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    Festival de Brasília 2014: "Temos que fugir da violência como entretenimento", afirma Eugênio Puppo

    O cineasta apresentou seu documentário Sem Pena na mostra competitiva.

    Junior Aragão

    Na abertura da mostra competitiva, o diretor Eugênio Puppo arrancou longos e calorosos aplausos no Festival de Brasília 2014 com o seu documentário Sem Pena, uma análise da noção de justiça aplicada ao falido sistema carcerário brasileiro. Curiosamente, o cineasta optou por não mostrar os rostos dos entrevistados, deixando o espectador relacionar o som dos depoimentos com imagens metafóricas sobre o tema.

    Nesta quinta-feira, o cineasta conversou com a imprensa e concedeu entrevistas, falando sobre a sua visão da justiça e do cinema, e justificando as inusitadas escolhas estéticas:

    Depoimentos sem rostos

    "O processo de fazer um filme é muito inquietante. O tempo todo você tenta descobrir de que maneira quer mostrar as coisas que você está tratando. Isso ninguém entende: é algo do diretor, é um sofrimento muito grande para encontrar esses caminhos. No começo, eu sabia que queria tratar o tema com delicadeza, fugindo dos documentários que trabalham de maneira óbvia e reiterada. No primeiro momento, eu fiz duas câmeras, uma aberta, tradicional, e outra colada ao rosto. Eu pedi para o fotógrafo sempre passear delicadamente pelo rosto, pegar as mãos".

    "As pessoas na produtora sugeriram para tentar só a câmera fechada, ou só a câmera aberta. Eu pensei que não conseguiria fazer esse filme, eu estava infeliz, ficaria uma merda. No primeiro dia, eu coloquei isso, montei e vi que não daria certo. Também me incomodava a linguagem de documentário americano onde tem o personagem 1 que fala, depois o segundo personagem, e volta para o personagem 2. Ao longo do processo, muitas pessoas estranharam o processo e reivindicaram que aparecessem os rostos e as identificações. Uma hora, nosso grupo principal entendeu a importância e o poder dessa decisão, e seguimos".

    Desafios de filmar na prisão

    "A gente teve acesso total e irrestrito. É claro que muitos presos não queriam que o rosto fosse filmado, então a gente filmou, e depois reenquadrou. Como o material estava em alta resolução, isso permitiu que a gente recortasse um pouco o material. Por exemplo, a câmara de segurança era um lugar onde eu gostaria de ter gravado. Mas depois, consegui a câmera de segurança de dois presídios. Acabamos não usando no final, mas tivemos poucas restrições. A restrição maior foi a seção de segurança, que fica escondida. De resto, a gente filmou as celas, os pavilhões, as pessoas comendo, trabalhando etc".

    Isto não é um telejornal

    "Os telejornais são muito maçantes. Você engole o que quer e não quer, e não sabe até que ponto aquilo é verdade. São os programas da violência como entretenimento. A gente tem muita responsabilidade em fugir disso. Não pegamos nenhum caso emblemático, como a Suzane von Hichthofen. O nosso foco era o cidadão comum, que sofre arbitrariedades todos os dias. Tinha uma desembargadora que falava que ninguém entraria na sua casa, mas na favela, sim. É absurdo". 

    Diferente dos outros

    "No início, eu só sabia o que eu não queria fazer. Eu vi todos os filmes do gênero, e não me identifiquei com absolutamente nenhum. Mesmo O Prisioneiro da Grade de Ferro que é um filme respeitável. Ele dá a câmera às pessoas, e nós não fazemos isso, nós entramos com a câmera. Eu tenho dificuldade em assimilar alguns filmes com os quais eu não me identifico, ou porque isso já foi feito, ou porque não é eficiente. Também não me interessava fazer algo datado". 

    Dificuldade de fazer um filme social

    "A maneira como eu enxergo o cinema e a arte em geral é baseada nos desafios. Se você já fizer apenas filmes sociais, ou com temáticas específicas, a tendência é você se repetir, e cair no vazio, questionando mais a si mesmo do que questionar o filme. Eu percebo que os filmes hoje têm uma preocupação muito grande em dialogar com festivais internacionais. Os caras pensam: 'Quero ir pra Cannes, Berlim, Roterdã...'. Quem não queria? Por conta disso, é um horror fazer um filme que se pasteuriza em função da compreensão dos gringos. Você não está sendo leal ao seu próprio projeto. Em muitos filmes, o diretor quer aparecer mais do que o próprio filme. Ele quer que você veja a mão do diretor, com cenas fortes. Mas qual é a relação com o conteúdo?" 

    Questão carcerária nas eleições

    "A gente não vê isso na pauta dos candidatos. Ninguém contempla nos programas de televisão uma proposta ou um diagnóstico verdadeiro e corajoso. O que me importa nesse filme é debater, mais do que ser premiado ou não. Só a relação do público ontem já foi um prêmio. Fiquei extremamente emocionado com o público. Nós cumprimos o nosso objetivo, que é cada vez mais mostrar e conscientizar a sociedade da merda em que estamos envolvidos".

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