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    Black Mirror: Crítica da terceira temporada

    Avaliamos individualmente cada um dos seis episódios.

    O grande barato de Black Mirror é diagnosticar situações do cotidiano dentro do contexto do desenvolvimento tecnológico e esgarçar de forma fantasiosa os limites do comportamento humano, no que resulta em uma análise da nossa sociedade atual. Num tempo em que Hollywood está escalando atores baseada na popularidade dos artistas nas redes sociais, que games têm se tornado cada vez mais realistas, que a privacidade está em xeque e o linchamento virtual é uma constante, não falta material de base para a série que agora migra para a Netflix.

    De forma geral, nota-se com muita clareza que a série diminui um pouco o tom apocalíptico. É claro que as histórias continuam obscuras e no limiar entre a realidade e um futuro talvez não tão distante, mas, em grande parte dos episódios da nova temporada, percebe-se que há um tom mais pautado no realismo.

    Como, novamente, trata-se de uma temporada fragmentada, com capítulos de tramas independentes, a brincadeira foi dividi-los entre a redação. Cada episódio foi avaliado por um jornalista do AdoroCinema, que atribuiu uma nota ao final do texto. O objetivo era escrever até 1.200 caracteres – tarefa na qual alguns claramente #FAIL. 

       

    Média final: 4,0

    1.“Perdedor” (“Nosedive”)

    Por: Renato Hermsdorff.

    Com: Bryce Dallas HowardAlice Eve e James Norton.

    Direção: Joe Wright.

    Precisamos falar sobre o Facebook. A forma contemporânea de dizer que a grama do vizinho sempre parece mais verde é notar que, no Instagram, todo mundo é feliz. Pois o primeiro episódio da terceira temporada de Black Mirror, “Nosedive”, mira exatamente na maneira como nos relacionamos dentro das redes sociais.

    Protagonizado por Bryce Dallas Howard, com direção de Joe Wright (Anna Karenina), o capítulo fantasia a respeito de um mundo em que se vive dentro de uma imensa rede social – um universo de tons pastéis plasticamente asseado que lembra o clima de Mulheres (e homens) Perfeitas. Cada sorriso, espirro ou trombada é avaliado como se fosse uma corrida do Uber. E o acesso a determinados produtos e serviços é condicionado à nota geral de cada um no aplicativo.

    Assim, depois que precisa entregar o apartamento onde mora, Lacie encontra a casa dos sonhos – um tanto cara para os seus padrões, no entanto. Há uma política de descontos que favorece aqueles com nota igual ou superior a 4,5 (5 é o máximo) e a moça, com 4,2, vê a grande chance de melhorar sua classificação quando é convidada para ser a dama de honra do casamento de uma amiga de infância, a popular (e meio bitch) Naomie (Alice Eve).

    A temática não poderia ser mais pertinente. É claro que no caminho (literal) para o casamento, uma série de contratempos acontecem. E, embora as soluções apresentadas pelo roteiro de Michael Schur e da atriz Rashida Jones (ambos de Parks and Recreation) sejam convincentes, são, também, um tanto repetitivas. Mas o maior problema é que o texto desperdiça a oportunidade de reforçar a artificialidade da grama do vizinho com um final dissimuladamente infantil. Ainda assim, "Nosedive" cumpre bem a função de “denunciar” nossa realidade (virtual ou não) de superficialidade e frivolidade.

    Nota: 3,5

    2. “Versão de Testes” (“Playtest”)

    Por: Francisco Russo

    Com: Wyatt Russel e Hannah John-Kamen.

    Direção: Dan Trachtenberg.

    “Do you like scary movies?” A célebre frase de Pânico poderia muito bem ser adaptada neste episódio, com uma pequena alteração: saem os filmes, entram os games. Ou melhor, a contemporânea busca incessante em proporcionar ao espectador/leitor/usuário/internauta uma imersão sensorial cada vez maior.

    Como de hábito na série, trata-se de uma história calcada nos dias atuais e centrada em como a tecnologia está inserida na nossa vida, para o bem e para o mal. Assim é também para Cooper (Wyatt Russell, de Jovens, Loucos e Mais Rebeldes), um mochileiro que, após rodar o mundo, está em Londres. Trata-se de sua última parada antes de retornar para casa, mas, precisando de dinheiro, ele topa se tornar cobaia de um novo jogo de terror.

    Explorando a ideia da realidade ampliada, “Versão de Testes” lida muito com os clichês do gênero terror, tanto em relação à expectativa, quanto aos óbvios contrastes de iluminação. É como se, a todo instante, houvesse um jogo de gato e rato entre o que se espera que aconteça e o que realmente acontece, tanto em relação ao personagem principal quanto ao próprio espectador, com o episódio. Por mais que certas pistas induzam um caminho, o resultado final é de um cinismo assombroso, tipicamente Black Mirror.

    Nota: 4,5

    3. “Cala a Boca e Dança” (“Shut Up and Dance”)

    Por: Katiuscia Vianna.

    Com: Jerome Flynn e Alex Lawther.

    Direção: James Watkins.

    O que faria se alguém tornasse público tudo o que você faz na internet? Sentiu o desespero? O grande trunfo do terceiro episódio é ter uma premissa que pode acontecer hoje, com qualquer um. Após seu laptop pegar um vírus, um grupo misterioso grava um momento privado de Kenny (Alex Lawther) e ameaça divulgar o vídeo, caso ele não siga suas ordens.

