Minha conta
    Diretor Robin Campillo fala sobre 120 Batimentos Por Minuto e direitos das pessoas com HIV: "Precisamos continuar lutando"

    O perigo conservador está sempre à espreita.

    Pascal Le Segretain / Getty Images

    Logo após a sua primeira exibição no festival de Cannes, o drama 120 Batimentos por Minuto foi recebido com uma chuva de aplausos. Depois, venceu o Grande Prêmio do Júri, se tornou um grande sucesso de bilheteria e de crítica na França, até ser escolhido para representar o país na corrida ao Oscar 2018.

    Os méritos do projeto se encontram na condução do diretor Robin Campillo, que aborda a epidemia de HIV e a luta das associações militantes de maneira realista, respeitosa, sem pregar uma verdade absoluta, com o apoio de um excelente elenco. Entre cenas de manifestações e debates, cada membro do grupo revela a sua história, seus medos, seus sonhos. Enquanto isso, em plena luta contra a doença, nasce um relacionamento amoroso entre Sean (Nahuel Perez Biscayart) e Nathan (Arnaud Valois). 

    O AdoroCinema conversou em exclusividade com o cineasta sobre o filme, que chega aos cinemas dia 4 de janeiro:

    O filme se concentra na organização Act Up, mas você não defende todas as ações do grupo. Como construiu esse distanciamento?

    Robin Campillo: Eu fui membro da Act Up em 1992, a época mostrada no filme. Tentei ser o mais honesto possível com as ações que eles executavam na época, e com os debates existentes dentro do grupo. Para mim, 120 Batimentos Por Minuto não é um filme histórico, ele é construído a partir das minhas lembranças. Queria mostrar todas as contradições existentes dentro do grupo. Para isso, a melhor maneira foi mostrar em primeira pessoa. Foi simples ter distanciamento sobre os debates. Eu considero legítimo mostrar as contradições e os erros que pudemos cometer. Não acho isso negativo, pelo contrário, assim os membros se tornam mais humanos.

    Nathan é um dos poucos personagens soronegativos, e um dos raros que ainda não conhecem bem a associação. Para você, ele era importante para gerar identificação com o público médio?

    Robin Campillo: Na verdade, não foi assim que eu o concebi. A trajetória de Nathan é a maneira como eu entrei no grupo. Mesmo sem conhecer como a Act Up funcionava por dentro, se ele se juntou ao grupo, é porque concordava com aquelas ações e aquela maneira de pensar. Quando se entra na associação, descobre-se um mundo diferente da nossa vida cotidiana.

    A entrada de Nathan é a melhor maneira de mostrar esse contraste. Na minha primeira reunião, um membro me explicava as regras, que são muitas, e mesmo assim eu ficava completamente perdido quando os debates começavam. É isso que eu queria mostrar, esta sensorialidade. Eu precisava de Nathan porque ele não está muito presente no início da história, mas depois se torna cada vez mais importante.

    120 Batimentos por Minuto também é uma história de amor, mas você evita o sentimentalismo.

    Robin Campillo: Sempre tive problema com histórias de amor. O casal que eu criei na história é inspirado num casal que realmente existiu na época. A urgência da doença cria relacionamentos de urgência. O mais importante no termo "história de amor", para mim, é a palavra "história", não o amor. No caso deles, este amor é ambíguo, porque eles precisam um do outro por razões diferentes.

    No começo, não tenho certeza que Sean precise de Nathan, e Nathan se apaixona porque, de certo modo, ele passa a amar o grupo todo. A minha ideia não era evitar as lágrimas, mas priorizar as decisões, os atos, ao invés do sentimento amoroso, onde tudo é maravilhoso. Mesmo nas histórias de amor, existe um pragmatismo, e é isso que eu queria mostrar.

    Existem algumas personagens femininas fortes, mas a história é movida essencialmente por homens.

    Robin Campillo: Sim, as coisas eram assim na época. Eu tive o cuidado de não trapacear com os fatos. Eu precisava ser honesto com a história, e o grupo tinha muito mais homens porque eles são os principais afetados pelo HIV. Mesmo assim, existiam mulheres de destaque, que precisavam ter uma personalidade muito forte para se impor neste ambiente dominado pela autoridade masculina. Depois que saí da Act Up, fiquei contente de descobrir que entraram cada vez mais mulheres na associação.

    Mas tem as personagens da Sophie (Adèle Haenel), a Eva (Aloïse Sauvage) que coordenava as sessões, e especialmente Helène (Catherine Vinatier), a mãe do adolescente soropositivo. Ela é inspirada em uma mãe que realmente existiu, e que permanece na Act Up até hoje, porque ela acredita que é a única associação capaz de tratar o tema do HIV com a força necessária.

