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    O Corpo é Nosso!
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    O Corpo é Nosso!

    A liberação ainda é um processo

    por Barbara Demerov

    É assustador pensar que o mundo é capaz de inventar tecnologias que servem para fazer a humanidade evoluir constantemente, mas que ainda exista tantos problemas ligados à natureza da mulher. A menstrução continua sendo um tabu em diversos países, a amamentação ainda gera discussão e corpos femininos permanecem puramente como objeto de desejo para muitos homens. A luta pelos direitos das mulheres se mantém árdua apesar das conquistas vistas nos âmbitos profissional e pessoal - mas, especialmente quando tratamos da liberdade de expressão corporal, a violência e o preconceito seguem firmes sob a justificativa de que a culpa é sempre delas, não importa a situação.

    Mesclando documentário com ficção, O Corpo É Nosso, da diretora Theresa Jessouroun, tem um papel interessante enquanto objeto de estudo sobre a trajetória do corpo da mulher no Brasil. Traçando elementos da moda até chegar no funk, a metalinguagem contida na escolha de dramatizar uma parcela do filme é bem colocada, apesar de soar um tanto didática e clichê. No papel de um jornalista incumbido de fazer uma matéria sobre feminismo, o personagem de Renato Góes, homem de classe média/alta, é a personificação do exemplo que a diretora insere na obra.

    Ao procurar fontes para a matéria, ele encontra sua empregada do passado (com quem teve um caso) num baile funk, e acaba descobrindo que tem uma filha com ela. Mas, assim como essa frase curta e direta, tudo acontece rápido demais a fim de resultar numa camada mais abaixo da documental, que é o cerne do longa de fato.

    A pesquisa do jornalista se interliga com o documentário em si, que conta com ótimos depoimentos de mulheres de diferentes profissões, entre psicóloga, estilista e historiadora, até chegar em feministas ligadas diretamente ao ativismo, cujas passeatas (como a Marcha das Vadias) abrem o filme. Estas são definitivamente a melhor parte da obra, que não perde o fio da história mesmo indo a décadas passadas e voltando ao presente com certa frequência. Com isso, a parcela de ficção se torna um tanto exaustiva, pois não possui o mesmo desenvolvimento (o que inclui boas imagens de arquivo) como acontece na parte documental.

    Com menções a atrizes americanas que ajudaram as mulheres brasileiras a se posicionarem visualmente, até chegar em figuras brasileiras que fizeram história seja por "assumirem" sua gravidez ou divórcio diante de uma sociedade completamente machista e conservadora no século 20, O Corpo É Nosso consegue chegar até seu ponto de origem na discussão que propõe: a liberação do corpo feminino continua em voga, mas conta com o auxílio de diversas artes, como o samba, para tentar chegar a um nível de naturalidade e aceitação plena de que ser mulher também é ter o poder particular de sua matéria física.

    Apesar de apenas flertar com questões como o abuxo sexual e o feminicídio, assuntos que fazem parte da realidade cada vez mais atual de centenas de milhares de mulheres, e também de tardar um pouco até chegar no ponto principal já citado, o filme traz um recorte importante e digno do papel da mulher enquanto indivíduo, e não apenas dona de casa ou cartal postal. O Corpo É Nosso é, acima de qualquer coisa, um lembrete universal, mas também possui, enquanto cinema, uma montagem e direção pontuais que não beiram a repetição e asseguram o dinamismo dos depoimentos selecionados.

    Por mais que traga certa quebra da atmosfera informativa na área documental, a parte ficcional encontra um pouco de redenção próximo ao fim, que demonstra a capacidade do homem em seguir o caminho correto e, quem sabe, se colocar no lugar de uma mulher. Com relação ao caso que o filme mostra, é sabido que não são todos os que assumem a paternidade fora do casamento, mas também é para isso que serve a ficção: mostrar o que a realidade tem chance de ser.

    Filme visto no 23º Cine PE, em agosto de 2019.

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