    A trama não apresenta robôs de alta tecnologia ou lentes de contato computadorizadas. São celulares, GPS e webcams que criam o suspense. Com tal contemporaneidade e sensação de impotência, é automática a comparação com “Hino Nacional” (piloto de Black Mirror). Mas nessa “disputa”, o recente perde.

    A direção de James Watkins (A Mulher de Preto) é eficiente, porém nada sutil. Lawther faz um trabalho interessante, que capta empatia do espectador, mas fica preso numa trama com clichês e repetições que podia ser (ainda) mais ousada. Por outro lado, o final é daqueles que te fazem repensar todo o episódio e o uso da canção “Exit Music (For a Film)", da banda Radiohead, se torna a cereja do bolo. Uma história que não atinge todo o potencial, mas cria aquele incômodo - bem no estilo Black Mirror.

    Nota: 3,0

    4. “San Junipero” (“San Junipero”)

    Por: Laysa Zanetti.

    Com: Gugu Mbatha-Raw e Mackenzie Davis.

    Direção: Owen Harris.

    Uma gota de esperança em meio à tragédia. Talvez o episódio mais diferente de Black Mirror já feito até então, “San Junipero” é uma história de amor. Uma história de amor complicada a respeito de segundas chances e do conceito de paraíso e pós-vida, mas ainda assim uma história de amor. Radicalmente diferente dos outros da temporada, traz para a cena um tom de otimismo que balanceia todo o resto, embora o “final feliz” seja facilmente questionável.

    Em episódios anteriores, Charlie Brooker (showrunner e roteirista do episódio) já utilizou o conceito de uma pessoa sobreviver ao ente querido para mostrar o quanto a obsessão é problemática, mas aqui ele mostra a beleza de seguir em frente. A história de Kelly (Gugu Mbatha-Raw) e seu encontro com Yorkie (Mackenzie Davis) mostra as duas visões de uma realidade na qual eventualmente podemos, quem sabe, chegar.

    Para Yorkie, San Junipero é a oportunidade para ela ter a vida que não pôde em vida, mas para Kelly é somente uma ilusão vazia pela qual ela passa enquanto espera pela sua morte. Sem construção de julgamentos ou lição de moral, o episódio mescla angústias de toda uma vida com a perspectiva agridoce de um tipo de conserto tardio. Se a decisão final tomada por Kelly valerá a pena, não sabemos; e a ideia é exatamente deixar a interrogação no ar.

    Nota: 5,0

    5. “Engenharia Reversa” (“Men Against Fire”)

    Por: Laysa Zanetti.

    Com: Michael KellyMalachi Kirby e Madeline Brewer.

    Direção: Jakob Verbruggen.

    É mais fácil ser cruel por trás da máscara. O grande diferencial deste episódio é a amplitude da mensagem que ele traz. Dessa vez, a história viaja para um futuro possivelmente mais distante (algo sugerido no episódio), e funciona como uma fábula bem elaborada sobre as guerras, xenofobia, preconceito.

    A realidade de Stripe e o funcionamento daquele universo em que o episódio está inserido vão sendo revelados aos poucos, de forma que o público, só entende o que (ou quem) são as “baratas” após já terem sido levados a acreditar que se tratavam de criaturas grotescas ou ruins – muito embora, conhecendo a série, o espectador já vá em busca de algum ponto de virada. Inicialmente, a ideia das baratas remete a tipos zumbificados, mas o título do episódio já adianta sobre o que realmente se trata. A referência é ao livro “Men Against Fire: The Problem of Battle Command” (“Homens ou Fogo”, no Brasil), lançado em 1947 por um veterano de guerra, descrevendo o fato de somente um em quatro soldados realmente atirar para matar os seus inimigos.

    Partindo dessa exata ideia, o episódio faz um alerta de uma conclusão lógica que se teria, a partir disso, para aumentar a eficiência de um exército. E, da mesma forma, longe do contexto bélico, mostra até onde figuras de autoridade (sejam estas governamentais ou midiáticas) podem ir a fim de “mentir para um bem maior”.

    Nota: 4,0

    6. “Odiados pela Nação” (“Hated in the Nation”)

    Por: Rodrigo Torres.

    Com: Kelly MacDonald.

    Direção: James Hawes.

    A primeira parte dessa terceira temporada de Black Mirror termina de modo perturbador. Isso porque a distopia do episódio é muito próxima do cenário mundial atual: o uso da hashtag #MorteA começa a definir assassinatos reais às pessoas mais detestadas do dia nas redes sociais. Além de reflexão ao ódio exacerbado que haters de internet nutrem diariamente, “Odiados Pela Nação” aborda temas como vigilância, justiçamento e, muito habilidosamente, questiona o cidadão de bem, interrogando uma bondosa professora de pré-escola que adere à histeria coletiva.

    No campo da ficção científica, é curioso perceber que a fusão entre tecnologia e matéria, recorrente na série futurista, aqui não retrata uma combinação com humanos, mas animais — no caso, abelhas, substituídas por pequenos drones. Assim, a alegoria discute a extinção das espécies, o descaso ao meio ambiente, e os efeitos colaterais disso são base para o mais trágico e alarmante episódio de Black Mirror.

    A principal qualidade de “Hated in the Nation”, porém, é a fluidez orgânica do inteligente roteiro de Charlie Brooker, com características de suspense policial, toques de horror, uma atmosfera potencializada por fotografia gélida e opções visuais que recorrem a ótimas referências, como o melhor filme de Jeff Nichols, O Abrigo, e o clássico Os Pássaros, de Alfred Hitchcock.

    Nota: 4,0

     

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