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    Long Gone By
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Long Gone By

    O direito dos imigrantes

    por Sarah Lyra

    Em tempos de Tolerância Zero, política do atual governo norte-americano para desencorajar a imigração não documentada, Long Gone By se apresenta como um filme relevante e diferenciado por ir além da problemática inicial: a travessia e chegada aos Estados Unidos. O diretor Andrew Morgan conta a história de uma imigrante nicaraguense, Ana (Erica Muñoz), que vive no país há mais de 15 anos e está prestes a ser deportada. O momento não podia ser pior, já que sua filha Izzy (Izzy Hau'ula) acaba de ser aceita na Indiana University, uma cara e renomada escola em que a jovem dificilmente poderia se matricular sem uma bolsa de estudos. O problema é que, por conta do status de imigrante de Ana, Izzy sequer pode concorrer a qualquer tipo de benefício para ajudar nos custos, como empréstimos federais ou bancários, mesmo sendo a melhor aluna da turma — e tendo uma mãe organizada e responsável, uma cidadã exemplar, do ponto de vista governamental. Morgan explora, portanto, as injustiças de um sistema perverso, cujo manual de instruções foi concebido para privilegiar um seleto grupo de pessoas.

    A protagonista não hesita em trabalhar, ela transita entre um emprego e outro sem dar muita atenção às longas horas em serviço, pois sabe que do trabalho depende seu sustento e, principalmente, sua independência. Diferente de outros filmes sobre o tema, não há qualquer romantização da rotina pesada, a abordagem crua de Morgan está presente em todo o filme — reforçada pela fotografia dessaturada de tons outonais proposta por Lance Kuhns. Ana não enxerga a vida nos Estados Unidos como um caminho para o Sonho Americano, o ethos impulsionado por um ideal meritocrático de conquista e oportunidade. Pelo contrário, ela está perfeitamente ciente e conformada com seu papel nesse sistema, exceto quando se trata da filha, a quem quer garantir os estudos completos e a chance de uma vida com possibilidades.

    A força de Long Gone By está no subtexto, no silêncio entre um diálogo e outro, como na cena em que Izzy e Ana limpam a cozinha de uma mulher, Angie (Sherryl Despres), enquanto esta reclama de como é injusto que um de seus vizinhos tenha pintado a cerca da casa de uma cor diferente daquela prevista nas regras da associação de moradores do bairro, revelando um enorme contraste social nos dramas das duas famílias. Morgan é gentil ao não horrificar a figura da mulher branca, optando por trabalhar as nuances da situação. Angie não compreende a realidade desprivilegiada daqueles que a cercam, mas tampouco está isenta dos efeitos gerados por sua ignorância.

    Uma das cenas mais reveladoras nesse sentido é quando Izzy se oferece para ajudar Ethan (Ethan Dawson), filho de Angie, com exercícios de matemática, já que são amigos e estudam na mesma turma. Ao ouvir a oferta, Angie agradece, ressalta a gentileza da jovem e, em seguida, pergunta: “precisamos te pagar?”. Ou até mesmo a cena em que Ethan, retratado como um estudante preguiçoso e prestes a ser reprovado em algumas matérias, conta à Izzy sua intenção de estudar escrita criativa na New York University, uma das mais prestigiadas dos Estados Unidos. Surpresa com a informação recém-compartilhada por ele, a jovem indaga: “você escreve?”. “Ainda não, não sei muito sobre o que escrever”. É interessante notar como o garoto sequer precisa se preocupar com a aceitação em uma grande escola, gastos exorbitantes ou que formação seguir; sua vida está alinhada para ser mais tranquila e despreocupada que a da amiga, que, mesmo convicta do que quer alcançar, jamais terá as mesmas oportunidades do garoto.

    Nesse ponto, é difícil não refletir acerca dos questionamentos sobre a institucionalização da discriminação a qual os imigrantes estão sujeitos, uma vez que consigam fazer a travessia. Na ausência de uma documentação oficial, como mensurar e atribuir direitos e valores a algumas pessoas que, em muitos casos, dedicam boa parte da vida a um país? Izzy, que, no longa, chegou ao estado de Indiana quando era bebê, e não conhece outro modo de vida, cultura ou idioma, não deveria estar respaldada como residente americana, ainda que sua cidadania não esteja oficializada? É realmente o carimbo em um pedaço de papel a única forma de elegibilidade à cidadania dentro de uma fronteira? São essas algumas das perguntas lançadas por Morgan durante a trama, acompanhadas por uma tensão e sentimento de impotência muito bem orquestradas pelo diretor.

    Paralelo aos questionamentos está o dilema da protagonista de romper com sua moral para ter a certeza de que fez todo o possível para ajudar sua filha, configurando o ponto mais dramático do longa. Erica Muñoz entrega uma atuação contida de uma personagem que não pode se dar o luxo do desespero, e aposta em olhares alarmados e semblantes carregados para manifestar seu estado de espírito. A atriz estreante Izzy Hau'ula, por sua vez, expressa em Izzy Alvarez o peso de viver constantemente com medo de perder sua mãe para a burocracia. Em alguns momentos, há uma inversão de papéis e, ao contrário do que se imaginaria, é a mãe que se encontra em uma negação cíclica, enquanto a filha precisa ser cruelmente realista. Long Gone By se encerra com o mesmo olhar gentil e contemplativo com que conduz sua explanação, se tornando convidativo ao debate, mas sem fugir da assertividade tão necessária a um posicionamento.

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