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    Você Nem Imagina
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Você Nem Imagina

    A ressignificância do amor

    por Barbara Demerov

    Ao longo de Você Nem Imagina e entre as narrações da protagonista, o espectador lê diversas frases sobre o amor em uma tela preta. Além deste artifício servir como uma diretriz à história, que fala majoritariamente sobre este sentimento, tais frases são muito importantes para a própria Ellie (Leah Lewis) ter uma ideia de como é se apaixonar e descobrir mais sobre si mesma através disso. É como se ela estivesse lendo aquelas palavras para si, não para nos contar sua história. Mas a jornada narrada neste filme - que mescla bem os gêneros coming of age (amadurecimento) e romance - não diz respeito somente à Ellie: como o amor é sempre uma via de mão dupla, os personagens Paul (Daniel Diemer) e Aster (Alexxis Lemire) são muito importantes para sua evolução.

    A melhor característica do novo filme de Alice Wu é o fato de o roteiro introduzir aos poucos a verdadeira realidade sobre o amor sob a ótica ingênua do trio: afinal, ele vai muito além daquele tipo de sentimento que idealizamos quando ainda não o conhecemos de verdade. Apesar de soar clichê, Wu garante bastante identidade ao seu trabalho no modo como filma e em como dispõe de tudo o que está em cena. Seus enquadramentos, ora focados muito próximos do rosto de Ellie, ora mais amplos para contar a história através dos ambientes externos (como os trilhos de trem ou a estrada em que ela anda diariamente), são delicados e ao mesmo tempo dizem muito.

    Enredo formado por sutilezas e descobertas da juventude

    Você Nem Imagina possui um requinte visual e narrativo muito próprio para a história de uma jovem que vive com o pai viúvo e ganha dinheiro escrevendo redações para os colegas de classe. Os detalhes do cotidiano de Ellie e seu pai entram em um misto de beleza com melancolia, como nas cenas em que fazem suas refeições enquanto assistem a um filme clássico para que o inglês do patriarca chinês melhore. Ao mesmo tempo em que vemos a cena final de Casablanca na televisão, uma luz pisca ao fundo por falta de pagamento, demonstrando que aquele dinheiro a mais que Ellie recebe ajuda o pai (além de desempregado, ele está completamente excluído do próprio pais em que vive).

    É com sutilezas que o filme constrói uma dinâmica interessante entre o cenário familiar e externo de Ellie. Quando Paul se aproxima da jovem pedindo para que escreva uma carta à Aster, Você Nem Imagina começa a desenhar a questão e os significados de amor que cada um possui naquele momento. Paul acredita que o que sente por Aster é amor por mais que nunca tenha conversado com ela, enquanto Ellie começa a sentir algo diferente por Aster e passa a colocar muito de si mesma nas cartas posteriores - secretamente, é claro. Logo, o "triângulo amoroso" se forma, mas não num sentido físico. Os três jovens saem desta experiência mais maduros e compreensíveis com relação a si mesmos, além de terem a noção de que o amor pode (e deve) vir em forma de amizade.

    Por falar em amizade, talvez o que mais se destaque no longa é o carinho mútuo que se forma entre Ellie e Paul. Quando o garoto passa a frequentar a casa da protagonista e inclusive começa a se comunicar com o pai de Ellie, o roteiro sempre deixa nas entrelinhas que o verdadeiro sentido de todo o plano das cartas não é o de Paul conquistar Aster, mas sim o da dupla expandir um pouco a visão de mundo que possui - ainda que dentro de uma pacata cidade do interior, que é tão religiosa quanto tradicional. O que pode parecer uma distração da trama principal no início torna-se a verdadeira essência da narrativa: o amor de amigos. O resignificado da idealização que outrora era tão perfeita para Paul dá espaço à criação de objetivos mais genuínos e pés no chão, enquanto que para Ellie é mais ou menos o contrário: ela descobre o que é o tal deste amor que o amigo tanto afirmava saber.

    Você Nem Imagina se encaixa no estilo Para Todos os Garotos que já Amei, mas com uma diferença: há mais nuances dramáticas e até ironias presentes nos diálogos. Sem contar, é claro, a naturalidade com que insere o romance LGBT em meio às tradições e expectativas que cercam Aster, cuja luta interna entre pertencer a um local que não lhe faz feliz e se libertar da concepção que criaram para ela também ganha espaço. Entre frases sobre amor, confissões dentro de uma igreja e metáforas sobre pintar um quadro do zero de forma autêntica, o filme de Wu se difere positivamente por construir seus personagens combinando certos acontecimentos que só podemos ver em filmes clássicos com a realidade. Afinal, às vezes a vida pode trazer essa grata mistura.

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    Comentários

    • Roger B
      Olha, filme bom é quando ele segura sua expectativa e esse fez isso comigo, tanto que tive que recorrer as redes sociais pra tentar entender o que de verdade aconteceu. Quanto a interpretação da atriz principal, por ser chinesa talvez essa frieza seja natural, eu gostei.
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