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    Indignação: "Logan Lerman é meio que um sonho com quem trabalhar", diz o diretor James Schamus (exclusivo)

    O diretor chega nesta quinta-feira aos cinemas com a adaptação da obra de Philip Roth, Indignação.

    Laura Cavanaugh / Getty Images

    Conhecido por seu trabalho como produtor, James Schamus está em cartaz a partir desta quinta-feira (03) com Indignação, seu primeiro longa-metragem como diretor, selecionado para os festivais do Rio, de Sundance e de Berlim deste ano.

    Roteirista da produção e professor na Columbia University, o cineasta teve o desafio de adaptar o livro homônimo de Philip Roth para as telonas. E, para isso, deu até trabalho de casa para seus atores.

    O AdoroCinema pôde conversar com James Schamus e com o produtor brasileiro Rodrigo Teixeira no Festival do Rio 2016, onde eles contaram detalhes de produção sobre o filme estrelado por Logan Lerman.

    PRIMEIRO TRABALHO NA DIREÇÃO

    Laura Cavanaugh / Getty Images

    Indignação é o primeiro longa-metragem de James Schamus na direção. Anteriormente, o cineasta havia sido produtor de filmes de peso, como O Tigre e o Dragão e O Segredo de Brokeback Mountain, nos quais trabalhou em parceria com Ang Lee. Sentar na cadeira de diretor certamente tem suas diferenças e benefícios.

    "Foi incrível! Foi muito divertido! Eu amo a minha equipe, amo o meu elenco, trabalhei com ótimos produtores, o público parece gostar do filme… Eu posso ir a festivais de cinema e lugares como Rio de Janeiro, as pessoas me fazem perguntas… é absurdo! Especialmente porque eu fiz um filme bem depressivo. Tem sido diversão sem parar!", comentou ele.

    Segundo ele, estar 100% dedicado ao filme foi um dos destaques de assumir essa nova função: "O ponto alto para mim, tendo trabalhado em tantos outros empregos, foi a experiência de poder levantar de manhã, ir trabalhar e não ser capaz de olhar meu celular, checar o meu email, atender a ligações, mas sim estar fisicamente em um lugar com outras pessoas fazendo uma coisa só."

    Para Rodrigo Teixeira, que já produziu filmes internacionais como Frances Ha, Mistress America, A Bruxa e Love, trabalhar com James Schamus foi um desejo consumado. "Eu corri muito atrás dele para ele financiar os meus filmes e nunca consegui até que um dia um projeto dele veio para mim e eu tive a oportunidade de financiar o projeto e fazer o filme. [...] É uma escola, um aprendizado muito grande, gostei muito, muito."

    ADAPTANDO A OBRA DE PHILIP ROTH

    Schamus também criou o roteiro de Indignação a partir do livro homônimo de Philip Roth, cujas obras inspiraram filmes como O Último AtoRevelações.

    A produção retrata a história de um jovem estudante judeu, Marcus Messner (Logan Lerman), que ganha uma bolsa de estudos em uma universidade de Ohio em 1951, evitando que ele fosse convocado para a Guerra da Coreia. Só que o estudioso Marcus se vê em conflito: por estar focado na sua formação, não quer socializar com outros estudantes, mas acaba criando uma paixão pela bela Olivia Hutton (Sarah Gadon); ao mesmo tempo em que bate de frente com os ideais do reitor da universidade, Dean Caudwell (Tracy Letts).

    Schamus leu Indignação de forma despretenciosa, ainda sem a ideia de transformá-lo em um filme por achar que as palavras de Roth não seriam fáceis de adaptar para o cinema. "Mas quando eu terminei de ler, eu gostei tanto dos personagens, de Marcus, de Olivia, da mãe de Marcus, de Dean Caudwell, que decidi adaptar. Para mim, você precisa ter bons personagens antes de mais nada para fazer um filme", contou o diretor.

    Nem tudo de um livro está presente em um filme, por isso, perguntamos a Schamus o quanto do livro está nas telas, e a resposta foi: "A trama e os personagens estão no filme, mas a essência do livro, que é a voz e a escrita de Philip Roth, isso eu tive que jogar fora. Infelizmente, essa é a verdade."

    "Mas agora este é um filme de James Schamus", argumentamos.

    "Exatamente. O que eu posso fazer?", respondeu ele com uma risada.

    Grande fã do escritor, o cineasta também estava preocupado com o que Philip Roth iria achar de seu trabalho.

    "Antes de começarmos a pré-produção, fiz algo que eu acho que não deveria ter feito: enviei o roteiro a ele. Seria muito difícil se ele tivesse odiado, eu teria parado a produção na hora. Mas ele fez algo muito curioso: decidiu não ler. Foi um grande favor que ele me fez, muito bacana da parte dele. Então, quando exibimos o filme para ele, foi muito generoso, gostou do longa."

