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    Mostra de São Paulo 2015: Entrevista com Lorenzo Vigas, vencedor do Festival de Veneza com Desde Allá

    Filme venezuelano foi um dos destaques da programação da maratona cinéfila paulista.

    Desde Allá quebrou um tabu histórico: nunca um filme latino-americano havia vencido o Festival de Veneza! Ainda comemorando o recém-conquistado Leão de Ouro, o diretor e roteirista Lorenzo Vigas veio à Mostra de São Paulo para apresentar seu longa-metragem, em sessões bastante concorridas pelo público.

    O AdoroCinema não apenas assistiu ao filme (confira nossa crítica!), como ainda conversou com o diretor. Confira abaixo os principais destaques do bate-papo, que vai da produção do longa-metragem até a formação de um interessante grupo de debates envolvendo novos expoentes do cinema latino-americano.

    INSPIRAÇÃO

    Lorenzo Vigas revelou que a inspiração para Desde Allá veio de seu primeiro curta-metragem, Los Elefantes Nunca Olvidam, lançado em 2004. "Fiquei sete anos trabalhando em um documentário sobre meu pai, que estou concluindo agora, chamado El Vendedor de Orquideas. Foi durante a produção deste documentário que comecei a trabalhar em Desde Allá, que levou três anos até o roteiro ficar pronto."

    FESTIVAL DE VENEZA

    "Creio que ganhou o filme que uniu os jurados", disse o diretor. "Foi inesperado, pois era a primeira vez que a Venezuela participava da mostra competitiva. Para mim e para todo mundo!"

    Vencer um festival de prestígio como o de Veneza com certeza abre portas, não apenas para o filme mas para a própria carreira de um cineasta. Lorenzo contou as mudanças que já pôde notar neste pouco mais de um mês após receber o Leão de Ouro. "Após ganhar Veneza o filme passou a ser exibido em todos os festivais do mundo, há muito interesse nele. O cinema às vezes é cruel, pois há vários filmes muito bons que, por não terem sido premiados em festivais, nada acontece com eles. É uma linha muito tênue entre o sucesso e o fracasso."

    SOCIEDADE MACHISTA

    Desde Allá acompanha o relacionamento cada vez mais próximo entre um adulto homossexual e um jovem das ruas, bastante revoltado e desconfiado. "Este é um filme que transcende o tema da homossexualidade", disse o diretor. "É sobre carências emocionais, a falta de um pai. É a relação de dois personagens de classes sociais bastante diferentes e também uma história de amor [...] A opção por dois homens me pareceu mais interessante e também mais terrível pelo final. Há ainda a repercussão social, pela Venezuela ter uma sociedade muito machista e homofóbica."

    ESCOLHA DO ELENCO

    Um dos destaques do longa-metragem é o desempenho dos protagonistas, Alfredo Castro e Luis Silva. Lorenzo explicou como os selecionou para os papéis. "Alfredo me encantou já no roteiro. Era minha primeira opção, pois este é um filme onde os olhares e o silêncio são muito importantes, e ele é um ator com um olhar muito forte. Já Luis, intérprete de Elber, conheci através de uma foto. Não fiz qualquer teste, o conheci, conversei com ele e logo disse que faríamos um filme juntos. Ele é um ator muito instintivo e muito espontâneo."

    "Trabalhei bastante o roteiro com Alfredo, porque tínhamos nossas ideias sobre o que não é dito no filme. Já Luis não sabia nada, ele não conhecia a história. Pedi que confiasse em mim. Todos os atores recebiam as cenas que iriam rodar cerca de 20 minutos antes da filmagem, e não sabiam o que aconteceria no dia seguinte. Luis foi descobrindo sua história à medida que o filme foi rodado."

    RISCOS CALCULADOS

    "Tive que assumir erros", disse Lorenzo ao comentar sobre seu método de trabalho durante as filmagens. "Caso seguisse um caminho muito seguro não seria um filme interessante, mas previsível. Assumi o risco destes erros, não apenas com Luis Silva. Os atores não se conheciam antes do início das filmagens, este era outro risco, pois queria que houvesse uma tensão grande entre eles, que foi mudando durante as filmagens. Outro risco foi trabalhar muito com a câmera fora de foco, o que a princípio não sabíamos se iria funcionar. Creio que a única maneira de rodar um filme seja assumindo riscos, não há outro jeito."

    DESAFIO AO ESPECTADOR

    Desde Allá possui várias lacunas em sua história, que são complementadas pela forma como o espectador compreende o que é visto na telona. "Minha intenção era fazer um filme que envolvesse o público. Estava cansado de filmes que dissessem sempre o que devemos sentir emocionalmente e nos explicasse o que acontece. As emoções nunca são certas, são ambíguas. Estava cansado de receber tudo mastigado."

    "É interessante porque cada pessoa tem uma interpretação diferente. Eu tenho minha opinião, escrevi pensando de uma maneira, mas agora o filme não mais me pertence. É muito interessante ver como o seu filme se passa na cabeça das pessoas. É parte da riqueza de ser um projeto onde o espectador é convidado a completar o que não está totalmente claro."

    PROJETO LATINO-AMERICANO

    Por mais que seja uma produção venezuelana, é possível dizer que Desde Allá seja latino-americano devido à presença de pessoas de vários outros países na equipe técnica, como os mexicanos Guillermo Arriaga e Michel Franco, o chileno Alfredo Castro e a brasileira Isabela Monteiro de Castro. O diretor explicou o que uniu toda esta trupe: "Primeiro, a grande amizade que tenho por eles. Depois, porque vivemos uma situação muito triste na América Latina de incomunicação cultural. Na Venezuela não vemos filmes colombianos, que são nosso país vizinho. No México não se vê filmes da Argentina, e na Argentina não se vê filmes brasileiros. Há muita desconexão cultural, então houve este esforço de juntar uma equipe latino-americana. E creio que isto enriquece, pois cada país tem seu próprio inconsciente coletivo e isto ajuda o projeto."

    GRUPO DE DEBATE

    Desde Allá possui semelhanças estéticas com filmes dirigidos por cineastas bem próximos a Lorenzo Vigas, como Michel Franco (Depois de Lúcia e Chronic) e Gabriel Ripstein (600 Milhas). Perguntamos ao diretor a que se deve esta proximidade no estilo de fazer cinema. "Somos muito próximos e compartilhamos nossos projetos. Cada um entende de uma forma diferente, Michel tem a sua, Gabriel a dele e eu tenho a minha. Mas estamos vivendo um momento histórico, e há uma empatia entre nós. Somos um grupo criativo que compartilha ideias, mas quando chega a hora de filmar cada um está só. É muito valioso pertencer a um grupo de debate como este, ainda mais quando existe um grande respeito e amizade entre todos."

    CINEMA VENEZUELANO HOJE

    "Desde Allá é uma exceção no cinema venezuelano", disse o diretor, ao ser questionado sobre o momento atual do cinema local. "O filme é uma reação a muitas realidades no país, especialmente ao melodrama latino-americano existente na televisão e também ao tipo de cinema onde tudo precisa ser muito bem explicado. É também reflexo da falta de comunicação entre classes."

    "Atualmente são feitos poucos filmes na Venezuela, pois há uma crise muito forte. Temos alguns filmes que têm chamado a atenção, como Pelo Malo. Creio que isto se deve porque na Venezuela cada vez menos se pode expressar suas ideias, há um controle muito forte do governo. Então há a necessidade de se expressar através da arte."

    O AdoroCinema viajou a convite da organização do festival.

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