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    Filho-Mãe
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Filho-Mãe

    Tempos difíceis

    por Francisco Russo

    Já há alguns anos, o cinema iraniano tem se transformado. Saem de cena as histórias em meio ao deserto, por vezes mais puras e contemplativas, entra em seu lugar um país urbano, com o barulho típico de qualquer cidade grande e a complexidade das relações humanas em ambiente próximo. O expoente máximo de tal mudança é o diretor Asghar Farhadi, ao apresentar em filmes como A SeparaçãoO Apartamento as contradições e peculiaridades da sociedade local.

    Son-Mother segue esta mesma linha, adicionando à sua paleta o viés feminino. Nada mais natural, afinal de contas este é um raro caso de filme iraniano dirigido por uma mulher, a quase estreante Mahnaz Mohammadi. Conhecedora de uma sociedade que limita a mulher a um sem número de preconceitos, é a partir de um caso perfeitamente plausível dentro da ótica iraniana que ela prepara um filme de extremos, como forma de denunciar o absurdo de tal "normalidade".

    Dividido em dois capítulos, cada qual protagonizado por uma vertente registrada no título, a história gira em torno de uma viúva que, para sustentar os dois filhos, suporta as mais variadas ofensas e humilhações na fábrica em que trabalha. Em permanente crise financeira, ela tem como possível saída a proposta de casamento do motorista do ônibus do trabalho, que lhe faz apenas uma exigência: que o filho mais velho dela, o jovem Amir, seja enviado para longe. O motivo? O falatório que se dará caso ele more na mesma casa de sua filha, de idade semelhante.

    Se a proposta de um casamento como solução para todo e qualquer problema financeiro já é ofensiva por si só, não apenas pela diminuição da possível esposa como também pela sua alegada incapacidade de gerenciar a própria vida, a condição imposta amplia ainda mais o absurdo: o medo da fofoca pode levar uma mãe a abandonar seu próprio filho. Simples assim.

    Se na primeira metade o roteiro de Mohammad Rasoulof ressalta justamente o conflito ético diante de tal exigência, o peso da realidade está a todo instante oprimindo os personagens. Em relação à narrativa, há uma diferença escancarada nas duas metades: a primeira, calcada na mãe (Raha Khodayari, bem em cena), carrega consigo a dor inerente de tal escolha, digna de Sofia; a segunda, focada no filho (Mahan Nasiri, necessariamente apático), é bem mais seca de forma a ressaltar a sobrevivência, custe o que custar. Métodos diferentes para, no fim das contas, retratar duas vítimas dos preconceitos inerentes à sociedade iraniana.

    Filme denúncia escancarado, Son-Mother cumpre bem seu objetivo, por mais que vez ou outra carregue a mão ao acumular preconceitos de forma a pressionar a protagonista em busca de uma resolução rápida. Outro deslize cometido é bem no final, quando breves frames destoam do tom seco apresentado até então para trazer um desfecho novelesco e emocionalmente excessivo. Ainda assim, um filme que merece atenção pela boa execução e, mais uma vez, por ressaltar o que acontece com tamanha normalidade na sociedade iraniana.

    Filme visto no Festival de Toronto, em setembro de 2019.

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