Quando eu vi “O Vento” pela primeira vez, foi em 1967 no relançamento “na magia de 70mm e full som estereofônico”. Eu era um rapazola de 17 anos, o que quer dizer que agora começo a querer virar o velocímetro...
Fui ver o filme porque minha mãe quase me obrigou, dizendo que eu ia ver a beleza da Vivien, as “bandeiras” do Rhett, a cena do baile... Ela o tinha visto na saída em 1940 (no Brasil) e ainda estava maravilhada.
A primeira seção era a meio dia. Cheguei, com o meu amor de antão, pelas onze horas. Já tinha umas 20 pessoas. Logo, a fila tornou-se longa e densa. Foi no Cine Vitória, o único, creio, que era equipado com a parafernália de superprojetores e trilhas sonoras.
Eu tinha na ideia que ia ser um filme velho, cheio de arranhões, com saltos de imagem et pipocadas no som. Mas... se mamãe falou, tá bão.
Finalmente entramos na sala e ouvimos meio em surdina (depois eu soube que eram) as músicas compostas para o filme, cada personagem tinha a sua. Novidade mesmo em 67. Um “vento’ de nostalgia me pegou quando escutei o tema da Belle (depois eu soube que era). Uma melodia linda, em tom maior mas de uma tristeza e de uma melancolia como era a personagem.
Estranho...Músicas antes do filme... Mas tudo combinava com os banners na fachada e a decoração do hall de entrada. Eles recriaram a atmosfera do lançamento em Atlanta!
De repente a luz piscou, a cortina se abriu, os sinos tocaram e vimos o palacete da Selznick. Eu não conhecia este cara. Que era isso? Uma fábrica de antiácidos? Alka Selznick?
O genérico desfilava e o tema de Tara enchia a sala. Um pouco antigo mas ainda bonito.
Aí, começou. O Technicolor havia sido tratado pelos laboratórios da Metro e estava esplêndido. Um detalhe ou outro na maquillage ou nos penteados recolocavam de vez em quando filme na époque em que foi rodado, mas eu era muito detalhista e exigente na época.
O melhor é que não se “notava” que era um velho filme. O recorte do filme em formato widescreen não perturbou em nada. Os purista disseram na época que Scarlett e Rhett estavam esticados e deformados em 70mm. Os técnicos da Metro haviam re-enquadrado cada cena, cada plano com um cuidado extremo. Se faltava o alto do chuca chuca da tia Pittipat ou a bainha da anágua da Suellen, isto não tirava em nada a beleza da obra. Noventa por cento do filme foi feito de diálogos em plano americano. Os planos largos (na estação, o incêndio, a debandada e outros) não sofreram nada e ganharam um aspecto ainda mais épico.
Em 2001, encontraram milagrosamente as três bandas de negativos originais, jogadas numa prateleira recôndita. Não havia mais a possibilidade de usar os negativos da maneira original pois os laboratórios da Technicolor tinham desmanchados as instalações. Mas existia agora a magia do digital. Os negativos foram escaneados, corrigidas as falhas e arranhões, foi feita a junção dos negativos com uma precisão de 1 pixel e vimos uma imagem com detalhes esplêndidos. O som westrex em hi-fi original também foi escaneado e ressurgiram o farfalhar das rendas e o som um pouco agudo demais dos suspiros de Vivien. Foi lançado um collector dos 70 anos e eu me apressei de comprar o coffret.
Só que o formato foi restaurado para a tela em 4:3. Tudo bem. Mas eu QUERIA o widescreen e minha tv de 60” possui um zoom regulável em altura e largura. Então eu “taquei” o zoom e tive o prazer de ver Scarlett e Rhett não esticados, mais aumentados. Imagem magnífica.
Em 2010 eles fizeram uma restauração em 6k e no estado atual da tecnologia, chegaram ao máximo.
Um dos Oscars arrematados foi pela “utilização da cor como elemento artístico”. Pela primeira vez amordaçaram a “conselheira” Natalie Kalmus e filmaram sombras, “contre-jours”, silhuetas e outras ousadias que deram muito certo. Esta última restauração, para mim, foi um pouco exagerada. Tem planos que Scarlett parece ter a “escarletina” e está com uma pele quase cor de abóbora. Em outra cena, quando era aborda e para o soldado em debandada, a cor estava sublime. Quando era encontra Big Sam, raramente vi um technicolor tão esmaltado e brilhante.
Em resumo, este filme foi um precursor. Por isso, marcou as mentes das 4 gerações que o viram. Até hoje, nos clips de “reaction” do Youtube, vemos os críticos que aplaudem o fim do filme. Eu também aplaudo cada vez que assisto. Foi o melhor filme de todos os tempos? Acho que sim.