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    Festival do Rio 2017: Realidade Virtual, o futuro do cinema - e da humanidade

    O AdoroCinema cobriu o ciclo de palestras dedicado à tecnologia durante o RioMarket.

    Segundo Chris Milk, cineasta pioneiro da Realidade Virtual, a nova ferramenta será a "última" mídia porque será a primeira a eliminar todo e qualquer intermediário entre o homem e o mundo.

    Desde que começou a utilizar a arte para tentar apreender o mundo, ainda na era das pinturas rupestres, o ser humano precisou encontrar meios específicos para se expressar, como a literatura ou o cinema. Entretanto, quando se tem uma experiência em Realidade Virtual, são dispensados todos os meios porque o ser humano é parte integral da realidade proposta. Como afirma Milk, a consciência humana se torna a própria mídia na RV: isto é Imersão, a conexão mais profunda entre homem e mundo da história.

    Na visão de Priscila Guedes (Um Perfil Para Dois), primeira produtora brasileira a explorar a tecnologia em larga escala, a RV também ultrapassa outra barreira muito importante. No momento em que o espectador coloca os óculos e os fones, ele abandona seu estado de passividade em relação à narrativa. Livre para interagir e acompanhar a trama da forma como quiser, o usuário da RV assume uma postura participativa. Aliás, o próprio conceito de espectador – do latim "aquele que observa" – torna-se obsoleto; nos filmes (ou experiências) do tipo, o consumidor deve ser chamado de experimentador.

    Entretanto, a liberação do público demanda que produtores, cineastas e roteiristas desenvolvam uma nova mentalidade de produção. O potencial da Realidade Virtual é imenso, mas a tecnologia, atualmente, ainda encontra-se em um estado embrionário. Como não existem referências – artísticas, narrrativas, sociais, psicólogas, políticas, econômicas, etc. – estas experiências ainda não têm uma linguagem própria.

    Audrey Pacart, roteirista e produtora canadense que palestrou no Brasil, compara nossa situação atual à época em que os Irmãos Lumière haviam acabado de começar a experimentar com o cinema – quando se acreditava que a sétima arte nunca vingaria. Hoje, nos sentimos tão desnorteados quanto os espectadores presentes na primeira exibição do famoso curta A Chegada do Trem na Estação: quando o comboio começou a se aproximar na tela, vindo na direção do público, todos fugiram da projeção aterrorizados.

    Como a RV não trabalha com a geometria do cinema tradicional, um filme que utiliza a tecnologia precisa ser construído de modo que todos os pontos de interesse que estarão ao redor do experimentador componham a realidade proposta; caso contrário, a imersão não é realizada. É por isso que podemos dizer que um bom roteiro para RV é aquele em que o cineasta consegue guiar o olhar do experimentador, apesar de todos os estímulos 360º. Ou, nas palavras do realizador Tsai Ming Liang (Cães Errantes), a “essência da RV deveria ser a criação de um novo espaço que, na consciência do experimentador, parece real”.

    Mas além da clara problemática narrativa e produtiva, os produtores também precisam lidar com a questão fisiológica do experimentador. O cérebro, ao ser submetido às experiências em realidade virtual, resiste: quando nossa visão periférica é bloqueada, a mente envia um sinal ao corpo de que algo está "errado". É por isso que certas obras em RV – as ruins – podem causar desconforto, vômitos e/ou enjoo no usuário.

    Para evitar incômodos, a maioria das experiências dura, em média, entre 5 e 15 minutos. Quando é mais longa, a obra tende a ser dividida em capítulos de maneira a atenuar qualquer tipo de indisposição. E mesmo que o filme não contenha elementos nauseantes – como movimentos de câmera e cortes bruscos –, ao retirar os óculos, o experimentador pode ter um retorno difícil à realidade: como a percepção humana é drasticamente alterada na RV, podem ocorrer sintomas como falta de equilíbrio e fadiga ocular.

    Outra estratégia comumente utilizada para amenizar esses efeitos indesejados é a inserção de braços, pernas e narizes digitais no personagem que assumimos na RV. Reforçar a corporalidade dentro do mundo virtual é uma forma de enganar nosso cérebro para permitir que o experimentador desfrute de um maior tempo de imersão.

    Por outro lado, já existem experiências em RV muito complexas. O maior exemplo delas é Carne y Arena, filme-instalação do cineasta Alejandro G. Iñarritú (Birdman). Exibida no Festival de Cannes, a obra colocava os experimentadores em um galpão abandonado nos arredores da cidade francesa, cujo solo fora coberto por areia. Ao colocarem os óculos e fones de ouvido, os experimentadores tornavam-se “fantasmas” e eram transportados para a fronteira entre os Estados Unidos e o México no momento em que um grupo latino-americano tenta realizar a travessia para o país comandado por Donald Trump. Contudo, a empreitada é logo interrompida por um grupo de soldados estadunidenses, que ataca o destacamento mexicano. A experiência foi descrita pelo público como intensa é assustadora e pelos críticos como um “filme que explora os limites do cinema” ao lançar um olhar profundo à questão da crise dos refugiados.

    O sucesso da obra do mexicano – a instalação de Iñarritú foi vendida para colecionadores privados de arte por € 3 milhões cada –, pode ser explicado pela outra palavra-chave relacionada à RV: Empatia.

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