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    Um e Oitenta e Seis Avos
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Um e Oitenta e Seis Avos

    Sobre danos e reparações

    por Barbara Demerov

    Uma história sobre perder-se dentro de si mesmo e encontrar uma chance, por mais remota que seja, de se reencontrar quando menos se espera. Assim poderia ser resumido o filme Um e Oitenta e Seis Avos, do diretor Felipe Leibold. Mas ainda há muito mais a se desvendar nesta narrativa marcada pela experimentação dentro de um gênero que beira o bizarro. No longa, existem aproximações bastante sensoriais através das personagens principais, que emanam uma atmosfera incomum e fantástica enquanto falam sobre questões do ser humano moderno.

    Tais personagens não possuem nomes e são conhecidas simplesmente como Mulher e A Vizinha. Isso diz muito do clima surreal do longa, que gira em torno da protagonista sem nome em busca de uma explicação médica, pois seus órgãos internos estão sumindo sem qualquer motivo aparente. Coração, pulmão, rins... Eis uma grande metáfora sobre o vazio de sua vida - passada pela última década apenas na companhia de si mesma e com alguns atritos na relação com a mãe -, que é bem trabalhada pela direção e roteiro pois permanece obscura e fascinante o suficiente para que nos importemos com o estado da personagem.

    A grande questão negativa do filme recai na parte técnica, que por muitas vezes desestrutura a força das cenas devido ao som problemático (com ruídos e sons externos das locações) e a cortes que tornam tudo muito seco e dissonante. No entanto, se há falta de harmonia nesse quesito, que acaba por impossibilitar um mergulho mais profundo, existe sobra nos diálogos e na conexão das atrizes Talita Feuser e Ana Luiza Lamoglia, que se complementam naturalmente e aos poucos, graças à tranquilidade do roteiro em não expor todos os fatos de uma vez, tampouco deixá-lo expositivo demais.

    Com um argumento interessante e boas atuações, Um e Oitenta e Seis Avos garante a curiosidade muito por conta de um universo particular que realmente convence - não importando a alta parcela de fantasia em sua concepção. Os assuntos dispostos a serem discorridos ao longo da projeção são pertinentes, como o vazio que o mundo moderno pode encontrar facilmente, inclusive em uma festa cheia de pessoas e conversas frívolas, até chegar aos danos que relações amorosas ou familiares podem criar em seu eu interior. A relação de Mulher com a mãe, por exemplo, diz muito sobre a falta de tato para reparar certos problemas que necessitam apenas de mais atenção.

    Uma pena que a construção do longa ameaça chegar a um twist chamativo - ou puramente a um clímax que antecede uma resolução mais completa sob a perspectiva desorientada da protagonista. Aos poucos, Mulher passa a enxergar tudo com mais clareza e também passa a sentir amor por outra pessoa (o que poderia ser um gancho para seus órgãos internos voltarem a aparecer), mas o roteiro apenas organiza parte das peças deste interessante e imenso quebra-cabeças para somente levá-las a um desfecho bruto e tão brusco que chega a causar estranheza. Ao analisar o fim desta história, vemos que a mensagem final nada quer explicar, tampouco conduzir o filme a uma perspectiva que caiba dentro da profundidade alcançada na protagonista.

    Filme visto no 23º Cine PE, em agosto de 2019.

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