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    Festival de Cannes 2017: O diretor Fellipe Barbosa explica as dificuldades enfrentadas para rodar Gabriel e a Montanha (Entrevista Exclusiva)

    Trata-se do único longa-metragem brasileiro selecionado neste ano.

    Único longa-metragem brasileiro presente no Festival de Cannes, Gabriel e a Montanha teve suas primeiras exibições dentro da Semana da Crítica no último domingo, 20 de maio. O AdoroCinema esteve lá, aprovou o filme e pôde conversar com o diretor Fellipe Barbosa (à esquerda na foto, ao lado do protagonista João Pedro Zappa) sobre os bastidores deste trabalho tão pessoal sobre um amigo de infância, Gabriel Buchmann, que resolveu viajar por vários países do continente africano e nunca mais voltou.

    ADOROCINEMA: A recepção a Gabriel e a Montanha tem sido muito positiva. Como você vê este retorno do público?

    FELLIPE BARBOSA: Foi muito lindo. Estava segurando o pranto até subir no palco, quando subi me concentrei e consegui falar o que queria falar. Mas, até os segundos antes de subir, estava muito emocionado por estar todo mundo ali, de ver o Lenin aqui... O cara nunca pegou um avião na vida, nunca viu o mar, nunca saiu do vilarejo dele, nunca entrou numa sala de cinema. Estava muito emocionado. Mas aí, na hora que terminou o filme, olhei para trás e vi que tinha muita gente chorando. Ali eu entendi que não precisava chorar mais.

    AC: O filme tem uma comunicação muito forte com o público, justamente pela forma como o Gabriel é retratado. Como você fez, com o João Pedro Zappa, para criar esta personalidade?

    FELLIPE: O João Pedro é um puta ator e um cara muito profissional. Fiz uma preparação com ele de duas semanas no Rio de Janeiro e achava que a própria viagem produziria uma certa transformação nele. Ninguém passa imune a uma viagem como essa! Duas grandes montanhas não é mole, é um compromisso muito grande de fé e de força física, e foi isso o que aconteceu. Acho que ele vai ficando cada vez melhor ao longo do filme e a própria viagem o molda.

    AC: Então as filmagens aconteceram de forma linear mesmo, em relação ao que acontecia no filme?

    FELLIPE: O filme é feito praticamente todo de maneira cronológica, exceto a cena abertura, que foi a última que a gente filmou, e o safari da Dana Salã.

    AC: Quando surgiu a ideia de buscar pessoas que conheceram o verdadeiro Gabriel Buchmann e convencê-los a atuar, representando como foi esse encontro?

    FELLIPE: Na verdade, eu escrevi o roteiro sem conhecer a maioria dos personagens que você vê no filme. O roteiro foi financiado antes de definir esse dispositivo. É claro que alguns desses personagens estavam escritos, mas eles eram muito imaginados a partir de e-mails do Gabriel, de fotos e da minha viagem anterior de pesquisa, que foi mais uma viagem de percurso e imersão. Em 2015 é que resolvi tentar encontrá-las, porque não conseguiria fazer um casting. O casting tinha que ser o determinado pelo Gabriel!

    AC: O tom afetuoso do filme é muito explícito. Imagino que para você, que conheceu o Gabriel, tenha sido muito difícil não só retomar essa história mas também o trabalho de pesquisa, por vasculhar uma situação de morte. Por que você resolveu contar essa história e como foi essa dificuldade?

    FELLIPE: A grande motivação foi o mistério, as perguntas, que eram bem cinematográficas. Por que ele abandonou esse guia? Como ele morreu? Tinha um envolvimento imediato pela história - eu era muito próximo dos amigos e da família na época - e o fato dele ter se tornado um personagem quase mitológico na mídia naquele momento. Mas, sobretudo, pela minha ligação com a África por causa do Laboratório de Mashia, criado pela Mira Nair, do qual fui mentor dois anos antes do Gabriel morrer.

    Aquele e-mail que ele escreve da Uganda, da nascente do Nilo, eu já conhecia. Passei três meses na Uganda, me apaixonei por aquele lugar e não queria voltar. Achei que ele tinha morrido por causa disso um pouco, porque não queria voltar, queria ficar porque estava muito feliz lá.

    Agora, eu nunca encarei isso como uma coisa difícil por causa da morte. Fui muito influenciado pela maneira como os africanos encaram a morte, sempre com um sorriso, como uma maneira celebratória. Como a gente está falando do passado, encarei isso com muita naturalidade, sempre com a certeza de que estava fazendo uma bela homenagem. Mesmo se não fosse um bom filme, sabia que estava fazendo um trabalho espiritual de verdade, no sentido de ajudar o espírito do Gabriel a entender o que aconteceu com ele. Meu medo é que ele tivesse preso nesse redemoinho, porque ele dormiu e não acordou, morreu de frio. Ele não achava que ia morrer. E morreu de uma forma muito trágica, repentina, inesperada, que não era para ter sido assim. Então, achava que era quase que uma forma de ajudá-lo mesmo a ver a luz, de fazer a passagem.

    AC: Este é o seu terceiro filme e todos tiveram um lado pessoal muito forte [os anteriores foram Laura e Casa Grande]. Esta é uma vertente que pretende seguir ou você pensa em fazer algo que não tenha nada ligado à sua história?

    FELLIPE: Sempre vão ser filmes pessoais. Quero muito fazer filmes de outros roteiristas, de histórias que não têm nada a ver com a minha vida, mas vou sempre me apropriar de alguma maneira. Meu próximo filme é uma história que me identifico completamente, mesmo não tendo escrito e não sendo autobiográfica. É um triângulo amoroso, uma mulher dividida entre dois amores. Quem não viveu isso na vida? O próprio Hemingway falava que é uma das coisas mais duras do mundo você amar duas pessoas ao mesmo tempo. Neste caso, é uma mulher dividida entre o marido e uma ex-amante.

    Estou muito empolgado para fazer coisas que não vêm da minha vida e dos amigos, porque queria muito começar agora uma nova fase da minha como cineasta. Gostaria de ser o artesão do cinema agora, ao invés de ser tudo tão rasgado, emocionante, difícil, duro e envolvido. Queria agora começar a separar o meu pessoal do meu profissional. Queria tentar pelo menos, mas não sei se isso seria possível, já que sou um cara muito apaixonado.

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