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    A História dos Blockbusters - Parte 5: Sobre vampiros, avatares e distopias

    E alguns muitos outros bilhões a mais.

    Este é o quinto capítulo de A História dos Blockbusters, minissérie em seis partes do AdoroCinema. Confira a Parte 1: Sobre épicos, cineastas autorais e tubarões, a Parte 2: Em uma galáxia muito, muito distante..., a Parte 3: Os reis do mundo e a Parte 4: A jornada dos heróis.

    ​Décadas são períodos largos o suficiente para suportarem revoluções que ecoam através das eras. Se tudo mudou entre 1965 e 1975, o mesmo também pode ser dito sobre o espaço compreendido entre 2008 e 2018. Aproximadamente 10 anos nos separam de uma sociedade que sequer sonhava em ser influenciada social, financeira, cultural e, mais recentemente, politicamente pelo império de redes sociais de um jovem engenheiro de computação americano; de um Brasil que via seus últimos momentos de (aparente) tranquilidade e que acreditava que sua dormente hostilidade não podia ser mais do que um pesadelo lynchiano; de uma Netflix que ainda não tinha iniciado sua hoje toda poderosa plataforma de streaming e fornecia filmes para seus assinantes através do envio de DVDs alugados por correio; e da pré-produção e lançamento daquele que, ainda hoje, é o maior filme de todos os tempos em termos de arrecadação.

    Sim, você já pode se sentir velho: Avatar - ou o blockbuster titânico de James Cameron, o adversário a ser batido, o oponente inalcançável - está prestes a completar um decênio de vida. Decerto, o épico foi ligeiramente ofuscado nos últimos anos por causa da sumária dominação exercida pelos super-heróis e pela tendência à produção dos universos cinematográficos em Hollywood - conceito que retomaremos enfaticamente na sexta e última parte de nossa minissérie, dedicada ao desenvolvimento do Império da Marvel. Por outro lado, também é evidente que é impossível debater a década de 2010 no cinema sem destrinchar a fundo e ressaltar o impacto exercido por Avatar, coestrelado por Sam Worthington e pela musa do sci-fi moderno, Zoe Saldana.

    O FILME DE DOIS BILHÕES DE DÓLARES

    Em desenvolvimento desde 1994, alguns anos antes de Cameron se dedicar de corpo e alma à Titanic, o esboço de Avatar precisou ocupar o fundo da gaveta dos projetos do cineasta durante algum tempo por causa de uma questão incontornável: o tímido desenvolvimento da indústria dos efeitos especiais perante o nível de manipulação digital requerido pelo roteiro. Por isso, o diretor dedicou-se ao mundo dos documentários entre 1998 e 2009 para se manter trabalhando e financiou o desenvolvimento tecnológico até que as ferramentas atingissem o patamar no qual ele desejava trabalhar. Quando o longo hiato chegou ao fim, Cameron buscou apoio de todo tipo de especialistas para criar um universo inteiramente inédito, nunca antes visto: Pandora. Linguistas foram contatados para estruturar o complexo idioma dos Na’vi; botânicos foram abordados para fundamentar o exuberante design da fauna e da flora do ambiente; o cineasta contou até mesmo com artistas plásticos para esboçar o esqueleto dos gigantescos alienígenas azulados de seu planeta de estimação.

    Contando, desse modo, com inúmeros departamentos para cada área da produção - mais de 1000 empregos foram gerados -, principalmente no âmbito da direção de arte de Avatar, Cameron terminou a pré-produção de seu tão sonhado projeto e se preparou para rodar o épico por um orçamento que pode ter girado entre US$ 280 milhões e US$ 310 milhões - a versão oficial da Fox, no entanto, afirma que a cifra foi de “apenas” US$ 237 milhões -; já do lado do marketing, foram mais US$ 150 milhões - a publicidade ainda recebeu o generoso apoio da Coca-Cola. Assim, com a responsabilidade de fazer jus ao exorbitante investimento, Cameron se pôs a aguardar para que salas de cinema ao redor do mundo se equipassem com os projetores mais modernos em 3D para que seu filme fosse exibido. Marcado pelo mesmo ceticismo dispensado à Titanic uma década antes e lutando contra as previsões negativas de analistas da indústria, que temiam a caríssima produção, Avatar finalmente chegou às telonas no dia 16 de dezembro de 2009.

