Minha conta
    Festival de Brasília 2015: Três filmes, três dificuldades de retratar a infância e a pobreza

    A competição oficial começou com três produções sobre crianças confrontadas com a miséria.

    A mostra competitiva do 48º Festival de Brasília começou sob o signo da infância. Os curtas-metragens Command Action e À Parte do Inferno e o longa-metragem A Família Dionti trazem histórias de crianças que lidam direta ou indiretamente com a pobreza.

    São três registros ousados, que se arriscam em gêneros incomuns no cinema nacional (a fantasia infantil, o filme de terror), mas que tropeçam na representação das classes mais baixas. Não, não adianta colocar chinelos de dedo e calças largas num personagem para criar um mendigo - ele ainda vai parecer um hipster de classe média alta. Não adianta incluir alguns "ocê" no roteiro para obter uma construção caipira, assim como não basta colar uma flor aos cabelos de uma garota para criar uma pequena artista de um circo.

    Foi uma noite difícil para a direção de arte e os roteiros, mas saudável em termos de experimentação. 

    Não roubarás

    Command Action, de João Paulo Miranda Maria, traz o dia de um jovem pobre na feira. Ele tem poucas notas amassadas no bolso, e está encarregado de comprar comida para a família. Mas sua tentação é adquirir o boneco do Comandos em Ação. O curta tem um trabalho interessante de composição de câmera e de som (especialmente no plano final), mas incomoda pela apresentação de "tipos" ao redor do garoto, batizados pelos próprios créditos finais de "periguetes", "turma barra pesada" e assim por diante. Os diálogos e as atuações do elenco coadjuvante são realmente muito fracos.

    O discurso adotado pelo curta merece ser questionado. Diante da possibilidade de roubar o objeto desejado, o roteiro defende apenas que é melhor não roubar, e sim adquirir o produto com o próprio dinheiro. Sem abordar o conflito moral deste ato (a família ficará sem comida), o desfecho torna-se apenas uma lição de moral.

    Poltergeist

    À Parte do Inferno funciona bem em termos de clima: uma mãe solteira cria seu filho pequeno, até perceber um número crescente de mendigos em frente à sua casa. Eles parecem obcecados com o domicílio, algo talvez relacionado à grande mancha escura que cresce dentro do armário.

    Embora tenha imagens belas e uso expressivo do som, o curta chama a atenção pelas referências explícitas ao clássico Poltergeist - O Fenômeno: estão presentes a cena da criancinha colocando as mãos no televisor azulado, a mancha na parede do quarto levando a uma dimensão demoníaca... A construção da mãe pode ser interessante, mas a sensação de déjà vu sabota o prazer do filme. Além disso, não se desenvolve a premissa de terror social, com a família de classe média amedrontada pelo possível ataque dos mendigos (pouquíssimo convincentes, aliás). 

    O garoto que derretia

    A Família Dionti, de Alan Minas, é uma pequena produção infantil, muito bem intencionada em seu retrato da paternidade e da infância. A produção abraça sem pudor os clichês sentimentais: o protagonista é órfão (ou algo parecido, o que se compreende mais tarde), tem poucos recursos financeiros, e se apaixona à primeira vista pela garota nova de sua escola. Ele tem uma peculiaridade: transpira excessivamente, como se estivesse derretendo.

    Nos momentos de fantasia, a produção se sai muito bem: é interessante usar um corte simples para transformar um adulto em flor, por exemplo, como nos velhos filmes de Méliès. Já a construção do imaginário caipira revela-se simplória. Estamos muito perto do retrato preconceituoso das pessoas interioranas pouco inteligentes, mas puras de coração.

    De qualquer modo, a conclusão eficiente cativou a plateia do festival de Brasília, que aplaudiu calorosamente a produção.

    O segundo dia da competição oficial traz os curtas-metragens Tarântula, de Aly Muritiba, e Rapsódia para o Homem Negro, de Gabriel Martins, além do longa-metragem Fome, de Cristiano Burlan.

    facebook Tweet
    Links relacionados
    Comentários
    Back to Top