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    A História dos Blockbusters - Parte 2: Em uma galáxia muito, muito distante...

    Sobre George Lucas e Steven Spielberg - ou como dois amigos tomaram o controle de Hollywood.

    ÀS PORTAS DO INFERNO

    A realidade começou a bater à porta - como sempre faz, mais cedo ou mais tarde - dos realizadores da Nova Hollywood no mesmo ano em que Guerra nas Estrelas mudou o jogo. Em 1977, o "cinema novo" dos Estados Unidos se deparou com sua primeira ruína: o fracasso retumbante de New York, New York, dirigido por Martin Scorsese. Parte homenagem aos musicais da Velha Hollywood e parte reinterpretação do gênero, o longa coestrelado por Robert De NiroLiza Minnelli custou US$ 14 milhões para ser produzido e arrecadou apenas US$ 16,4 milhões em retorno. O fiasco abismal agravou a dependência química de Scorsese - ele só foi resgatado do abismo da cocaína após o sucesso de Touro Indomável, patrocinado por De Niro - e colocou um ponto de interrogação sobre os extravagantes épicos da Nova Hollywood.

    Por mais que O Franco Atirador, de 1978, tenha recuperado parte do prestígio do rebelde movimento cinematográfico, tudo desmoronou em 1979 com a insana produção de Apocalypse Now. Estourando o orçamento em mais de US$ 17 milhões e o prazo de filmagens e pós-produção - o longa ficou pronto dois anos após o término das gravações -, o filme de guerra de Francis Ford Coppola falhou em repetir o sucesso de O Poderoso Chefão. Apesar de o filme ter arrecadado US$ 150 milhões, seu caótico set, construído em meio à selva do Vietnã, comprovou a inviabilidade do projeto da Nova Hollywood, o que fez com que paulatinamente os tradicionais produtores e executivos da indústria retomassem o controle perdido. Especialmente após o lançamento da grande "bombas atômica" do período: O Portal do Paraíso.

    Devido aos quase US$ 50 milhões de prejuízo trazidos pelo épico de quatro horas de duração de Michael Cimino - que havia lançado um grande sucesso, o ganhador de 5 Oscar O Franco Atirador -, a United Artists foi obrigada a vender todas as suas propriedades para a MGM. O drama protagonizado por Kris Kristofferson (US$ 3 milhões arrecadados em apenas duas semanas em cartaz) chegou a ser melhor reavaliado posteriormente pela crítica, mas a má impressão causada no momento de seu primeiro lançamento foi suficiente para enterrar o estúdio, o longa e a carreira de Cimino, que jamais reencontrou o êxito de O Franco Atirador. Com o caminho aberto, Hollywood redefiniu sua estrutura e os produtores-diretores, como George Lucas e Steven Spielberg, tomaram o controle.

    SPIELBERGMANIA

    São deste último, aliás, quatro dos maiores blockbusters dos anos 1980: E.T. - O Extraterrestre (1982); Os Caçadores da Arca Perdida (1981); Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984); e Indiana Jones e a Última Cruzada (1989) - Spielberg ainda produziu os hits De Volta para o Futuro e Uma Cilada para Roger Rabbit. Quanto a Lucas, o roteirista foi responsável por dois hits da mesma década: as duas sequências diretas de Guerra nas EstrelasO Império Contra-Ataca (US$ 538 milhões) e O Retorno de Jedi (US$ 475 milhões), lançados em 1980 e 1983, respectivamente. Vale ressaltar ainda que a duradoura amizade entre o criador de Star Wars e Spielberg foi o elemento propulsor da criação do caçador de tesouros, arqueólogo e combatente de nazistas mais famoso da sétima arte: o Indiana Jones de Harrison Ford.

