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    Janela de Cinema 2017: Destaque entre os curtas-metragens, Filme de Rua dá câmera a moradores de rua para filmarem sua realidade

    Um dos melhores filmes da competição brasileira até o momento.

    No X Janela Internacional de Cinema do Recife, a terceira sessão de curtas-metragens brasileiros em competição começou tímida, até a chegada do potente Filme de Rua.

    A "escola da vida"

    A Barca do Sol, de Leonardo Amaral, retrata um dia na vida de cinco colegas que matam aula no colégio e passeiam pelas matas ao redor. Eles se perdem e demoram para chegar em casa, antes de ouvirem uma valiosa lição de vida do pai de uma das garotas.

    A produtora mineira Filmes de Plástico sempre foi conhecida pelo realismo despojado, a exemplo dos belos trabalhos de André Novais. Mas este curta-metragem leva a poesia do cotidiano a um nível incômodo de artificialidade. Os diálogos são explicativos demais, os enquadramentos frontais posicionam os personagens no centro exato da imagem, os motores narrativos são risíveis - de repente, surge um mapa da bolsa da garota perdida.

    A provável intenção é debater o encontro entre o aprendizado obtido através da experiência de vida e o ensinamento formal das escolas. Com canções de Belchior, o diretor defende o valor da sabedoria popular, mas de maneira tão acadêmica que beira um produto institucional.

    Recife cinza

    O Olho e o Espírito, de Amanda Beça, utiliza imagens da cidade para brincar com texturas e cores - algo não muito diferente do longa-metragem Que o Verão Nunca Mais Volte, exibido no mesmo dia dentro do Cinema São Luiz. A diretora utiliza a textura da película riscada para criar a impressão de uma cidade suja, caótica, barulhenta.

    Aos poucos, as imagens são tomadas por novos sons, à medida que a personagem principal é transportada a um cenário distinto. Camadas de cor se sobrepõem às cenas e sugerem uma nova configuração da cidade. O curta-metragem tem um conceito ideal para seu formato curto. A experimentação e as referências a vanguardas também se prestam bem ao formato do exercício universitário.

    A pequena cidade fantasma

    De acordo com o curta-metragem de Ângelo Defanti, a cidade de Borá já foi considerada a menor do Brasil, até um pequeno crescimento de oito habitantes fazer com que perdesse o título. Às vésperas da eleição para prefeito, um candidato publicou nas redes sociais um longo depoimento, em partes atacando o adversário, que estaria explorando a perda do recorde, e em partes atacando o próprio eleitorado por considerar o fato tão importante assim.

    Inteiramente narrado em voz off, Borá se constrói pela sucessão de fachadas vazias das casas e comércios de Borá, sugerindo o tamanho reduzido da cidade e a comunicação sem interlocutores do atual prefeito. A brincadeira é divertida, embora não se desenvolva a partir da premissa inicial. Desperta sorrisos fáceis, mas poderia se beneficiar de maior ambição cinematográfica.

    Aliás, este é um dos cinco filmes da Dezenove Som e Imagens no X Janela, além de As Boas Maneiras, Pela Janela, A Passagem do Cometa e Filme-Catástrofe. Por mais que as obras da produtora sejam homogeneamente boas, a curadoria poderia dar maior enfoque à diversidade.

    "Vou roubar uma bike dessa"

    Filme de Rua, projeto coletivo dirigido por Joanna Ladeira, Paula Kimo, Ed Marte, Guilherme Fernandes e Daniel Carneiro, começa com imagens tremidas até demais, incapazes de se focarem em qualquer personagem ou ação. Aos poucos, descobrimos que elas são comandadas por moradores de rua, sem experiência com o cinema, mas interessados em retratar seu cotidiano.

    O projeto capta a necessidade de autoafirmação devido à invisibilidade urbana: os jovens se colocam em cena, apontam armas à objetiva - e ao espectador, por extensão, dançam e cantam, gravam uma ação policial ao vivo, além de criarem uma cena fictícia envolvendo um assassinato. A banalização da violência funciona como sintoma de uma infância próxima demais do perigo da ação policial. O medo da morte sublima-se em arte, em protesto, em revolta, através representações lúdicas de empoderamento, nas quais são os jovens que detêm as armas e controlam os destinos.

    Além das fortes cenas, o projeto deixa claro que a montagem, efetuada por profissionais, teve colaboração dos protagonistas, que sugeriam o deveria ser cortado ou incluído no material. A cena de uma garota assistindo a si própria no material final é particularmente bela: de repente, ela não tem palavras para se expressar. Isso diz muito mais do que o debate bem-intencionado registrado pelos garotos, no qual pessoas brancas discorrem sobre a dificuldade de ser negro.

    Embora seja impossível falar em um filme totalmente controlado pelos garotos e garotas, a ideia da criação conjunta e do processo transparente torna Filme de Rua um dos melhores curtas-metragens da competição nacional até agora.

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