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    Exclusivo - "Precisava ser violento", diz Claire Denis, diretora do suspense Bastardos

    O diretora francesa falou sobre o polêmico Bastardos, filme com Vincent Lindon e Chiara Mastroianni, que estreia dia 18 de outubro nos cinemas.

    por Bruno Carmelo

    Aos 65 anos de idade, a veterana Claire Denis apresenta nos cinemas sua nova produção, Bastardos. Contando com um elenco classe A (Vincent Lindon, Chiara Mastroianni, Lola Creton), esta história combina alguns dos elementos mais comuns nos trabalhos da cineasta francesa: a vingança, o ressentimento, a morte. O filme é provocador e chocou as plateias no festival de Cannes, além de ter marcado os espectadores do Festival do Rio 2013 e também o crítico do AdoroCinema.

    Em conversa exclusiva, Denis explicou como surgiu este projeto, como preparou os seus atores e como acha que a morte deve ser retratada no cinema. Ela resume a sua postura diante desta história com uma frase bastante evocadora: "Naquela época, eu estava com raiva". Você confere toda a agressividade de Bastardos nos cinemas a partir de sexta-feira, dia 18 de outubro.

    Bastardos

    Bastardos foi um projeto que você realizou mais rapidamente do que a maioria dos seus filmes, não é? O roteiro foi feito em pouco tempo.

    Isso foi algo que o produtor falou em Cannes. Ele disse que a gente fez um filme “às pressas”, mas não foi necessariamente rápido. Isso só significa que fizemos um filme barato, sem esperar o dinheiro. O roteiro até demorou para ser feito. Primeiro eu escrevi uma sinopse com o Jean-Pol (Fargeau, co-roteirista), e a ideia agradou ao produtor logo de cara. Nem sempre isso acontece. O que mudou para mim é que o produtor me disse: “Vamos fazer o filme, mesmo sem ter muito dinheiro”, e na hora eu pensei que precisaria fazer uma trama que se passasse apenas em Paris, ou em lugares próximos. Isso me deu vontade de refletir com base em um orçamento modesto. Eu disse: “Ok, vamos tentar”.

    De que maneira Vincent Lindon e Chiara Mastroianni encorajaram este projeto?

    Lindon já queria filmar comigo de novo, após Vendredi Soir (2002). Ele disse à Maraval (Vincent Maraval, produtor): “Se não tiver dinheiro, eu trabalho de graça”. Isso ajudou muito, claro. Chiara me ajudou por ser uma amiga minha. Chiara e eu já pretendíamos trabalhar juntas, e Vincent queria trabalhar comigo. Como ele se dá muito bem com Chiara, ele queria fazer um filme com ela. Eu não tinha pensado em fazer as coisas assim, mas acabou funcionando. Só não podia ser uma história de amor. Precisava ser violento. Não seria possível de nenhuma outra maneira. Além disso, eu não queria fazer um filme doce. As pessoas me perguntam: “Claire, por que você está sempre com raiva?”. Eu não sei, mas naquela época eu estava com raiva.

    Como surgiu a ideia de Bastardos?

    Foram várias referências, como os filmes noir de Kurosawa, que ele fez nos anos 1950. Eu achava que Vincent tinha essa figura de herói, mas também parecia um homem capaz de se enganar. Ele não era um herói sem complexidade, e ainda por cima ele se torna vítima, o que para mim era importante. A ideia da vingança era essencial. Eu também sou leitora de Faulkner, e pensei nas relações entre a garotinha de “Santuário” seu pai. No livro, não é uma relação incestuosa, mas ela também tem coisas que não pode dizer. As garotinhas nem sempre podem dizer à família o que pensam. A gente costuma achar que as crianças estão protegidas em uma família, o que é uma mentira. Elas não estão protegidas em lugar nenhum. Faulkner diz isso em “Santuário”, “Luz em Agosto”. Ele diz que a vida é feita de sangue e fornicação, e as mulheres são as primeiras a pagar o preço.

    Você apresentou estas referências aos atores?

    Não, a base de tudo foi o roteiro. Eu falei das minhas referências, e se eles tivessem vontade de ler, melhor para eles, mas acho que os atores já têm o roteiro, os cenários, os figurinos... Não consigo me imaginar pedindo para eles fazerem uma lição, ou dando um “pequeno remédio” para o elenco antes das filmagens. Atores têm que ser curiosos, intrigados, interessados por conta própria.

