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    A História dos Blockbusters - Parte 3: Os reis do mundo

    Da queda do Muro de Berlim ao "bug" do milênio, Hollywood experimentou um período de intensas - e bilionárias - mudanças.

    REI DO MUNDO

    Vamos fazer um pequeno teste. Suponhamos que você, caro leitor ou leitora, trabalha em Hollywood. Você, diferente de outros produtores do ramo, acompanhou a minissérie do AdoroCinema, "A História dos Blockbusters", até aqui. E logo, logo, precisará apresentar uma ideia ou um conceito para os manda-chuvas da Fox e da Paramount, que esperam que seu projeto possa destruir as bilheterias com uma pancada só. O que você faria? Se a sua resposta foi produzir um épico centrado em uma catástrofe da vida real com duas jovens estrelas em ascensão, efeitos visuais espetaculares, romance, apelo para todos os públicos e um final para ficar na história do cinema, então parabéns: você é James Cameron, o produtor, diretor, roteirista e montador responsável por Titanic, o primeiro filme a cruzar a barreira de US$ 1 bilhão arrecadado.

    Inicialmente, no entanto, o épico romântico coestrelado por Leonardo DiCaprioKate Winslet não encontrou nenhum vestígio de sucesso. Previsto para ser lançado no verão de 1997 nos Estados Unidos, Titanic precisou de toda a estação mais quente do ano para ser finalizado. Assim, o longa de Cameron ficou para o inverno, próximo ao feriado do Natal, quando teve sua première mundial no Festival de Tóquio; no Japão, a reação da plateia foi "morna", de acordo com o The New York Times. A imprensa especializada, inclusive, previu que Titanic seria uma decepção nas bilheterias. Naquela altura, até mesmo Cameron começou a duvidar de seu projeto: com um rombo de US$ 100 milhões para cobrir, o cineasta chegou a acreditar que o filme mais caro de todos os tempos até então (US$ 200 milhões para ser produzido) cairia como uma bomba atômica sobre as bilheterias, na pior acepção possível do termo.

    No entanto, o filme provou ser outro perfeito exemplo de uma produção orientada aos Quatro Quadrantes. Impressionados pelos efeitos especiais do épico, encantados pelo romance e fascinados pelos diálogos que logo se tornaram parte da cultura popular, espectadores de todas as idades e gêneros compraram a ideia de Cameron. Apesar das 3h14 de duração, o que fazia com que Titanic só pudesse ser exibido três vezes por dia, o longa não só ultrapassou a marca de US$ 1 bilhão, como também quase dobrou a meta: em 10 meses em cartaz, arrecadou US$ 1,8 bilhão. Símbolo máximo da Hollywood da virada do milênio e vencedor de 11 Oscar, o drama romântico tornou-se o novo sonho consumo das majors de Los Angeles e a obra a ser batida - somente o próprio Cameron, 12 anos depois, superaria a si mesmo com o duplamente bilionário Avatar. Assim como TubarãoGuerra nas Estrelas e Jurassic Park, Titanic conferiu outro significado, até então inaudito e inesperado, ao conceito de blockbuster.

    A MORTE DA ORIGINALIDADE

    No entanto, o êxito estrondoso do autêntico Titanic coincidiu com o ocaso paradoxal dos filmes originais. Às vésperas do terceiro milênio, inúmeras produções que não eram derivações de outros produtos culturais estouraram as bilheterias para desaparecerem aos poucos nos anos seguintes. Paulatinamente, o renovado interesse nas franquias foi derrotando os materiais autênticos que, à época, advinham dos mais diversos gêneros e mentes criativas. Em 1998 - ano que anunciou a chegada de Michael Bay como mais um lucrativo produtor da indústria, com Armaggedon (US$ 553 milhões) -, por exemplo, 7 das 10 maiores bilheterias foram de longas originais - uma queda, portanto, em relação ao ano anterior, quando a taxa era de 80%. E apesar da sombra lançada por Titanic tanto em 1997 quanto no ano seguinte, destaques também para Homens de Preto (US$ 589 milhões) e O Resgate do Soldado Ryan (US$ 481 milhões).

