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    Entrevista exclusiva: Paulo Sacramento fala sobre o ambicioso Riocorrente

    Diretor estreia na ficção dez anos depois do documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro.

    O diretor Paulo Sacramento passou pelo Rio de Janeiro para promover Riocorrente, filme que marca sua estreia no cinema de ficção e que entra em cartaz dez anos após o cultuado documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro. O AdoroCinema conversou com o diretor e o resultado do bate-papo você confere logo abaixo.

    Como nasceu o projeto?

    Nasceu de uma maneira bem diferente. Eu estava acabando de fazer O Prisioneiro..., que era um documentário que me levou anos de dedicação, e anotava várias ideias para um filme de ficção que eu pretendia fazer. Olhando aquelas ideias, eu percebi que haviam muitos pontos em comum entre elas e eu não precisaria escolher uma só. Eu queria trabalhar com um mosaico daquilo e fazer um filme que é mais do que uma obra centrada em três personagens, mas sim sobre um ambiente, uma época, um sentimento. Aí eu pensei nesta formação clássica do triângulo amoroso e comecei a trabalhar em cima daquelas ideias. Eu queria fazer um filme mais aberto, não queria algo fechado demais ou que seguisse manuais de roteiro. Eu fiz um primeiro tratamento e depois comecei a transformar em uma coisa mais linear, mais narrativa. Mas quanto mais eu mexia, mais eu me desinteressava. Um dia, há uns três anos, eu voltei naquela primeira versão que tinha escrito, que era totalmente caótica, cheia de ideias e arrestas. Mas tinha uma energia que o resto do filme estava perdendo. Então voltei pra ela.

    Acho que o filme funciona para qualquer morador de uma metrópole, mas vi várias pessoas falando que era um longa claramente paulistano e que funcionaria melhor na cidade. O que acha disso?

    Com certeza é um filme muito paulista, mas penso que isso não é um demérito, nem uma qualidade. Tem aquela máxima tradicional que diz: “Canta tua aldeia que cantarás o mundo.” Quando vamos ver um filme iraniano, queremos que seja o mais iraniano possível. A temática tem que ser universal, para que possamos nos identificar, mas o tempero regional é muito importante. E o tempero de São Paulo é aquela coisa dura, seca, aquela coisa de metrópole sem cartões postais. O próprio rio Tietê, que está no título, no pôster, é um rio que os paulistas odeiam. A cinematografia paulista recusa aquilo ali. Mas eu queria sujar as mãos nestes outros caminhos que a cidade tem e não me centrar em apenas uma das São Paulos que são conhecidas. Vamos numa São Paulo profunda e descobrimos várias cidades em uma só.

    Como foi o trabalho com efeitos visuais?

    Isso estava desde a minha primeira ideia. Felizmente, a tecnologia mudou e isso se tornou uma coisa acessível. Quando eu escrevi a primeira versão, as pessoas perguntavam: “Cara, você vai fazer um filme de quantos milhões?” Hoje em dia, esses efeitos são super acessíveis. E estão totalmente decodificados para o espectador. Acho que, às vezes, esse perfil de filme de arte tem um pouco de preconceito de usar efeito especial, como se fosse uma coisa exclusiva do cinema comercial. Isso é uma besteira. Meu interesse sempre foi misturar todas as referências, fazer um caldeirão com o nosso sentimento contemporâneo. É curioso, eu queria muito trabalhar no filme com dinâmica, tanto de som, como em coisas assim. É um longa muito simples, feito com uma equipe pequena, aí ele viaja e tem 30 segundos de superprodução. E depois volta a ser um filme pequeno. Acho que isso provoca o espectador, que eu queria deixar sempre sem saber o que estava acontecendo.

    O seu filme pode ser visto como um drama social, mas com algumas alegorias visuais bem interessantes. Como espera a recepção do público?

