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    Cine PE 2015: Balanço de um festival em transformação

    É hora de refletir sobre a qualidade dos filmes, a premiação e a produção do evento.

    Mariana Guerra / Divulgação

    O XIX Cine PE chegou ao fim no dia 8 de maio, consagrando o longa-metragem Permanência e o curta-metragem Até a China como os melhores do festival. A edição 2015 foi marcada pela tentativa de consertar algumas deficiências do ano anterior, como a criticada divisão entre ficção e documentário, e a baixa qualidade dos curtas-metragens, algo admitido pelo curador do evento, o crítico carioca Rodrigo Fonseca, em entrevista ao AdoroCinema:

    “Na edição anterior, eu participei apenas em fim de linha, não pensei o festival inteiro. Eu trabalhei na seleção de longas em 2014, mas minha contribuição nos curtas-metragens foi ínfima. Os curtas foram a parte mais fraca, mesmo que os vencedores tenham sido filmes de qualidade. Este ano, minha preocupação era melhorar os curtas pernambucanos, e atribuir maior variedade aos curtas nacionais, valorizando o cinema de gênero. Levei em conta o esvaziamento das salas no ano passado, então tentei combinar filmes mais exigentes com filmes populares”.

    Desta vez, todos os tipos de filme concorriam juntos: animações, documentários, ficções, videoarte; filmes adultos e infantis; dramas, comédias e suspense. Este tipo de reunião é essencial para fortalecer a diversidade da produção nacional, e também para evitar a impressão de hierarquia surgida das divisões. O público respondeu positivamente à edição 2015: todas as sessões estavam lotadas, e os espectadores reagiam às produções com aplausos, risos, vaias.

    Fonseca completa: “Procuro trazer filmes de diretores consagrados e também expor filmes de cineastas iniciantes, como é o caso do Petrônio e o Tiago Scorza, de O Gigantesco Ímã, que apontam para uma tendência mais autoral. Por acaso, eu tenho uma tendência ao cinema pop autoral, de Brian de Palma a Michel Gondry, o que influencia estas escolhas. Eu também queria que os filmes tivessem um eco no mercado. Acabei encontrando títulos que tinham a qualidade que eu procurava, e que estreariam no circuito comercial dentro de pouco tempo”.

    Os longas-metragens

    Diante desta preocupação, é preciso dizer que seleção de longas-metragens apresentou qualidade razoável, com poucos filmes realmente ruins (exceção feita a O Amuleto), mas poucas obras excepcionalmente boas (exceção feita ao português Cavalo Dinheiro). Foi estranha a inclusão de um único filme estrangeiro em uma seleção composta apenas de filmes nacionais, mas a obra de Pedro Costa ajudou a elevar o nível da mostra competitiva e comprovou que a curadoria também se interessa por filmes de experimentação de linguagem.

    Fonseca justificou sua linha curatorial: “Vários filmes que passaram pela minha mão mostravam pessoas diante de uma perda, obrigadas a agir, entrando em um processo de autoafirmação. Muitas vezes esta busca passa pelos códigos da cultura onde a pessoa está envolvida”. O tema faz sentido diante de alguns longas selecionados, como Aqui Deste Lugar e O Vendedor de Passados. Mas de modo geral, o que realmente marcou a seleção do Cine PE 2015 foi a dificuldade de representar a diferença, de dar visibilidade aos grupos excluídos.

    O diretor Leo Falcão homenageava as mulheres pobres em Mães do Pina, sem explorar a realidade dessas mulheres, John Madden retrata a Índia como um paraíso turístico, sem dar voz aos moradores locais, O Gigantesco Ímã dedica um documentário inteiro aos conhecimentos excepcionais de um homem idoso, sem questionar como ele teria adquirido estas informações.

    De modo geral, os longas apresentaram uma forma de apreensão imediatista, visível, behaviorista: é preciso revelar as roupas das mães de Pina, os inventos do inventor, a tristeza de um fotógrafo pernambucano diante da namorada (Permanência). Mas estes filmes possuíam poucos questionamentos sobre a origem, as causas ou as consequências destes talentos, destes dramas e destes conflitos. Ou seja, o Cine PE 2015 trouxe obras de boa qualidade expositiva, mas de fraca capacidade de reflexão.

