Minha conta
    Exclusivo: "Eu acredito na autenticidade do falso", diz Hans Op De Beeck, homenageado do Cinerama.BC

    O artista belga, convidado de honra do festival Cinerama.BC, conversou em exclusividade com o AdoroCinema sobre o seu trabalho.

    por Bruno Carmelo

    A quarta edição do festival Cinerama.BC decidiu homenagear o cinema da Bélgica, e como convidado de honra, fez uma escolha inusitada: Hans Op De Beeck, artista visual que jamais tinha participado de festivais de cinema antes, já que seu trabalho costuma ser apresentado em museus e galerias de artes. A aposta dos organizadores não poderia ser mais acertada: o artista apresentou obras curiosas e inovadoras, provavelmente as mais interessantes de toda a edição do evento catarinense. Foram seis curtas-metragens do autor: Extensions, Parade, Staging Silence (2), Border, Dance e Sea of Tranquillity.

    Em entrevista exclusiva ao AdoroCinema, o artista falou sobre a sua concepção das artes visuais e sobre o trabalho do cinema em conjunto com outras técnicas artísticas. Op De Beeck também comentou a experiência de projetar seus filmes ao ar livre, e explicou como a cultura belga está marcada em suas obras. Confira este bate-papo:

    Você prefere se descrever como artista visual, ao invés de cineasta. O seu percurso sempre foi pautado pelo trabalho com o cinema, ou antes vieram a pintura e a escultura?

    Primeiro, eu estudei pintura na graduação, e depois fiz um mestrado em artes visuais. Trabalhei de maneira multidisciplinar nos últimos três anos da minha formação, mas o principal do meu trabalho são as esculturas em grande escala. São esculturas falsas, que evocam grandes cenários e criam paisagens fictícias. O espectador fica imerso em uma paisagem que evoca histórias, sentimentos. É um trabalho sensorial. Em determinado momento, eu precisava trabalhar com algo que registrasse o tempo, e acabei usando o vídeo como ferramenta. Eu nunca pensei “Que tipo de filme vou fazer?”, mas eu tinha um determinado conteúdo que precisava ser feito em vídeo.

    Seu trabalho com imagens é bastante singular. Você tem referências que guiam esses projetos, tanto no cinema quanto no campo das artes visuais?

    Como muitas pessoas da minha geração, eu tenho uma grande admiração pelos irmãos Coen, porque eles são ótimos em todos os aspectos: no roteiro, no visual, na tentativa de contar a vida como algo tragicômico. E eu também tento falar de coisas assim. A maioria do meu trabalho é claramente uma construção: quando você entra em uma obra de arte minha de 300 metros você sabe que é algo construído, e nada além disso. Eu tento transformar esta construção artificial em uma experiência autêntica, por isso, como artista, eu digo que acredito na autenticidade do falso. Parece uma contradição, mas é o ponto de partida da arte. Quando você olha para os antigos quadros de paisagem, você sabe que eles são oferecidos pelo artista como uma janela para o mundo, mas isso não passa de uma fina camada de tinta sobre um quadro. No entanto, se você aceitar o convite do artista, você pode integrar e visitar este mundo paralelo.

    Esta também é a minha proposta com o público: não existe negação do falso. Com o cinema, eu jamais faria um filme que parece real, que parece um documentário. Outras pessoas são melhores nisso do que eu jamais poderia ser. É preciso usar as suas próprias fixações e tentar transformá-las em qualidades, e é isso que eu tento fazer. Quando eu era uma criança, eu sempre fazia desenhos e imaginava mundos fictícios. Depois, continuei por esse caminho, pegando aspectos que poderiam pertencer à vida comum e deslocando-os de modo que passassem a chamar a atenção.

    Os seus curtas apresentados no festival têm algo em comum: todos mostram um espaço sendo construído e desconstruído diante dos olhos do espectador. Neste sentido, fica claro o aspecto do falso que você citou.

    Especialmente em Staging Silence (2), fica muito claro que é apenas um monte de materiais insignificantes: são caixas de papelão, cubos de açúcar, barras de chocolate. É banal e ridículo, mas eu tento evocar algo muito sério através disso, então ajuda ter as coisas em perspectiva. Se eu não tivesse a banalidade das mãos e dos objetos simples, seria sério demais, dramático, atormentado. Mas essas pequenas mãos anônimas banalizam o drama. É uma alternância entre seriedade e ridículo. E a vida é assim: existem muitos momentos sérios com os quais eu tive que me confrontar, como a perda de amigos, mas por outro lado, eu sou um pai de quatro crianças, e quando estou com elas existem muitas coisas ridículas, tolas, engraçadas. Gosto de falar da alternância entre comédia e tragédia no meu trabalho. Além disso, se você não tiver medo de retratar o trágico, ele pode funcionar para o espectador como uma válvula de escape, seguindo o princípio da catarse.

    Você apresentou os seus filmes no festival em uma tela na rua, diante de diversas famílias e passantes, mas normalmente as suas obras estão presentes em galerias de arte e museus. Como você percebe essa mudança?

    É totalmente diferente. Por um lado, eu defendo as convenções: eu gosto de um grande cubo branco, gosto dos museus porque são dedicados a uma forma específica de arte, e têm o seu público. É uma situação lógica e clara. Já fui a bienais e outros eventos que buscam espaços alternativos para exibir as obras, como galpões e usinas. Eu não gosto muito disso, porque isso pode causar muitos problemas. Mas aqui na cidade foi bacana, já que havia um contexto interessante. Era perto da praia, no meio dos carros passando, e isso gerava um contexto absurdo, que tornou os filmes mais fáceis de ver. Tinham muitos carros passando... Claro, em termos de projeção, não foi tão bom, porque eu perdi a textura dos meus objetos, e quando você faz um filme não narrativo, sobre sensações e texturas, é necessária uma projeção melhor. Mas isso foi algo novo, diferente, então tudo bem.

    As obras de artes belgas costumam apresentar muitas diferenças, principalmente entre as partes francófona e flamenga. Para quem assiste aos seus curtas com um olhar de fora, como o espectador brasileiro, você poderia apontar algum elemento tipicamente belga nas suas imagens?

    Se você olhar para os irmãos Dardenne, ou para Jaco van Dormael, e recentemente Michael Roskam, que foi indicado ao Oscar, você percebe uma grande atenção à própria imagem, um olhar maneirista e detalhista aos aspectos da imagem. No caso dos Dardenne, principalmente nos primeiros filmes, existia um aspecto muito natural, uma preocupação sobre como representar o país. Eles filmaram em cidades muito melancólicas, como Charleroi e outros locais sujos, bagunçados, pós-industriais, e trouxeram a estes espaços uma atenção particularmente belga aos detalhes. Na Bélgica, nós temos uma atenção à atmosfera dos ambientes, e costumamos fazer uma combinação entre o melancólico e o absurdo. Nós não termos personagens extrovertidos e festivos como se encontra facilmente no Brasil, somos mais introvertidos, melancólicos, e isso se traduz nas imagens. Não são filmes particularmente alegres. Talvez isso seja algo presente nos diretores belgas que vejo, tanto nos antigos quanto nos recentes.

    facebook Tweet
    Comentários
    Back to Top