    TRABALHAR COM LOGAN LERMAN

    O filme foi protagonizado por Logan Lerman, que também trabalhou como produtor executivo. Segundo Schamus, ele é "meio que um sonho com quem trabalhar". O jovem ator se comprometeu com o longa, em conseguir as finanças, e ainda se preparou para o papel durante meio ano.

    "Ele realmente é tão legal quanto parece. E, acredite em mim, eu estive na indústria cinematográfica por muito tempo. Isso não é normal. As pessoas geralmente não são o que parecem. Logan Lerman é exatamente tão legal quanto parece ser. Loucura, né? E nossa produção era de baixo orçamento, não tínhamos trailers [pessoais para os atores], você não podia sair e ficar sozinho entre as cenas... Ele passou o tempo dele com todo mundo, só sendo parte da equipe."

    Rodrigo Teixeira complementou a ideia de Schamus sobre Lerman: "Ele é um garoto espetacular. Inteligente, gente fina, ego zero, conversa com você interessado no que você faz, no que está fazendo. É um menino espetacular, adorei trabalhar com ele. Trabalharia com ele e estou pensando nisso, talvez eu trabalhe com ele de novo em outro filme. É um ator muito legal."

    DEVER DE CASA

    Barcroft Media / Getty Images

    Schamus também é professor na Columbia University, então deu trabalho de casa para os atores:

    "Eu pensei que para todos os atores no estúdio — Sarah Gadon [a intérprete de Olívia] também tinha seu dever de casa — era importante que eles sentissem confiança que, quando estávamos gravando o filme, eles estavam naquele mundo. Realmente fizemos o mundo no qual eles estavam e não tinham que se preocupar que isso era falso."

    Logan Lerman foi um dos mais dedicados a isso: "Se Marcus Messner tivesse memorizado a obra de Bertrand Russell, 'Por que não sou cristão', Logan Lerman memorizaria. Se Marcus Messner estivesse estudando a história americana e a constituição, Logan Lerman teria um dever de casa do próprio livro que era usado naquela aula em 1951. Ele lia esses textos para mim."

    Entre os "deveres de casa" estava tambám adaptar o vocabulário da década de 50: "Eu pedi para meus atores se manterem fieis aos diálogos fonética e estilisticamente falando e nós trabalhamos em cima disso. Sarah Gadon, em especial, tinha diálogos que ficavam no meio do caminho entre o inglês estadunidense e o inglês britânico, algo que não é contemporâneo. O personagem de Logan, por sua vez, vem de um bairro judeu de operários em Nova Jersey, mas ele quer sair desse mundo, então tenta se livrar de seu sotaque. Nós tivemos que encontrar o ponto certo desse processo para ele. Foi bem difícil também porque ele ainda dizia certas vogais ou certas combinações de vogais mesmo quando tentava não dizê-las. [Mas] assim que eles estavam prontos, no set, quase não erraram a maneira de falar. Um erro deles era muito, muito raro".

    PONTO DE VISTA DE MARCUS

    Indignação é narrado do ponto de vista de Marcus. Schamus queria fazer com o que público sentisse o que o personagem de Logan Lerman estava sentindo, de forma plausível. Entendê-lo, mas não julgá-lo. E isso foi um desafio à parte:

    "No cinema não existem pontos de vista. Nós olhamos diretamente e não através de alguém. É claro que temos cenas que são vistas diretamente pelos olhos de um personagem [POV], mas não durante um filme inteiro. Além disso, você precisa que o público entenda mais sobre a trama do que o seu protagonista. Mas, por outro lado, se o público entender muito mais da história do que o protagonista, os espectadores não se identificarão com o personagem principal porque acharão que ele é estúpido.

    Neste filme, em específico, onde o protagonista vai a um encontro que termina em uma relação sexual e ele responde de uma forma estranha, foi difícil porque ainda assim eu queria que o público gostasse e entendesse o personagem. Foi muito difícil porque o público precisa estar à frente e, ao mesmo tempo, precisa acompanhar o personagem, vendo a história pela perspectiva dele. São duas camadas diferentes e se você não encontrar o equilíbrio, não haverá uma conexão emocional entre o filme e a plateia. Então, eu espero que eu tenha conseguido fazer com que o público saiba mais do que o protagonista, mas não muito mais. Eu espero que o público não o julgue muito."

    MONTANDO OLIVIA

    Uma das personagens mais complicadas de adaptar para as telonas foi Olivia Hutton, vivida por Sarah Gadon, afinal, basicamente a vemos aos olhos de Marcus. "No livro, o ponto de vista é ainda mais alinhado ao de Marcus e o narrador do livro é ainda mais alinhado com Marcus", explicou Schamus.

    O diretor explicou que trabalhar com Gadon foi incrível, pois ela é uma atriz excelente que se doou muito à personagem.

