1 bilhão), Kevin Feige definiu a emergente Fase 3 do UCM como uma etapa de términos e recomeços. Joe Russo, por sua vez, ponderou que a Marvel estava entrando em um momento de culminação de tudo o que havia sido realizado e concretizado até então. Desenhado para ser o ponto mais crítico da relação dos Vingadores, dividindo os Maiores Heróis da Terra em duas equipes, lideradas pelo Capitão América e pelo Homem de Ferro, Guerra Civil tornou-se um sucesso de crítica e público por causa de suas insanas sequências de ação - a cena de perseguição, que introduz o Pantera Negra (Chadwick Boseman), e A Batalha do Aeroporto -; e suas correntes dramáticas e humanas, onde os super-heróis surgem mais fragilizados do que nunca às vésperas da batalha contra Thanos.

    A Fase 3, portanto, provocou uma desconstrução, até certo ponto, da estética e da fórmula da Marvel. Inéditos conflitos e mais personagens novos, como o Doutor Estranho (US$ 677 milhões) de Benedict Cumberbatch, impulsionaram o estúdio e os fãs para o estágio atual de pura ansiedade pelo lançamento do aguardadíssimo Vingadores: Guerra Infinita e pelo que o futuro guarda para a Marvel após Vingadores 4. Um dos grandes trunfos da Marvel quando se trata da questão do Universo compartilhado é ter ensinado seu público a consumir seu estilo demarcado de seus projetos em sequência, sempre finalizando cada etapa com um evento cinematográfico bombástico que eleva o nível da megalomania de suas produções precedentes. Mas nada na Fase 3, por outro lado, é uma estreia fraca e/ou esquecível.

    Mesmo que Doutor Estranho não seja uma unanimidade e que Guardiões da Galáxia Vol. 2 (US$ 863 milhões) tenha se limitado a repetir o sucesso da primeira aventura do bando de mercenarios intergaláticos, 2017 reservava os lançamentos de Homem-Aranha: De Volta ao Lar (US$ 880 milhões) e de Thor: Ragnarok (US$ 854 milhões). Por mais que sejam extremamente distintas, ambas as obras têm mais em comum do que o fato de terem ultrapassado marcas brilhantes de arrecadação; de fato, tanto uma quanto a outra trazem perspectivas novas para dois heróis que são velhos conhecidos do público, duas performances definitivas (a de Tom Holland e a de um Chris Hemsworth mais hábil do que nunca) e dois diretores (Jon Watts e o novo queridinho do público, o neozelandês Taika Waititi) que conseguiram deixar suas marcas registradas em um terreno onde a pasteurização estilística é um risco que se corre quase que com a certeza de ser engolido pela máquina hollywoodiana.

    Estes recentes triunfos - incluindo o fenomenal trabalho de Ryan Coogler em Pantera Negra (US$ 1,2 bilhão), que construiu todo um universo de imaginário cultural majoritariamente negro de força indelével, conjugando questões de opressão, negritude e cenas de ação de tirar o fôlego - demonstram que a Marvel está disposta a recuperar o frescor narrativo em suas produções para combater a fadiga gerada pela fórmula - ou seja, a velha história do modelo esquema + variação, desenhado pelo crítico Mark Cousins e já citado anteriormente nesta minissérie. Assim, no fim das contas, é impossível prever o que a Marvel fará daqui para frente, especialmente por causa da compra de US$ 66 bilhões da Fox pela Disney, que disponibilizará futuramente os mutantes dos X-Men à força criativa da equipe de Feige; contudo, é certo que o estúdio fará o possível e o impossível para manter a hegemonia conquistada nestes 10 anos de estrada de Universo Cinematográfico Marvel.

    A QUEDA DO DCEU

    Enquanto a Sony entrava em um hiato no âmbito dos super-heróis - a produtora, que não pode utilizar o Cabeça de Teia, pretende criar um Universo Compartilhado baseado nas outras propriedades adjacentes à saga de Peter Parker, a começar por Venom - e a Fox lucrava com Deadpool (US$ 783 milhões), X-Men: Apocalipse (US$ 543 milhões) e Logan (US$ 616 milhões) após a risível perfomance financeira de O Quarteto Fantástico (US$ 168 milhões arrrecadados vs US$ 155 milhões gastos em orçamento de produção), a Warner adentraria o ano de 2016 com as expectativas nas alturas. Todavia, um contratempo logo frearia as intenções da Warner no primeiro instante. Batman vs Superman: A Origem da Justiça, uma espécie de prelúdio direto do sonhado Liga da Justiça, não só aprofundou os problemas já encontrados em O Homem de Aço como também provou, uma vez mais, a inviabilidade do projeto sombrio de Snyder. Por mais que tenha arrecadado US$ 873 milhões, o êxito nas bilheterias não foi o suficiente para apagar a má impressão deixada pelo reboot do Homem-Morcego (Ben Affleck); o único destaque seria mesmo a presença avassaladora e carismática de Gal Gadot como Diana Prince.