    Em apenas 19 dias, o épico bateu a marca de US$ 1 bilhão arrecadado, e um mês e meio após sua estreia, Avatar ultrapassou Titanic como se tivesse roubado doces de uma criança. Nem mesmo o elogiado Harry Potter e O Enigma do Príncipe (US$ 934 milhões) encontrou espaço nos holofotes na temporada 2009/2010: no fim das contas, Avatar terminou por acumular US$ 2,7 bilhões ao redor do mundo. Primeira obra a integrar o clube dos duplamente bilionários - Titanic também entrou para o grupo por causa dos rendimentos de seus relançamentos -, o longa logo garantiu quatro sequências, conquistou a crítica global e fez barulho no Oscar; aliás, a Academia se viu forçada a abrir mais vagas na corrida pelo prêmio de Melhor Filme para poder acomodar Avatar, deixando seu tradicional número de cinco filmes indicados para trás permanentemente. Profundamente original e autêntico - andando, portanto, na contramão das tendências industriais -, Avatar deixou um legado para a história do cinema que, muito provavelmente, ainda vai demorar para ser integralmente compreendido.

    A duradoura e perene influência do blockbuster de Cameron, todavia, certamente causou inúmeras mudanças tectônicas na indústria que puderam ser sentidas de imediato, como visto acima - e uma destas revoluções que muito nos interessa diz respeito à utilização do 3D. Apesar de ser associada à fase moderna da sétima arte, o nascimento da tecnologia se confunde com a própria gênese do cinema. De fato, as primeiras experimentações com o formato datam de 1915, ano em que D.W. Griffith, um dos pais da linguagem cinematográfica, lançaria o controverso O Nascimento de Uma Nação - produção que pode ser considerada como um proto-blockbuster. A patente da primeira câmera da 3D, por sua vez, é ainda mais anciã, remetendo à década de 1890, quando a sétima arte foi inventada pelos irmãos Lumière, George Meliés e Thomas Edison. Mas foi só nos anos 1950 que os primeiros projetos de sucesso e relevância impulsionados pelo 3D foram lançados; Hollywood, por sua vez, só viria a usar e abusar da ferramenta 5 décadas mais tarde. E, enfim, foi só a partir da exploração de Cameron que o 3D tornou-se uma escolha estética, uma decisão tomada com base na visão do diretor e não (apenas) nas perspectivas de lucro.

    A INDÚSTRIA DO 3D

    Em 2010, duas produções em específico tinham o 3D como força motriz: o clássico instantâneo Toy Story 3 (US$ 1,06 bilhão) e o não tão inesquecível Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton (US$ 1,02 bilhão), os campeões de arrecadação do ano. Aliás, a terceira aventura de Woody e Buzz Lightyear, indicada ao Oscar de Melhor Filme, também liderou mais uma formidável leva de animações hollywoodianas. Após 2009 trazer os exitosos A Era do Gelo 3 (US$ 886 milhões) e o favorito do público e da crítica Up - Altas Aventuras (US$ 735 milhões), a bilheteria de 2010 foi marcada pelo destaque de cinco animações no Top 10 - e duas delas no Top 5: o supracitado Toy Story 3Shrek para Sempre (US$ 752 milhões); Enrolados (US$ 591 milhões); o autêntico Meu Malvado Favorito (US$ 543 milhões); e Como Treinar o Seu Dragão (US$ 494 milhões). Movidas pelo 3D, tais animações deram prosseguimento à conquista progressiva de espaço em Hollywood iniciada pelo Renascimento da Disney. O mesmo, entretanto, não pode ser dito da tecnologia, que passou a ser empregada como um adereço para embelezar as produções e encarecer os ingressos.