    O trabalho conjunto de Lucas e Spielberg, na verdade, é o melhor demonstrativo de um conceito mencionado anteriormente nesta série: o dos Quatro Quadrantes. Ainda que tal categoria tenha sido desenvolvida posteriomente à década de ouro da dupla, a franquia Indiana Jones pode ser eleita como representante dos blockbusters que possuem apelo comercial com quatro demografias diferentes de espectadores: homens, mulheres, pessoas abaixo de 25 anos e pessoas acima de 25 anos - os quadrantes. Ou seja, as aventuras de Jones, descritas por Lucas como uma sequência de confrontos exuberantes e violentos, no melhor estilo das histórias em quadrinhos, conquistaram todos os tipos de público. A grosso modo, bastava estar vivo na era da música eletrônica, da queda das ditaduras no Brasil e no Chile e no governo de Ronald Reagan para ser atraído pela magia de Lucas e Spielberg.

    Spielberg, que manifestara interesse em assumir a franquia James Bond - que encontrou anos complicados na década de 1980 - antes de lançar Os Caçadores da Arca Perdida, embarcou em sua trilogia cinematográfica definitiva - esqueçamos o fiasco de O Reino da Caveira de Cristal por enquanto - com toda a confiança do mundo. Em 1989, época em que a terceira aventura foi lançada, veio o saldo final: juntos, os longas estrelados por Ford, dirigidos por Spielberg e produzidos por Lucas, arrecadaram quase US$ 1,2 bilhão. O trio das aventuras de Jones tornou-se a segunda série cinematográfica a entrar para o seleto clube do bilhão - após a trilogia original de Star Wars, é claro -, superando até mesmo a franquia que Spielberg queria dirigir, uma vez que os suspenses de espionagem do agente 007 só alcançariam tal marca após 17 longas.

    Mas aquele franzino cineasta que chegou contando apenas com a sorte em Hollywood mal podia esperar que repetiria o seu feito de 1975. Em 1982, Spielberg lançaria o mágico E.T. - O Extraterrestre - que encerrou o prestigiado Festival de Cannes daquele ano, vencido por Desaparecido - Um Grande MistérioYol - e inscreveria seu nome na história da sétima arte de novo, ocupando mais uma vez o posto de responsável pela maior bilheteria de todos os tempos até então: US$ 716 milhões, sem contar com seus concorridos relançamentos. O cineasta, de fato, é tão especialista em derrubar seus próprios recordes que E.T. - aclamado pelo seu retrato da infância e pelo espírito de aventura próprio da visão de mundo das crianças - só viria a ser batido como longa mais lucrativo de todos os tempos por Jurassic Park - Parque dos Dinossauros, 11 anos depois.

    O que o início da década em questão demonstra é que não bastava ser um artista completo: também era preciso ser um executivo. Lucas e Spielberg, dois cinéfilos inveterados, uniram a expertise de produtores como David O. Selznick e Samuel Goldwyn ao estilo rebelde da Nova Hollywood. Lucas, Spielberg e seus pupilos - cineastas como Robert ZemeckisRon Howard e, mais recentemente, J.J. Abrams - inauguram uma nova era, um tempo em que o dinheiro investido pelo produtor da obra tinha relação direta com as aspirações estéticas e de entretenimento do filme em questão. Pouquíssimos riscos financeiros e bastante experimentação narrativa - dentro dos moldes hollywoodianos, é claro: esta é a fórmula dos realizadores-produtores, uma imensamente lucrativa estirpe de artistas que segue viva na indústria até os dias atuais.

    Foi pela atuação destes nomes, aliás, que as franquias se consolidaram nos anos 80. Se antes apenas James Bond e os primatas de Planeta dos Macacos retornavam constantemente às telonas, a época do fim da Guerra Fria trouxe blockbusters em série que encantaram o público continuamente. Se um filme fizesse sucesso, os estúdios - em franca recuperação depois de um período economicamente complicado nos Estados Unidos - patrocinariam continuações diretas. Mais salas construídas nos subúrbios, incremento do marketing, o abandono completo de técnicas infrutíferas e o aprendizado com os erros do passado: Hollywood estava de volta, e com força total.

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