Uma comédia cerebral. Talvez seja essa a melhor análise para o terceiro filme do diretor Michael Winterbottom. O filme retrata de modo reconstituído e empolgante o cenário roqueiro de Manchester. Há um retrato profundo das aventuras e desventuras dos músicos da Factory Records, e, em especial, das de seu proprietário, Tony Wilson (1950-2007), papel do comediante Steve Coogan.
Wilson, atualmente, é tido como uma figura emblemática, visionária e genial do pós-punk. No filme, é mostrado como um empresário engajado, verborrágico e um empreendedor quixotesco. Apesar dele ser o centro da narrativa, as bandas lançadas por seu selo musical no mercado fonográfico inglês do final dos anos 1970 até meados da década de 1990 também são destrinchadas.
Tudo começa com o lendário show do Sex Pistols, em Manchester, no ano de 1976. É ali que Tony, um repórter da TV Granada, decide dedicar-se ao mundo da música, pelo menos no que diz respeito à gestão de festivais e lançamento de vinis. O que abriria caminho para a criação da Factory e o surgimento de bandas icônicas para o consumo do público, como Joy Division, A Certain Ratio, Happy Mondays, New Order, etc.
O roteiro deve ter sido um calhamaço, dada a quantidade extensa de diálogos. O filme tem um tratamento curioso: as câmeras secas, sem rodopios estilísticos, a fotografia sem "frescuras" estéticas, dão um aspecto cru de documentário para TV. As conversas que Tony trava com a objetiva, narrativas e/ou metalinguísticas, reforçam a atmosfera de reconstituição, até mesmo de informalidade e com um certo humor anárquico. Talvez o pressuposto de Winterbottom fosse que fazer um filme sobre o rock seria enfadonho se feito com um formato cansativo e narrativa quadrada. Por isso são louváveis essas brincadeiras no longa.
Seguem-se então inúmeras peripécias. Não só da vida pessoal, social e profissional de Tony, nem do agitado bastidor da gravadora. Mas das bandas, dos músicos, do posterior night club de Tony (The Hacienda), em suma, da existência oscilante disso tudo, abalada quase sempre por dificuldades financeiras. E o que é muito interessante, o filme contextualiza todas essas coisas com fatos históricos do momento.
Essa incrível epopeia musical termina (após mortes, fracassos e falências) com a antológica experiência em que Tony vê Deus.