    O ano de 1999, por sua vez, elevou a tendência da originalidade ao trazer três gratas surpresas. No âmbito do suspense e do terror, O Sexto Sentido, mais lucrativa obra do gênero desde O Exorcista, arrecadou US$ 672 milhões; e A Bruxa de Blair, filmado por apenas US$ 60 mil e impulsionado por um dos maiores golpes de marketing da história do cinema - o público foi levado a acreditar que o found footage era real quando, na verdade, tratava-se apenas de um falso documentário sobre o encontro de três amigos com um espírito demoníaco na floresta -, obteve US$ 312 milhões. O "último dos moicanos" da década foi Matrix, que carregava em seu núcleo todas as preocupações em relação à digitalização do terceiro milênio. Reforçado pelo renovado temor distópico diante das novas máquinas e computadores, a obra das irmãs LillyLana Wachowski combinou sci-fi, sensibilidades hollywoodianas, a "jornada do herói" e a estética dos filmes de artes marciais em um todo extremamente poderoso: US$ 463 milhões foram arrecadados globalmente.

    O ciclo da originalidade, pontuado pelos êxitos de sequências como O Mundo Perdido - Jurassic Park (US$ 618 milhões) e Toy Story 2 (US$ 485 milhões, superando seu predecessor tanto em termos de bilheteria quanto em relação à crítica), se encerraria apesar da euforia. A indústria cinematográfica dos Estados Unidos, como todas as outras da esfera capitalista, é alimentada por curvas de ascensão e queda de suas tendências - e na época foi como já diria o velho ditado: nada se cria, tudo se copia. Apenas 10 anos após aprender que o afeto poderia ser mercantilizado, os executivos de Los Angeles entenderiam que oferecer o “dia seguinte” dos filmes e personagens favoritos do público não era o bastante. Para lucrar cada vez mais, também era necessário apresentar os antecedentes. Expandindo e embaralhando a linha temporal de suas principais marcas - blockbusters são apenas índices de produtos culturais muito mais amplos -, Hollywood tirou uma página do “livro” utilizado por Quentin Tarantino no influente Pulp Fiction (US$ 213 milhões) e voltou no tempo.

    A ERA DAS PREQUELS

    Star Wars - Episódio I: A Ameaça Fantasma pode não ser o primeiro prelúdio de Hollywood, mas é a prequel mais influente por ser o marco zero da nova tendência industrial. A ideia era simples: pegue os milhões de jovens que assistiram a Guerra nas Estrelas no fim dos anos 70, reúna os filhos daqueles que já se tornaram pais e mães e junte as pessoas que sempre quiseram ver Star Wars nos cinemas, mas jamais tiveram a oportunidade - eis a nova receita de sucesso de George Lucas. Reinvestindo na nostalgia para ativar as memórias dos mais velhos e entregando todo o conteúdo em uma embalagem moderna - fortemente baseada nos efeitos especiais - para atrair os jovens, A Ameaça Fantasma desbancou Jurassic Park para se tornar o segundo filme mais lucrativo da história, com US$ 924 milhões arrecadados.

    Entusiasmada, Hollywood colocou um pé no futuro com a certeza de se tornar ainda mais bilionária. O êxito dos anos 2000, no entanto, não foi motivado apenas pela franca expansão das majors. Na verdade, o panorama da vindoura década foi fundamentalmente impactado pela "experiência de quase morte" do que hoje é uma das maiores empresas da indústria do entretenimento. A Marvel pode ter construído um império, mas antes disso, Stan Lee e companhia precisaram atravessar o risco da falência para ressurgir das próprias cinzas, no melhor estilo hollywoodiano.

    Mas isso é uma história para o próximo capítulo.

    (continua, amanhã)

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