    E ainda comentou que Olivia tem uma importante conexão com a romancista Sylvia Plath, o que gerou mais um dever de casa para Gadon: "Descobri que Philip Roth é contemporâneo de Sylvia Plath e que o lugar onde Olivia estudou durante o ensino médio, em Massachussets, é apenas a alguns quilômetros de distância do colégio de Sylvia. Olivia não é Sylvia Plath, mas ela é uma representação de uma mulher que não encontrava seu lugar na sociedade, uma mulher que tentava encontrar seu lugar. Eu e Sarah passamos muito tempo lendo os diários de Sylvia Plath. Cheguei ao ponto de pedir que Sarah estudasse a letra de Sylvia. Então, a cena em que Olivia escreve a carta para Marcus foi feita com Sarah escrevendo como Sylvia. Nós tentamos trazer esses pequenos detalhes para o filme."

    Já para Teixeira, Sarah Gadon "é muito legal, muito especial, mas é uma menina mais reservada [do que Logan]".

    PRECONCEITO

    Em Indignação, Olivia Hutton sofre preconceito em relação a sua sexualidade e, digamos, ousadia para a época. Isso é algo que faz alusão ao preconceito que existe ainda hoje em nossa sociedade, em relação às mulheres.

    "É uma loucura, né?", comentou Schamus. "Uma das coisas que eu mais gosto em olhar para períodos passados, como a década de 50, é que as pessoas dizem 'ah, nós estamos muito melhores hoje em dia, somos mais progressistas, somos mais isso e aquilo' quando na verdade pouca coisa mudou. Os julgamentos morais são os mesmos, mas, de alguma forma, nós nos sentimos superiores. Então, às vezes é importante dar um passo atrás e perceber que não somos superiores. Acho que é importante usar o passado para fazer um comentário sobre o presente, que é o que eu acho que Philip Roth faz no livro."

    Rodrigo Teixeira acredita que o filme é bastante atual nesse sentido: "Esse preconceito sempre esteve presente e, de vez quando, floresce e aparece mais. Mas eu acho o filme muito irônico, é um melodrama irônico. A ironia do filme é muito interessante. Ao mesmo tempo, tem uma inocência muito grande que era o que James queria. E ele entregou essa inocência na cor, na luz, na atmosfera, na maneira em que o Logan atua, no tom do roteiro, no trabalho da câmera. Ele conseguiu fazer do jeito que eu imaginei que seria. Foi tudo pensado. O material de pesquisa do James está em uma pasta com mil páginas de material, de referência. É um absurdo."

    CENA MAIS DESAFIADORA

    Uma das cenas mais marcantes de Indignação é também a mais desafiadora de feita. Protagonizada por Marcus e pelo reitor da universidade Dean Caudwell, interpretado por Tracy Letts, a cena tem dezoito minutos contínuos, foi repetida 20 vezes e levou cerca de doze horas para ser gravada. "Foi uma loucura", descreveu Schamus.

    "Nós queríamos filmar essa cena de uma só vez. Quando uma cena assim tem mais de seis minutos, nunca é um bom sinal. Então, eles tiveram que repetir o dia inteiro. Foi muito, muito cansativo para eles. Eu tenho consciência do quão malvado eu fui ao pedir que eles fizessem isso, mas o espírito da produção estava tão incrível que eles continuaram e seguiram em frente."

    Enquanto para os atores foi difícil lembrar as falas e manter o ritmo, para o cineasta foi complicado escolher quais mudanças queria fazer durante a cena.

    "Para mim, como diretor, a parte mais difícil era em relação aos detalhes. A cada vez que eles repetiam a cena, várias indicações de como eles deveriam atuar surgiam na minha cabeça. Mas, naquela manhã, eu fiz um acordo comigo mesmo: decidi que daria no máximo uma indicação para cada um entre cada tomada. Então, eu tinha que pensar na melhor indicação possível para fazer com que eles mudassem a performance deles para a direção certa.

    [...]

    Imagine atuar durante dezoito minutos seguidos tendo que lembrar de cada linha de diálogo, tentando passar a emoção certa e aí alguém grita 'corta' e começa a tagarelar sobre como fazer as coisas durante cinco minutos. Depois de duas ou três tomadas, isso se torna muito cansativo. Imagine fazer isso durante o dia inteiro. Então, eu realmente pensei em meus atores e decidi falar apenas uma coisa a cada intervalo para que eles não se preocupassem e fizessem o trabalho deles."

    Para Rodrigo Teixeira, que esteve presente em apenas duas semanas de gravação, essa cena de dezoito minutos foi um dos pontos altos do filme, juntamente com cena da igreja da universidade:

    "No dia que eu cheguei, ele estava gravando a cena da igreja, que é uma cena grande e o James me contou como ia filmar. Foi uma das maiores cenas que eu produzi até hoje, com uma estrutura de produção muito grande. Nisso, eu vejo que o Ang Lee tava sentado do lado dele vendo a cena e o James perguntava o que o Ang Lee estava achando. Os dois conversando ali sobre aquele momento foi uma oportunidade única."

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