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    Anjos da Lei
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Anjos da Lei

    O absurdo sem complexos

    por Bruno Carmelo

    Tudo começa como uma simples comédia de opostos. Dois jovens policiais devem trabalhar juntos, apesar das evidentes diferenças entre eles: enquanto Jenko (Channing Tatum) é alto, musculoso, popular e burro, Schmidt (Jonah Hill) é baixinho, gordo, antissocial e inteligente. Seguindo a lógica dos tradicionais duos da comédia clássica (O Gordo e o Magro), ou da animação contemporânea (Monstros S.A., Shrek), a ideia é contrapor o físico e temperamento dos protagonistas para produzir um efeito cômico leve e imediato.

    As coisas tornam-se mais complexas quando os dois jovens policiais devem se infiltrar em uma escola para encontrar um traficante entre os alunos. Nesta hora, o gordo e o magro encontram novos opostos no horizonte. O primeiro deles ocorre com uma inversão de valores: nesta nova turma, o gordinho torna-se popular, enquanto o musculoso deve encontrar novos grupos de amigos. "É tudo culpa de Glee!", ele grita. Outro confronto é o de gerações: as escolas não têm mais apenas mauricinhos, nerds e góticos, mas também gays, vegetarianos e outros guetos que escapam ao conhecimento dos protagonistas. Enquanto isso, a música remixa em estilo atual alguns hits dos anos 1990.

    Anjos da Lei brinca constantemente com o fator anacrônico de sua adaptação. Inspirado na série de televisão do final dos anos 1980, ele mantém a premissa (policiais que devem se infiltrar entre os alunos), mas adapta o filme ao gosto pop-rápido-colorido do século XXI. "Antes também existia um grupo de policiais que se infiltrava em escolas. As pessoas sempre recriam as piores porcarias", diz um chefe dos policiais, em óbvia referência ao próprio filme.

    Desta maneira, Anjos da Lei entra na linha das novas comédias de gênero, apoiadas na reciclagem, na auto paródia, no caráter inconsequente dos atos. Como em Pânico 4, Kaboom ou Machete, pega-se um gênero como fonte de clichês a serem retorcidos e recombinados, mas nunca criticados. É divertido rir de si, acumular referências que o público jovem compreende (Twitter, a dependência química de Robert Downey Jr.), e mesmo assumir o absurdo sem complexos. Neste sentido, Anjos da Lei aproxima-se de Se Beber, Não Case!, Projeto X - Uma Festa Fora de Controle, Jackass - O Filme e outras comédias que adotam um tom inverossímil e quase surrealista (vide o Jesus coreano, a caixa de pombas em câmera lenta, o protagonista alegremente esfaqueado).

    Entram em cena gags sobre filmes de ação (os carros que nunca explodem), piadas sobre os ícones da juventude de colégios americanos (a importância do baile de formatura) e, sobretudo, uma enxurrada de referências a sexo oral, neste que é provavelmente o filme com mais piadas sobre pênis em toda a história do cinema. Tudo vale: a tensão homoerótica entre ambos, um homem sodomizado por uma mulher numa festa, outra mulher que aparece desmaiada no banco de trás de um carro, mas pronta para uma felação com o primeiro homem que aparecer.

    Pelo menos pode-se celebrar neste filme o desaparecimento do moralismo típico das comédias de estúdios norte-americanos. Este é um filme policial sem bandidos reais, apenas vilões engraçados, um pouco desengonçados, como se não tivessem percebido a própria culpa. Aqui, todas as formas de sexo, drogas, etnias, temperamentos e gostos se equivalem, são intercambiáveis e fogem de qualquer julgamento do roteiro. Anjos da Lei é um filme que não se leva a sério, ou melhor, que leva muito a sério a cartilha do filme inconsequente. Ele é "cool", pós-moderno, hedonista, como só uma produção ultra contemporânea poderia ser (impossível imaginar este roteiro quinze anos atrás).

    A direção e montagem seguem esta lógica, sendo não apenas muito rápidas, mas também quase aleatórias: a montagem veloz da introdução se desacelera na cena da festa, e depois se acelera outra vez rumo à conclusão. Essa falta de rigor parece curiosamente pertinente a um projeto tão despreocupado, tão afeito aos excessos e heterogeneidades. Tudo fica mais claro quando a conclusão apresenta uma espécie de colagem de imagens de tiros, explosões e gags do filme que acabamos de ver, mas em ritmo acelerado, fazendo destes minutos uma espécie de síntese em modo YouTube da produção toda.

    Por fim, Anjos da Lei é um filme grosseiro, um tanto mal feito, mas perfeitamente consciente disso, e satisfeito com suas escolhas – ou seja, uma produção que atinge em cheio suas pretensões, tanto estéticas quanto (a)morais.

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