O que esperar do primeiro longa para os cinemas de Steven Spielberg? O diretor que atualmente já se consagrou na sétima arte, em 1974 estreia a sua carreira com o filme Louca Escapada (Sugarland Express, no título original). Que nada mais é uma mistura dos elementos que se fariam presentes nas futuras produções de sucesso do diretor.
Baseado numa história real, Louca Escapada é sitiada no Texas, e trata sobre a ex presidiária Lou Jean Poplin (Goldie Hawn) que ajuda seu marido Clovis Michael Poplin (William Atherton) a escapar da prisão para que enfim saiam em busca do seu filho que fora adotado por um casal em Sugarland. Numa perseguição policial, o casal fará de tudo para recuperar o seu bebê e tentar ao menos ter uma vida normal.
O primeiro filme de Spielberg a enfim chegar aos cinemas é merecedor de toda atenção. O calouro que já havia filmado outros curtas chega às telonas com primor, apesar de alguns tropeços, que vai-e-vem acabam, infelizmente, se tornando gritantes.
O primeiro erro se trata nada mais do que os personagens. Spielberg não tem paciência e os joga diretamente para a ação. Isso não é problema, já que daria muito bem para desenvolvê-los durante a perseguição policial, mas isso não acontece: os personagens do núcleo principal — o casal Poplin — não têm profundidade e são bastante rasos. Consequentemente, isso tira, parcialmente, certa emoção do espectador quanto aos acontecimentos do filme, principalmente da perseguição. Não há como, de fato, se emocionar num nível alto — quanto à suspense — durante numa perseguição da polícia do Texas atrás de dois criminosos quaisquer, pelo motivo do espectador não compartilhar sentimentos pelos personagens mal desenvolvidos.
O personagem de William Atherton, Clovis Michael Poplin, é um dos mais mal compreendidos do longa. Não é possível acreditar que ele vá atirar no policial Maxwell (Michael Sacks), pelo fato de não ser nada ameaçador e de não estar se importando, no geral, que há uma patrulha lhe perseguindo e que é um foragido federal. E em certas cenas é possível se questionar o que Michael Poplin está fazendo ali. Isso se deve mais a composição do personagem do que a atuação de Atherton que apesar de tudo está ótima.
Sacks, que interpreta o policial sequestrado, faz mais um personagem mal compreendido. Não se enxerga medo no seu personagem — mesmo estando em certos momentos com uma arma apontada para a sua face — e ele é a causa de um furo de roteiro: na metade do filme para frente, mesmo depois de tudo, Maxwell se torna simpático com os seus sequestradores, lhes ajuda em certos momentos na escapada e chega até a cantarolar com eles. Claro que isso se deve ao fato de realmente ter acontecido no caso real no qual o filme de Spielberg se baseia, mas quando transferida para a sétima arte, a atitude do policial Maxwell não é muito coerente.
O roteiro (que também é de Spielberg) é bastante fraco e conta com poucos elementos surpreendentes, contudo é salvo ao cumprir com o que promete e pela excelente direção policial que Steven Spielberg dá. Devido ao excelente talento do diretor para com as câmeras e com a condução da história, não há como não sentir tensão em certas cenas. Além disso, o diretor usa de boas metáforas cinematográficas quando a história está a se encerrar: [Spoiler]. O casal Poplin está prestes a ser pego pela polícia, quando Lou Jean começa a jogar pela janela do carro todos os pertences que ganhou dos texanos em todo o caminho que percorreu até Sugarland, e um dos principais é o urso que acaba sendo atropelado por toda a comitiva policial. As imagens traduzem claramente que Lou Jean está finalmente deixando toda a perseguição para trás e o urso atropelado trata-se do filho que enfim o casal não conseguiu recuperar. [Spoiler].
E falando da personagem de Goldie Hawn, apesar da maioria dos personagens mal desenvolvidos no filme, a sua, Lou Jean acaba se salvando. Além da ótima atuação que Hawn dá para o filme, as atitudes de sua personagem e seus princípios são compreensíveis: é uma mãe desesperada em busca de seu filho.
O personagem de Ben Johnson, o Capitão Harlin Tanner, embora coadjuvante também se salva do mal desenvolvimento. É um personagem bem elaborado e que consegue se achar na trama.
Quanto a trilha sonora, não poderia ser melhor, pois além de se tratar do primeiro longa para os cinemas de Spielberg, Louca Escapada marca a estréia da parceria do diretor com o compositor John Willians, que assim como nos seus trabalhos vindouros, aqui faz um excelente e marcante. Mesmo a trilha sonora sendo pouco presente, nas poucas vezes que ela aparece consegue emocionar e condizer com o filme. Ou seja, aparecendo nos momentos certos e se fazendo valer.
Louca Escapada é o primeiro filme do diretor Steven Spielberg e não poderia ser melhor. Usando elementos que se repetiriam em seus futuros filmes, o longa se torna um prato cheio para os fãs do diretor e até para quem não é — afinal, Spielberg agrada de crianças a adultos. Mesmo com pouca emoção presente quanto aos personagens, vale a pena conferir cada minuto da louca busca do casal Poplin até o seu filho.
Nota: 9.3/10