    O elenco possui estilos de atuação totalmente diferentes. De onde vem essa escolha?

    Robin Campillo: Existe algo que sempre me incomoda nos filmes de modo geral: a homogeneidade. As luzes estão sempre perfeitas demais, os cenários são todos impecáveis, os atores atuam da mesma maneira. Mas a realidade não é assim. Cenários mudam, e a luz também. Adoro trabalhar com atores estrangeiros, especialmente Nahuel Perez Biscayart, que é argentino e tem uma maneira muito particular de atuar. Eu nunca imponho um estilo de atuação aos atores, são eles que trazem as suas origens, seus estilos, permitindo que os laços do elenco se construam aos poucos. Este também foi o processo na Act Up, que era composta de membros de classes sociais e origens distintas.

    Nahuel é um ator muito barroco, ele é intenso até demais, com aqueles grandes olhos, enquanto Arnaud Valois tem um estilo íntimo, minimalista. Adorei o contraste entre eles, e a evolução que ocorre rumo ao final. Quando a história se desenvolve, Nahuel precisa buscar o silêncio, e Arnaud começa a se impor. Acho muito bonita esta inversão.

    Você gostaria que o filme servisse como instrumento de conscientização ao tema do HIV e AIDS? Chegou a fazer sessões especiais para soropositivos, ou membros de associações?

    Robin Campillo: Não imagino o filme como algo educativo. O único aspecto pedagógico é o fato de revelar os bastidores de uma associação, e tentar incluir todos os temas que nos interessavam na época. Por este ponto de vista, ele serve como documento. Mas a ficção não se limita a isso, ela vai além: a narrativa deseja abordar tanto a relação do casal durante a doença quanto o debate político e as questões ligadas ao HIV. Este é o meu trabalho: colocar os questionamentos em perspectiva, criar um contexto. Mas acredito que algumas pessoas possam aprender mais, e talvez se tornar mais sensíveis ao tema.

    Fiz uma grande projeção do filme para os membros da Act Up de antigamente, e para os ativistas em geral. Foi emocionante, porque as pessoas se identificavam principalmente com os sentimentos da época, nosso linguajar, os elementos de reconstituição do início dos anos 1990. Fui abordado por muitas pessoas que viveram a época, que conheceram vítimas de AIDS, ou jovens cujos pais morreram devido à doença. Fizemos sessões também para pesquisadores e cientistas, mas eu não estive presente nesta ocasião.

    Como você enxerga a discussão sobre o HIV na sociedade atual, em relação ao período do filme?

    Robin Campillo: Houve uma pequena evolução. Mesmo assim, na França, foram organizadas recentemente manifestações religiosas e de grupos conservadores. Acredito, no entanto, que este seja o último esforço de uma França reacionária. Estamos caminhando, embora o país ainda esteja atrasado em relação aos direitos de transexuais, e mesmo em questões de racismo e islamofobia. Mas acredito que o filme teve um grande sucesso na França porque as pessoas evoluíram. A história tem longas cenas de sexo entre homens, e mesmo assim o público aprovou. As coisas evoluem, e hoje percebo os heterossexuais começando a enxergar a diversidade sexual como uma liberdade, um direito geral, algo que faz bem à sociedade como um todo.

    O poder de figuras de extrema-direita como Marine Le Pen, que chegou ao segundo turno das eleições presidenciais, não ameaça esta evolução?

    Robin Campillo: O problema é que a França tem uma certa arrogância, por ser o "país dos direitos humanos", como se tivéssemos inventado tudo isso sozinhos. Ao mesmo tempo, fica difícil falar sobre as minorias, porque cada vez que tocamos no tema, parece que estamos fazendo uma afronta à República. As minorias sofrem, e estamos em perigo constante devido à extrema-direita. Acho difícil Marine Le Pen alcançar o poder, por causa do pacto republicano, que é muito forte no país [Nota: o "pacto republicano" diz respeito à união entre todos os demais partidos, de esquerda e direita, no segundo turno de uma eleição presidencial para barrar a vitória de um candidato de extrema-direita. Isso ocorreu pelo menos duas vezes na história política francesa].

    Mas se Marine Le Pen conquistasse o poder, isso seria particularmente perigoso porque ela teria a polícia do seu lado, à sua disposição. O perigo ocorre no momento com todos os países, sempre ameaçados pelo conservadorismo. Nenhuma conquista é definitiva, todos os direitos correm o risco de se perder de um dia para o outro. Precisamos continuar lutando, sempre.

     

    facebook Tweet
    Links relacionados
    Comentários
    Back to Top