    Percebe-se, portanto, que introduzir personagens, situar todos os eventos em um mesmo espaço-tempo e trabalhar em prol de um objetivo narrativo comum não é o suficiente para construir um Universo Cinematográfico - boas intenções sozinhas não fazem verão, determinaria um ditado completamente equivocado. O que complica todas as iniciativas da Warner para com o Universo Estendido da DC é o desejo de construir um universo compartilhado saudável e totalmente funcional nos moldes estabelecidos pela Marvel. Mas como A História dos Blockbusters nos ensina, não basta replicar conteúdos para seguir tendências com sucesso. Quantos derivados de Tubarão conseguiram repetir o êxito do épico de Steven Spielberg, por exemplo? A situação fica patente no caso do UEDC quando analisamos de perto os triunfos e as quedas de Esquadrão Suicida e Liga da Justiça.

    O primeiro, aguardada resposta da DC ao time de “bandidos” da Marvel, os Guardiões da Galáxia, tentou capitalizar sobre o conceito de ver antagonistas serem obrigados a agir contra suas naturezas e salvar o mundo no processo, eventualmente. Mas mesmo com a presença de astros como Will SmithJared Leto e a elogiada performance de Margot Robbie como Arlequina, Esquadrão Suicida foi execrado pela imprensa. Apesar de adicionar mais humor, corrigindo um pouco do peso encontrado nos esforços anteriores da DC, o longa é assombrado pela direção equivocada de David Ayer, prejudicado pelo risível roteiro do cineasta e coroado por uma sequência final extremamente débil. Liga da Justiça, por sua vez, contaria com Joss Whedon em pessoa para tentar trazer um pouco da magia de Os Vingadores para o Universo Estendido da DC. Porém, como um Frankenstein resultante das visões conflitantes de Snyder e de Whedon, que assumiu a finalização do longa, Liga da Justiça foi bom o suficiente para ser considerado apenas como uma produção não tão fraca quanto Batman vs Superman.

    Mas mesmo com todos os pontos negativos, Esquadrão Suicida (US$ 746 milhões) e Liga da Justiça (US$ 657 milhões) não podem ser considerados fracassos, como suas arrecadações bem demonstram. Essa situação paradoxal, consequentemente, suscita um questionamento importante: o que é um blockbuster hoje em dia? Para além dos valores e da tendência dos universos cinematográficos, item principal dos últimos parágrafos de nossa análise na Parte 6, o que a Parte 5 deste estudo tentou demonstrar é que a questão financeira não é mais o único aspecto principal para definir o que é um sucesso ou um fiasco das bilheterias - ou o que pode ser, por sua vez, o pontapé inicial de um Universo compartilhado. A Múmia, por exemplo, arrecadou US$ 409 milhões, mas a cifra não foi o suficiente para quitar os custos de produção e marketing - lembram do sarcófago de 12 metros de altura? -, alcançar as expectativas da Universal e entrar para a lista de hits de Tom Cruise. Considerado como um raro passo em falso do praticamente impecável astro de Hollywood, A Múmia pode ter enterrado as chances de sobrevivência do Universo Sombrio dos Monstros, arquitetado muito antes do fracasso, porque não há mais credibilidade para investir no projeto.

    O mesmo acontece com o Universo Estendido da DC. Mulher-Maravilha pode ter sido um sucesso retumbante, mas seu êxito tem mais a ver com seus triunfos autônomos e intangíveis - nominalmente a questão da representatividade feminina, também explorada na Parte 5 desta minissérie - do que com o curso da embarcação do UEDC, que segue atormentado pelos fantasmas de Esquadrão Suicida, Batman vs Superman e Liga da Justiça. É evidente que o Aquaman de James Wan pode salvar o dia, mas a Warner não pode depender mais de pretensões, suposições ou da ideia de que a franquia Mulher-Maravilha - muito mais relevante do que os bilionários A Bela e a Fera ou Meu Malvado Favorito 3 por causa de seus méritos incalculáveis - possa manter a chama acesa por si só enquanto todas as outras produções só ferem a credibilidade do estúdio e reafirmam a inviabilidade do conceito que foi apresentado até o momento - seja pela Warner ou por qualquer outro estúdio que não a Disney.

    O FUTURO

    Os Universos Cinematográficos continuarão em voga ou a ideia de Universo compartilhado será aplicável apenas aos esforços da Marvel? Hollywood continuará se interessando pelas minorias ou deixará com que franquias antigas e já esgotadas - a saga Transformes ainda tenta seguir os passos do UCM, com um spin-off de Bumblebee em fase de pré-produção - recuperem suas posições de destaque? A nostalgia pelos anos 1980, potencializada pela série Stranger Things, dará vez ao saudosismo pela década de 1990 e ficções científicas “dinossaurescas” retomarão o domínio perdido? Os super-heróis serão substituídos por outros personagens ou estes vieram para ficar por décadas? Produtos comerciais, brinquedos - os filmes derivados de Uma Aventura LEGO também devem gerar um Universo compartilhado - e aplicativos de celular e jogos eletrônicos sem tramas continuarão sendo adaptados para os cinemas? Como a Disney aproveitará as propriedades criativas que herdará da Fox por causa do histórico acordo? A casa de Mickey Mouse, verdadeiro império intergalatico formado pela Santíssima Trindade da Marvel, Star Wars e Pixar, continuará a ditar o ritmo da indústri? E por último: Vingadores: Guerra Infinita vai tomar o posto de Avatar?

    Bem, estas são perguntas grandes cujas soluções ainda levarão certo tempo para sair das sombras e integrar a esfera da indústria de Hollywood. Nos vemos, com sorte, daqui a 10 anos, na Parte 7 de A História dos Blockbusters. Até lá.

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