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    Festival Guarnicê 2017: Premiado nas edições de 2014 e 2016, Frederico Machado “volta para casa” com nova obra hermética

    Tão difícil quanto belamente fotografado, Lamparina da Aurora não deve sair sem troféus da cerimônia de premiação.

    Choveu em São Luís, mas a temperatura continuou alta e na tela do lotado Teatro Alcione Nazaré corpos, muitos corpos, vestidos, nus, quebrados, foram projetados. Mas era um único corpo, especificamente uma mente, que atraía as atenções nas exibições de quinta-feira. A casa cheia era para torcer pelo representante do Maranhão na competição de longas. Frederico Machado, que ganhou tudo e mais um pouco no Festival Guarnicê 2014 com O Exercício do Caos e três prêmios ano passado com O Signo das Tetas, retornou para apresentar Lamparina da Aurora – um intervalo antes de As Órbitas da Água, que encerrará a trilogia composta pelos anteriores. Machado chamou ao palco parte da equipe do filme, realizado no esquema cinema de guerrilha e sem verba nenhuma ao lado de alunos da Escola Lume de Cinema, e deixou dedicatória à mãe Arlete Nogueira da Cruz, poetisa. Pouco antes ocorreram as únicas gargalhadas da noite, quando o responsável pela caracterização de Lamparina, estreando no cinema, disse que recebeu convite para fazer um tal filme do Fred, cheio de sangue, e aceitou acreditando tratar-se de uma produção de Freddy Krueger...

    As Ondas, de Juliano Gomes e Léo Bittencourt – “Como é o corpo das coisas que não somos nós mesmos?” foi a pergunta que levou ao filme de acordo com Juliano. Assim como ondas vêm e vão, As Ondas promete ser interessante também visto de trás para frente, pois começa com agradecimentos (geralmente listados no final) e tem cenas próximas e impactantes nas duas extremidades. O meio é uma viagem, com estátuas, manequins, sombras, lâmpadas e fogo confinados na tela quadrada. Há uma progressão, mas é suficiente deixar-se levar pelo som e pela luz, como a bordo de uma embarcação à deriva no mar pouco iluminado da organização do discurso.

    Luiza, de Caio Baú – Luiza namora há anos, pinta o cabelo de azul, é tema de documentário, mas não pode transar. É tema de documentário por não poder transar. Num delicado e relevante registro familiar, Caio aborda a enorme dificuldade dos pais no trato com a sexualidade da jovem deficiente. Encerrado de forma abrupta, apesar de divertida, Luiza é um caso raro de curta que deveria ser maior. Seria bacana a grande interessada ser questionada pelo realizador a respeito do relacionamento, além da bateria inicial de perguntas que apenas serve para ressaltar sua condição; e as falas da avó durante os créditos acabaram abafadas na exibição pelas palmas da plateia.

    Autopsia, de Mariana Barreiros – “Não há cultura de estupro no Brasil”, teve a cara de pau de afirmar o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) em reunião da Comissão dos Direitos Humanos há cerca de um ano. Será que ele não tem televisão, internet ou rádio? Se fosse o caso, o revoltante trabalho de Mariana poderia ajudá-lo a abrir os olhos e ouvidos. Ela reúne o pior do machismo e da misoginia amplamente propagados na TV aberta brasileira, sucessos musicais do mesmo (baixo) nível e mais alguns brutais registros de violência doméstica disponibilizados na internet nesta espécie de dossiê lamentável da objetificação (e daí para pior) de que são vítimas as mulheres dentro e fora da indústria cultural nacional. Além do significado famoso, autopsia serve também para descrever o exame atento de si mesmo, explicou a diretora. Por isso as imagens de arquivo falsamente envelhecidas são acompanhadas por uma performance de Ana Paula Pimenta diante do espelho. Simples, direta e fundamental, a obra é a neta feminista de Um Dia na Vida, de Eduardo Coutinho.

    Lamparina da Aurora, de Frederico Machado - “O Guarnicê proporcionou minha estreia no Maranhão, foi o primeiro festival em que competi, em 1997 [Litania da Velha], foi o primeiro em que fui júri, o primeiro em que fiz curadoria, em que fiz debate...”, discursou um emocionado Frederico. E foi provavelmente por conta do carinho e respeito pelo filho talentoso da terra que ninguém arredou pé antes dos créditos finais – a inacessibilidade do longa provocou a debandada de espectadores no Festival de Tiradentes, relatou nosso representante à época. Eleito o melhor longa da mostra Olhos Livres do festival mineiro, o suspense envolve um casal de idosos, um forasteiro que parece filho, demônio e passado, e a natureza que cerca a morada dos protagonistas. Todo mundo morre e todo mundo volta nesta balada de leite e sangue (sexo e perigo) recheada de planos de cabeças e pés, totalmente onírica. Ninguém fala, cenas se repetem e poemas do falecido Nauro Machado, pai do realizador, são usados como supostos “nortes” da incompreensível trama. Apesar de tudo (tanto que resulta em nada), Buda Lira e Vera Leite despontam como favoritos aos prêmios de atuação e a incrível fotografia do próprio Machado, que lembra Lavoura Arcaica, é a melhor da competição de longas até agora. Lamparina da Aurora será lançado nos cinemas em novembro.

    AdoroCinema viajou a convite do Festival Guarnicê.

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