    Penso que o filme vai surpreender aqueles que se dispuserem a assistir. Ele provoca realmente e tem a intenção de tirar o espectador da zone de conforto. Estamos colocando ele no mercado, então é claro que temos uma expectativa dele fazer certa bilheteria. Mas tenho impressão de que é um filme, que poder ser este híbrido, vai surpreender qualquer público. É um filme que chacoalha mesmo e tem um elemento desorganizador.

    Como foi o desenvolvimento dos personagens?

    O filme começa com essa estrutura tradicional do triângulo amoroso. Eu queria que os dois personagens masculinos fossem rapidamente identificáveis. Em um minuto a gente sabe de onde vieram aquelas pessoas e o que representam na cidade. E a gente teria esse elemento de mistério que faria a ponte entre os dois homens, entre essas duas cidades que não se conversam, que seria esta mulher. Todos os elementos dos dois homens são muito opostos. Um quando abre a porta da casa já está na rua. Se ventar, entra um pacote de batata frita. O outro, para entrar em casa, tem que passar pelo portão do prédio, pelo elevador. Ele está encastelado dentro daquele universo. A gente define e apresenta os personagens de maneira bem diferente, mas com uma narrativa que vai evoluindo. Ao final, eles vão se aproximando e nada destes elementos importam muito. O que importa é a insatisfação dos dois e a incapacidade de atingir seus objetivos.

    Foram 10 anos entre O Prisioneiro... e Riocorrente. Por que tanto tempo?

    Não vou dizer que foram 10 anos tentando levantar dinheiro heroicamente. Não, eu estava fazendo outras coisas. Me dediquei a produzir e montar filmes, o que foi muito importante para minha formação. Quando eu fiz O Prisioneiro..., eu não estava preparado para dirigir aquele filme. Não sabia a dimensão daquilo e nunca tinha feito um documentário. Agora, eu já sabia mais como funciona o cinema de longa-metragem por dentro. Quando você monta um filme você vê todos os defeitos, os erros, tudo o que o diretor queria fazer e não conseguiu. Essa trajetória foi muito importante para mim, mas chegou um momento que eu tive que parar. Quando você entra num outro rumo, a sua vida vai se distanciando cada vez mais dos seus sonhos. Eu tinha interesse em voltar a dirigir, então tive que puxar o freio na montagem e na produção.

    Já tem algum projeto em vista?

    Sim. É um projeto que a gente tinha começado a captar antes deste. O Riocorrente é um filme barato, então ele furou a fila. Meu próximo projeto é um filme mais caro, de uma produção mais complexa. Chama O Olho e a Faca e vai se passar um terço no Rio, um terço em São Paulo e outro numa plataforma de petróleo no meio do mar. Então, a logística é complicada. Estamos prestes a iniciar a produção e espero fazer este filme no final deste ano ou início de 2015. Vai ser um longa mais aberto, que visa atingir um público maior, usando vários recursos para isso, como atores famosos, que é uma coisa que eu não queria em Riocorrente

    Como você vê o atual momento do cinema brasileiro?

    Eu vejo de várias maneiras. Vejo que existe uma produção muito grande. São muitos filmes e muitas novas pessoas. Tem muita coisa surgindo ao mesmo tempo. Só que tudo esbarra neste funil que é a exibição. A gente tem um circuito exibidor muito restrito, com muita dificuldade de se expandir, e os filmes estão praticamente se cotovelando para estrear, o que é algo muito ruim. Os filmes estão se prejudicando e não conseguem ter um tempo para existir. Isso está se refletindo não só na carreira comercial, como também nos festivais. Hoje, você praticamente escolhe um ou dois festivais para exibir seu filme, não tem mais aquele circuito de festivais em que você passava um ano passando o longa. Ele era aquecido antes. Acho que não dá para ser crítico ou entusiasta. Estamos num momento de descobrir o que vai ser este cinema brasileiro. Felizmente, hoje os filmes são realizados. O que eu vejo é que se uma pessoa quer fazer um filme, ele é feito. O problema é ele conseguir existir para o público. Eles existem quanto matéria, mas não quanto produto.

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