    As exceções a esta tendência, como afirmado acima, são Cavalo Dinheiro, que executa uma profunda pesquisa social da pobreza, e Aqui Deste Lugar, que buscar inserir seus personagens em um contexto social, mesmo que não propriamente político. É interessante pensar o que produções de cunho mais sociológico, como os recentes O Som ao Redor ou o documentário Caminho de Volta poderiam trazer à dinâmica do festival.

    Os curtas-metragens

    Os curtas-metragens, por sua vez, apresentaram uma qualidade média superior à dos longas. A seleção pernambucana compensou amplamente a baixa qualidade do ano anterior, com filmes excelentes como História Natural e Xirê, além dos interessantes Encantada e O Gaivota. Os curtas nacionais também impressionaram com Fim de Semana, Palace Hotel, e mesmo com o simpático Até a China, que conseguiu a proeza de ser premiado tanto pelo júri oficial quanto pelo júri popular.

    Mesmo assim, foram escolhidos de maneira geral curtas que fugiam de reflexões ideológicas ou sociais – justamente na época em que todos os diretores afirmavam no palco o apoio ao movimento Ocupe Estelita nas ruas de Recife. Foram predominantes os filmes de narrativa linear (O Segredo da Família Urso, Bajado, Até a China) ou de pura pesquisa de linguagem (Xirê, O Poeta Americano), tornando raras entre a seleção as críticas complexas como de História Natural. A presença do fraco Simulacro, filme criticando o vazio do homem diante da televisão, serve para confirmar a dificuldade em apresentar bons questionamentos entre a narrativa clássica e o exercício estético.

    Tanto nos curtas-metragens quanto nos longas, foi interessante perceber grande quantidade de cineastas jovens, tanto homens quanto mulheres. Os debates promovidos no Cine PE, igualmente, tocaram em questões primordiais. É louvável que Permanência tenha despertado uma discussão sobre o machismo nas imagens (pela nudez exclusivamente feminina do filme). Paralelamente, O Vendedor de Passados foi questionado pela representação dos negros, Aqui Deste Lugar foi interrogado sobre o papel da política no cinema. Talvez por sentir falta destas discussões nos próprios filmes, o público e a imprensa do Cine PE trouxeram debates de cunho político e social.

    A premiação

    A premiação adotou caminhos diferentes entre os longas e curtas-metragens. Os Calungas de longas-metragens tiveram uma divisão interessante: o júri reconheceu a qualidade de Cavalo Dinheiro, entregando ao filme português três troféus importantes (direção, roteiro e fotografia). Mesmo assim, preferiram consagrar uma produção nacional e local, o pernambucano Permanência, que talvez beneficiasse de maneira mais direta dos troféus. Infelizmente, o bom documentário Aqui Deste Lugar foi praticamente ignorado (prova de que dividiu opiniões entre os jurados, como deve fazer entre os espectadores), mas o júri distribuiu alguns prêmios a O Vendedor de Passados e O Gigantesco Ímã, valorizando os dois trabalhos.

    Já os curtas-metragens decidiram premiar as categorias que chamavam mais atenção para si mesmas, ao invés de contribuírem de modo orgânico ao filme. Levaram troféus a direção de arte histriônica de O Segredo da Família Urso, a fotografia granulada e a câmera instável de Vestibular, as diversas canções populares de Bajado. Apesar de se focarem demais nos aspectos técnicos, os prêmios de curtas-metragens recompensaram uma história divertida e despretensiosa, que também cativou o júri popular: Até a China, do simpático diretor Marão.

    A produção

    A produção do Cine PE conseguiu, entre 2014 e 2015, corrigir muitos problemas que afetavam o festival, melhorando consideravelmente o nível desta edição do evento. Os convidados foram bem tratados pela diretoria e assessoria, assim como os jornalistas, que dispuseram de ampla estrutura e liberdade para executar seu trabalho.

    Alguns aspectos ainda precisam melhorar, em especial a qualidade do som no cinema São Luiz – que afetou principalmente o longa-metragem Aqui Deste Lugar, mas também prejudicou todos os filmes – e o ritmo da programação, que precisaria absolutamente incluir intervalos em noites nas quais são apresentados dois longas-metragens e dois ou três curtas-metragens um após o outro. Assistir a mais de quatro horas de sessão sem se levantar da cadeira não é fácil. A desproporção entre as homenagens – grandiosa demais para Eduardo Campos, sucinta demais para Helena Ignez e Ariano Suassuna – também mereceria ser revista. Mas o Cine PE 2015 continua buscando sua identidade curatorial, e afinando escolhas em uma época política conturbada, e um ano prolífico para o cinema brasileiro.

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