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    Exclusivo: Matteo Garrone comenta o universo fantástico e violento de O Conto dos Contos

    Cineasta fala sobre a adaptação de um conto de fadas sombrio, como foi trabalhar com um elenco internacional e comenta o bom momento do cinema italiano.

    Uma das principais estreias da semana no Brasil tem tudo a ver com o início de um grande evento cinematográfico mundial: o Festival de Cannes, que teve, em sua edição passada, O Conto dos Contos como um dos concorrentes à Palma de Ouro. O filme não ganhou prêmios, mas sua participação no prestigiado festival de cinema ajudou a solidificar mundialmente a imagem de um dos maiores cineastas italianos da atualidade: Matteo Garrone.

    O Conto dos Contos é o primeiro filme em língua inglesa do diretor e roteirista romano. A decisão veio logo após emplacar duas vezes seguidas o Grande Prêmio do Júri em Cannes (com Gomorra e Reality - A Grande Ilusão), com o objetivo de alcançar um público maior com sua adaptação de uma obra-prima da literatura italiana: Lo Cunto de li Cunti, livro de Giambattista Basile que ganha os cinemas com um elenco internacional estrelado por Salma Hayek, Vincent Cassel, Toby Jones, Stacy Martin e John C. Reilly.

    Matteo Garrone falou sobre isto e outros temas numa conversa exclusiva com o AdoroCinema. Confira o bate-papo abaixo e conheça um pouco mais sobre O Conto dos Contos, seu realizador e o momento do cinema italiano:

    Sua carreira até aqui se ateve ao mundo real. Onde nasceu a ideia de explorar o universo fantástico?

    Meus outros filmes têm um lugar na realidade mas, digamos, alguns deles também têm uma ligação com a dimensão fabulística. L'Imbalsamatore, Reality e até mesmo Gomorra, enquanto possuem um cenário mais realista, buscam também ter um plano mais giottesco [pessoas reais retratando figuras sacras]. E esse filme é uma reunião de contos mágicos que eu tentei preencher com uma abordagem mais terrena, realista. Assim, de todo modo, creio que este seja um filme com uma ligação de continuidade com os meus anteriores.

    O Conto dos Contos é uma fábula violenta e obscura. A ideia era de contrastá-la com filmes tradicionais do gênero, como os da Disney?

    O texto original, que é uma das maiores obras-primas da literatura italiana, foi escrito em 1600. Como tal, essa era uma época muito sombria, violenta. Contudo, evidentemente, estes contos têm uma fonte mitológica. São contos feitos para entreter, divertir, dar medo, que, enfim, se dirigem a um público adulto, não de crianças. Então, eu procurei não trair esse componente sombrio. E são histórias baseadas em arquétipos, que falam de sentimentos retratados ao extremo e tratam de temas que são atuais até hoje. Então, pra mim, adaptar os Contos de Basile surgiu como um modo de explorar temas contemporaneamente interessantes pra mim.

    Por que logo essa obra clássica italiana veio a se tornar o seu primeiro filme em língua inglesa?

    Na verdade, eu achei que o inglês poderia facilitar que O Conto dos Contos fosse visto em todo o mundo. Seria um crime [ser visto por pouca gente], pois é um filme muito gostoso. Diferente dos meus anteriores, é um filme cheio de efeitos especiais. Então, eu achei que seria mais justo filmar em inglês. Além disso, a obra tem um elemento shakespeariano. Como dizia Italo Calvino, os Contos de Basile são como sonhos de um Shakespeare monstruoso napolitano. De todo modo, eu filme em inglês sem trair o espírito italiano.

    E, de algum modo, trabalhar com um elenco mundialmente famoso, uma equipe internacional, interferiu em sua liberdade artistítica?

    Não, absolutamente não. Trabalhei com total liberdade criativa. Mas eu posso dizer que, pra mim, foi um desafio. Queria provar que posso fazer algo com um objetivo mais comercial, como seria rodar um filme em língua inglesa, como seria dirigir um grande elenco. Mas, tudo somado, no final não mudou muito. Dirigi esses atores famosos da mesma forma que dirijo atores menos conhecidos, oriundos do teatro italiano. O método de trabalho foi o mesmo. Mas também porque esses atores famosos se entregaram ao projeto, demonstraram muita paixão, muita humildade... Eles fizeram um trabalho extraordinário e de grande generosidade.

    Os efeitos especiais de O Conto dos Contos mantêm um aspecto bem orgânico, mais natural que o CGI. Fale um pouco dessa escolha.

    Nós quisemos fazer uma homenagem às origens do cinema, ao cinema mudo... Aos filmes que trabalhavam a imagem, como fosse possível, para causar espanto no público. A escolha foi essa porque queríamos criar uma atmosfera diferente, investindo na realidade, na crença da imagem, mas, ao mesmo tempo, queríamos fazer o espectador notar o componente do artifício de um modo quase teatral. A escolha foi por construir cenários reais, mas também com a impressão de feitos no estúdio.

    E essa boa experiência te dá vontade de seguir adaptando grandes obras literárias?

    Sim, estou bem tentado a continuar nessa linha. Eu venho da pintura. Antes de ser cineasta, eu era pintor, e estes projetos que são ligados à imagem, à dimensão visionária, combinam bastante comigo.

    O cinema italiano vive um bom momento, com o veterano Nanni Moretti na ativa e você e Paolo Sorretino como últimas grandes revelações. Que novos cineastas podem seguir esse legado no cenário internacional?

    No David di Donatello desse ano houve diversos filmes, muito diferentes entre si, com qualidade e que tiveram o reconhecimento do público. Eu tenho certeza que o cinema italiano está vivendo um momento de grande vivacidade, e o melhor é que cada diretor tem uma linguagem própria, racional, explorando gêneros variados. E ainda consegue ter um apelo junto ao público! No último ano, vimos essa combinação na belíssima estreia de Gabriele Mainetti, Lo chiamavano Jeeg Robot. Também tivemos Perfetti Sconosciutti, que é uma comédia maravilhosa que fez muito sucesso aqui na Itália e teve reconhecimento. E o documentário Fogo no Mar, de Gianfranco Rosi, sobre a imigração. Enfim, é um momento do cinema italiano de muitos filmes com qualidade e personalidade.

     

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