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    Narciso em Férias
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Narciso em Férias

    Impávido colosso

    por Barbara Demerov

    Narciso em Férias pode se passar em apenas um ambiente, mas a viagem ao passado que o documentário percorre é muito forte. Caetano Veloso não só revisita o Brasil da ditadura militar como também relembra sentimentos contrastantes que mergulhou de forma profunda dentro de uma cela durante dois meses. Logo de início, é de se admirar a potência da história narrada por ele próprio, pois ela deixa claro que, para a experiência ser memorável para o espectador, basta ouvir.

    E é isso o que é proposto ao longo de quase 1h30 de projeção. Caetano fala, se emociona, canta, relembra traços físicos de pessoas que conheceu durante sua prisão na ditadura... Ele faz tudo isso enquanto a câmera o acompanha intensamente: ora observamos o artista bem de perto, com o zoom em sua face, ora o plano deixa o protagonista de canto, como se ele fosse uma pequena figura diante de um paredão de cimento, frio e sem vida.

    As palavras de Caetano permeiam a obra do início ao fim -- e o fato de o espectador ter apenas isso como guia narrativo não traz nenhum demérito para a experiência como um todo. Os diretores Renato Terra e Ricardo Calil aproveitam o ouro que têm em mãos: a experiência viva dentro da mente de uma das maiores figuras artísticas do Brasil. Por isso, usam e abusam das "brincadeiras" com os enquadramentos de câmera e deixam Caetano ser guiado pelas lembranças e emoções de forma muito humana.

    Com uma mistura de bom-humor e assombro pelo o que viveu em 1968 e 1969, Caetano Veloso é um ponto de luz em meio a duras palavras sobre os métodos dos militares diante das incontáveis prisões e torturas durante o período pós-golpe. Ele só foi um dos milhares e, felizmente, teve um final feliz que carrega até hoje. Mas isso não tira o peso de sua prisão injusta, baseada em uma "fake news" muito antes do termo se tornar tão popular. Ver Caetano falar sobre seu período na prisão de forma mais emotiva do que agressiva certamente é um dos pontos mais marcantes do filme.

    Narciso em Férias -- cujo título se conecta a uma de suas músicas e ao estado psicológico em que a vaidade se encolhe até esvanecer -- desnuda um Caetano Veloso disposto a mostrar ao mundo algo que nunca escondeu de si mesmo. Entre versos de Hey Jude, dos Beatles, e pausas emocionadas durante a leitura de transcrições dos interrogatórios feitos pelos militares durante seu processo de reclusão, o documentário transita entre duas vertentes: a de entregar ao espectador o exemplar de que a arte é uma forma de cura, e a de subir o patamar do que Caetano representa não só enquanto artista, mas também como um capítulo vivo de nossa história.

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