    O tiro saiu tanto pela culatra que, recentemente, as redes de cinema dos Estados Unidos registraram uma queda da demanda do público pelas obras em três dimensões. O público, por sua vez, tem empreendido uma jornada de retorno às exibições em 2D - cineastas e especialistas em blockbusters como Christopher Nolan, que não exibiu seu recente Dunkirk (US$ 525 milhões) em 3D, defendem o movimento inclusive. Contudo, Hollywood surfou a agora falecida onda tridimensional com atenção redobrada às sequências e produções derivadas. 2011, na verdade, acabou representando um ano de baixas profundas para os projetos originais: sem Avatar, o surpreendente Se Beber, Não Case! (US$ 467 milhões) ou A Origem (US$ 825 milhões), lançado por Nolan em 2010, a derrota da autenticidade foi devastadora. De fato, 9 entre as 10 maiores bilheterias de 2011 vieram de continuações; a única outra obra do Top 10 é uma adaptação dos quadrinhos, Os Smurfs (US$ 563 milhões).

    A FÊNIX DAS CORRIDAS CLANDESTINAS

    A supremacia da máquina hollywoodiana foi ainda mais realçada porque três filmes entraram para o clube do bilhão no mesmo período: Harry Potter e As Relíquias da Morte - Parte 2 (US$ 1,3 bilhão), que fechou a saga do bruxinho com chave de ouro e assumiu o topo das arreacadaçoes da franquia após o lucrativo As Relíquias da Morte - Parte 1 (US$ 960 milhões), de 2010; Transformers: O Lado Oculto da Lua (US$ 1,1 bilhão); e Piratas do Caribe - Navegando em Águas Misteriosas (US$ 1,04 bilhão) - mais caro filme de todos os tempos, tendo custado oficialmente US$ 379 milhões -, que performou bem mesmo com as ausências de Keira Knightley e Orlando Bloom. Entretanto, o mais relevante blockbuster de 2011 não é nenhum destes supracitados, assim como tampouco é A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 1 (US$ 712 milhões) ou Se Beber, Não Case! Parte II (US$ 586 milhões). O gigante em questão é um ponto de transição, um paradoxo, um término e um (re)início ao mesmo tempo: Velozes & Furiosos 5 - Operação Rio.

    Com Justin Lin novamente no comando e disposto a dar continuidade à sua exploração da saga - ele dirigiu a prequel Velozes & Furiosos - Desafio em Tóquio e o reboot Velozes & Furiosos 4 -, a franquia ganhou novos ares. Deixando as corridas clandestinas para trás, as aventuras de Dominic Toretto (Vin Diesel) e companhia passaram a girar única e exclusivamente em torno de grandes, cinematográficos e insanos roubos. Atingindo um público mais largo, Velozes & Furiosos 5 foi majoritariamente aprovado pela crítica, apresentou um novo patamar à saga, injetou humor e leveza, preparou a franquia para que ela se tornasse o que é hoje e terminou por arrecadar US$ 626 milhões. E como se isso tudo não fosse o bastante, a ação de Lin também fez nascer uma nova estrela: Dwayne Johnson. Foi ali que The Rock, eleito pela imprensa como destaque de Velozes & Furiosos 5, deixou de ser um ex-lutador de MMA para iniciar sua trajetória como o ícone que é atualmente.

    Mas se os executivos comemoraram em Hollywood, o tom de euforia que invadiu as salas das majors não foi o mesmo que permeou boa parte do conteúdo dos blockbusters que seguiriam os passos de Avatar. Tragédias, como bem vimos nos últimos fascículos, vendem - e a indústria, amante das repetições, escolheu 2012 para coroar as distopias e os melodramáticos romances para jovens adultos nas telonas.

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