    Você trabalha mais uma vez com um grupo de atores que aparecem na maioria dos seus filmes, como Grégoire Colin, Florence Loiret-Caille, Alex Descas, Michel Subor... Como você dirige atores que você já conhece tão bem?

    Eu esqueço, na verdade. Eu sei que Florence fez Desejo e Obsessão (2001), sei que encontrei Michel trabalhando, mas eu esqueço tudo isso na hora de filmar. Mesmo Alex, que conheço há vinte anos... Eu esqueço porque continuo tímida, e tenho medo de não fazer direito. Eu tenho pudores. Jamais diria ao Alex, por conhecê-lo bem, algo do tipo “Vai aí, Alex, pode começar”. De jeito nenhum. Quando fiz 35 Doses de Rum (2008) com Alex, eu estava impressionada, ele era outro homem, era uma pessoa diferente. Cada ator que eu conheço é alguém que eu esqueço depois. Eu não quero criar familiaridade, nem com os técnicos como Agnès Godard (diretora de fotografia). Não tenho proximidade. Cada nova vez é uma primeira experiência. O mesmo vale para Tindersticks. É uma nova aventura.

    Já que estamos falando de aventuras, Bastardos é o seu primeiro filme em digital. Como foi esta experiência? Parece que você não era muito fã da ideia de abandonar a película...

    Mas eu sempre tenho uma pequena câmera digital comigo, e fiquei contente de trabalhar com o digital. O que me incomoda é o peso dos instrumentos, a configuração da filmagem. Tinha a câmera, e a Agnès de um lado, com fones de ouvido. Do outro lado da filmagem, tinha um local onde as imagens eram assistidas. Entre eu e Agnès tinha um computador, e durante uma semana isso me incomodou. Depois eu pedi que ela tirasse os fones de ouvido, que não olhasse mais para o monitor. Não gosto disso. Eu preciso falar com a diretora de fotografia durante os planos.

    E quanto à textura da imagem, à mudança da qualidade entre a película e o digital?

    Eu estudei bem a textura antes, eu fiz testes e assisti a vários filmes digitais antes de fazer Bastardos. Infelizmente, a realidade sobre o cinema é terrível, porque muitas pessoas só pensam na imagem depois de filmar. Para mim isso é difícil. Quando eu estou na montagem, eu já penso em algo definitivo. Se me dizem “Não se preocupe, a imagem vai ser modificada e ficar muito bonita”, isso não me convém. Se está feio, eu corto a cena. Eu preciso saber antes, não quero esperar a pós-produção para o filme ganhar um aspecto belo. A montagem é o momento de maior força em relação ao filme, quando tudo se reúne, tudo começa a ganhar sentido. Esperar pelo final não dá certo, é tarde demais. Isso não funciona comigo.

    Justamente, no caso de Bastardos, tudo é muito escuro, a luz tem um papel essencial, quando a garota nua passeia pelas ruas da cidade, ou nos apartamentos fechados... Seria difícil alterar isso depois das filmagens.

    Pois é, existe mesmo uma personagem que apaga o farol do carro antes de morrer. O filme tem um tom noturno, sombrio. Eu queria que o apartamento de Chiara fosse como um túmulo. Sempre me dizem: “O digital capta todos os tipos de luz, depois a gente arruma”. Mas eu não queria isso. Eu queria que nem tudo fosse visível, desde o início.

    A violência deste filme foi um fator polêmico. A reação da imprensa, tanto em Cannes quanto no Festival do Rio, foi de surpresa e incômodo. Mas muitas imagens são apenas sugeridas...

    Eu não queria mostrar mortes neste filme. Eu escolhi mostrar as pessoas vivas, e depois mortas, mas não o momento quando estão morrendo. A morte no cinema pode ser grandiosa, teatral, belíssima, com muito sangue jorrando em câmera lenta, mas eu acho melhor que a morte não seja vista em um filme como este. O filme fala de uma violência da vida, que conduz à morte. O ato em si é apenas uma passagem, algo que permite sair da vida. Além do mais, a morte pode ser muito banal. Ou a morte é um espetáculo, uma ópera, como em Django Livre de Quentin Tarantino, ou a morte é vista como um aspecto libertador, e neste caso ela tem que ser diferente. Mesmo a música dos Tindersticks é fria, distante. Tudo foi feito de propósito.

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